As pessoas com perturbação da ingestão compulsiva comem muito mais rápido do que o considerado normal e até que ficam indispostas ou desconfortavelmente cheias. Sentem-se tristes, desgostosas e frustradas consigo próprias após cada episódio de ingestão alimentar excessiva, indesejada e incontrolável. Fortes sentimentos de culpa e de angústia acentuada estão igualmente presentes e contribuem para o mesmo imenso mal-estar. Devido à vergonha pela ingestão compulsiva dos alimentos procuram comer sozinhas ou escondidas, afastadas de quem as poderia observar e notar esses comportamentos.
Por conseguinte, facilmente tendem ao isolamento social e a experienciar a solidão. A depressão também surge relacionada com esta perturbação alimentar, constituindo-se como mais um fator significativo de acrescido sofrimento.
Sabe-se que esta perturbação alimentar não está associada ao uso regular de comportamentos compensatórios inadequados, designadamente, autoindução do vómito, abuso de laxantes ou diuréticos, jejum ou exercício físico excessivo, e não ocorre exclusivamente na anorexia nervosa ou na bulimia nervosa.
Apesar de ser menos falada do que a anorexia nervosa (perturbação do comportamento alimentar caracterizada pela recusa em manter um peso corporal normal mínimo para a idade e altura) e a bulimia nervosa (perturbação do comportamento alimentar caracterizada por episódios de ingestão compulsiva de alimentos, seguidos por comportamentos compensatórios desadequados para impedir o aumento do peso), a perturbação de ingestão compulsiva afeta um grande número de pessoas e compromete, de igual forma, a saúde mental e física, e, consequentemente, o bem-estar e a qualidade de vida de quem sofre desta perturbação. Necessita, de igual forma, de intervenção clínica especializada adequada a cada caso.
São apontados múltiplos fatores como causas para o surgimento e manutenção da perturbação de ingestão compulsiva, nomeadamente, genéticos, emocionais, familiares e socioculturais. Dietas muito restritivas também são apontadas como causa, precisamente porque esses comportamentos alimentares deficitários facilitam ações compensatórias.
O início desta perturbação situa-se tipicamente no final da adolescência ou princípios da idade adulta. A prevalência global oscila entre 15% e 50%, sendo 1,5 vezes mais frequente nas mulheres do que nos homens.
De entre todos os fatores precursores desta patologia, os quais poderiam ser amplamente desenvolvidos e cuja relevância é inegável, destacam-se as emoções pela sua função adaptativa e de sobrevivência do ser humano, em todos os momentos. Efetivamente, as emoções estão presentes em cada perceção do estado interior de uma pessoa, ou da sua realidade externa, intervindo nas avaliações pessoais para posteriores decisões. Constituem-se, assim, parte fundamental e integrante em todas as tomadas de decisão. É nesta dinâmica entre a mente e o corpo com o meio externo que podem ocorrer perturbações internas.
A maioria dos modelos teóricos das perturbações alimentares sugere que o recurso à compulsão alimentar ocorre, muito provavelmente, por falta de estratégias mais adaptativas, numa tentativa das pessoas se abstraírem e/ou minimizarem o que é perturbador. Assim, esta perturbação não está diretamente associada à experiência das emoções negativas em si, mas à falta de estratégias para lidar com estas emoções. Evidências científicas mais recentes indicam que a compulsão alimentar pode facilitar, apenas, alguma melhoria temporária no humor, não representando, de todo, um comportamento saudável desejável ou de tratamento.
Resultados de vários estudos mostram que as dimensões raiva/frustração, ansiedade e tristeza/depressão são responsáveis por 95% do humor que antecede um episódio de compulsão alimentar. No entanto, a dimensão raiva/frustração, comparativamente com a tristeza/depressão, surge com mais frequência antes destes episódios.
A dimensão raiva/frustração surge, também, perante o experienciar de emoções negativas sentidas relativamente a outras pessoas, decorrentes das relações interpessoais, nomeadamente, desânimo, irritabilidade, culpa, raiva, frustração, desamparo, rebeldia, ressentimento e ciúmes. Consequentemente, este processo de emoções e efeitos negativos provoca comportamentos de ingestão compulsiva.
O remoer sobre factos, circunstâncias e estados emocionais negativos é entendido como um processo cognitivo que está associado à severidade dos comportamentos de ingestão compulsiva. Evitar ou suprimir emoções indesejadas na tentativa de fazer de conta que não incomodam, é parte integrante do mesmo conjunto de estratégias disfuncionais que concorrem para uma maior ingestão de alimentos. Estes esforços revelam-se ineficazes, o que leva à persistência e aumento de pensamentos e sintomas psicopatológicos.
A impulsividade (igualmente designada como urgência negativa) também está associada à perturbação da ingestão compulsiva, tal como a várias outras perturbações do foro mental. As pessoas impulsivas têm tendência para agir rápida e prematuramente e sem antevisão adequada para as consequências dos seus comportamentos. Tendo em conta que atuam sem dar tempo para a reflexão ou para trabalhar emoções indesejadas, facilmente recorrem à ingestão compulsiva da comida, como tentativa de alívio ou de supressão do que as faz pensar e sentir mal.
As emoções negativas e as estratégias desadaptativas de autorregulação emocional desempenham, portanto, um papel significativo no início e na manutenção da perturbação da ingestão compulsiva.
Face à incapacidade ou dificuldade das pessoas se socorrerem de estratégias de regulação emocional saudáveis para lidar com situações difíceis e geradoras de sofrimento, como é o caso da perturbação da ingestão compulsiva, devem recorrer a ajuda especializada, nomeadamente à consulta psicológica.
Um artigo da psicóloga clínica Lina Raimundo.
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