É inevitável sentirmos que existem muitas coisas más a acontecer, mas a verdade é que, mais do que isso, temos o jornalismo cada dia mais eficaz e acessível, o que nos leva a estar muito mais em contacto com o que nos rodeia. Pese o facto de existirem diversos tipos de jornalismo, todos eles se pautam por critérios essenciais, tais como a liberdade e a credibilidade, que todos entendemos como relevantes, e ainda, a objetividade.
Este último, apesar de fulcral, sempre foi um pouco mais propenso a celeuma. Enquanto o jornalismo, tal como qualquer área, evolui ao longo do tempo, a objetividade tem adquirido, no nosso século, uma importância soberana, com o intuito de ser o mais fidedigno possível à informação. Contudo, em simultâneo, temos assistido a autênticas batalhas de egos entre pivots de diversos jornais, que perigam, frequentemente, este fundamento.
Considero estes momentos de devaneios, exclusivamente baseados em opiniões pessoais, demasiado invasivos. O jornalismo tem o privilegiado e pertinente papel de poder mediar seletivamente a informação e os factos entre a sociedade e o que é relevante a conhecimento público.
Para mim, não é significativo o que pensa o pivot de cada jornal e penso que pode até ser arrogante da parte de cada um, tentar conduzir o meu pensamento, seja em que sentido for.
Vivemos numa época em que a inteligência emocional ganha mais terreno, e bem, de modo a prover-nos com mais ferramentas para gerirmos os nossos sentimentos e comportamento. Posto isto, dizer que determinado jornalista apenas se manifesta porque é empático, é perder o conceito pelas entrelinhas do estrelato barato.
Senão repare-se, ser capaz de manter o silêncio perante situações que nos devastam, pode ser um desafio muito mais árduo de superar do que vociferar umas quaisquer palavras, cujo único objetivo é galvanizar e induzir o público, para que veja as coisas à sua maneira. Empatia é respeitar o outro, o seu espaço, a sua necessidade de processar a informação e acolher a forma como escolhe expressar-se. É um ato de coragem e de carinho para com o público saber respeitá-lo, não assumir que precisa que lhe ocupemos o juízo crítico com a própria ideia, mas sim dar-lhe espaço para que possa pensar por si.
Urge não assumir que o espectador necessita de ir pela mão crítica de um jornalista. Perante uma qualquer atrocidade óbvia, o papel do jornalismo é muito relevante, tal como o do silêncio que se segue.
Enquanto psicóloga, sei que se, perante um desabafo sofrido de uma situação desumana, preencher o outro com o que eu própria sinto, seja partilhando uma lágrima ou dando uma opinião, estarei a privá-lo, violentamente, do seu espaço para se expressar. Estaria a impor-lhe que se colocasse de lado a si e que passasse a gerir os meus sentimentos. O momento não é meu, é de quem está a lidar com essa situação. Em consulta, ao ouvir histórias aterradoras, capazes de fazer chorar as pedras da calçada, termino o dia regulamente abatida.
Tendo uma relação terapêutica de confiança, mesmo com um encaixe salutar de emoções, é muito exigente ouvir alguém descrever, dolentemente, o seu passado ou quotidiano, e aceitar que apenas me cabe o papel de oferecer orientação clínica, suportando a tristeza ou revolta que aquela partilha possa aportar-me.
Giro assim, em silêncio, o pesar indissociável do privilégio desta escuta ativa, na esperança de proporcionar alívio psicológico ao outro, que passa a sentir-se ouvido, validado, merecedor de respeito e empoderado. Ser capaz de assistir a sofrimento humano, considerando que quem nos acompanha merece o seu espaço e que o melhor que podemos fazer por essa pessoa, nesse momento delicado, é estar presente, sem o atropelar com o que nós próprios sentimos sobre isso, é uma dura arte.
E o jornalismo anda de mãos dadas com esta consideração que o espectador merece, após o reconhecido trabalho de lhe dar conhecimento do que está a decorrer ao seu redor, sem demagogia ou condescendência. Informar de modo claro, assertivo e factual, com o objetivo de manter a sociedade consciente e atualizada, é de uma dignidade tão grande, que culminar num desabafo ventilado, apenas anula e desmerece o seu próprio propósito.
Por Isabel Filipe, Psicóloga Clínica e autora do blogue Agir e Sentir.
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