António (nome fictício) é um professor com 45 anos de idade, que recorre às urgências de um hospital após uma tentativa de suicídio. Vem trazido pelos seus pais. Refere estar completamente deprimido. Tinha sido despedido após um episódio de agressão ao seu coordenador. Não foi a sua primeira situação mais descontrolada no local de trabalho.

A equipa médica que o observou no hospital optou pelo internamento. Na observação suspeitaram da rigidez comportamental e cognitiva, constrangimento social e maior dificuldade em realizar contacto ocular. Após conversarem com os pais do António decidiram que o António apresentava alguns problemas psiquiátricos conjuntamente com abuso de álcool e apresentava um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo.

Maria (nome fictício) uma jovem com 16 anos de idade, humor deprimido e duas tentativas de suicídio, recorre à consulta de psicologia numa tentativa de melhor compreender o seu perfil de funcionamento. Assistiu a uma reportagem sobre Perturbações do Espetro do Autismo e identificou-se com várias características. Na sua história contam várias dificuldades na interação social e comunicação com o grupo de pares, sentindo-se absolutamente incompreendida e com dificuldade em interpretar os outros. Foi vítima de bullying na escola, vários anos seguidos. A Maria foi diagnosticada com uma Perturbação do Espetro do Autismo.

Ana (nome fictício) uma jovem de 15 anos chega à consulta de Psicologia por estar muito isolada na escola e com conflitos graves com os pares. Para a Ana estes conflitos surgiam porque não compreendia o que os colegas e adultos lhe tentavam dizer. Sentia igualmente dificuldade em transmitir a sua mensagem aos outros. A Ana estava com humor deprimido e tinha um plano estruturado e concretizável de suicídio. A família próxima, apesar de estar atenta, não se tinha apercebido dos sinais. A Ana não comunicava de forma “declarada” as suas emoções. A Ana foi diagnosticada com uma Perturbação do Espetro do Autismo.

O suicídio é uma das principais causas de morte em todo o mundo. É um fenómeno que capta a atenção de muitos de nós na tentativa de compreender e procurar reduzir este fenómeno. Os números a nível mundial são preocupantes e Portugal acompanha o panorama internacional neste contexto, com uma taxa que ronda os 10 suicídios por cada 100.000 habitantes. O suicídio tem vindo a aumentar na faixa etária entre os 15 e os 24 anos. Estima-se que seja a terceira causa de morte mais frequente neste grupo etário. Apesar de ser menos frequente em idades abaixo dos 15 anos, deve ser encarado como um problema sério e de possível ocorrência.

O que leva uma pessoa a pôr termo à vida é uma questão para a qual já muitos tentaram obter resposta, mas que continua a ser entendido como um conjunto de variáveis que fazem parte de uma fórmula difícil de resolver. O ato do suicídio tem sempre um significado, pois é através dele que se responde a problemas de diversa ordem que vão crescendo dentro do potencial suicida.

O suicídio tem sido discutido em diferentes enquadramentos psicossociais e associado à existência de sofrimento psicológico, isolamento e sintomas que evidenciam a existência de perturbação psiquiátrica. A existência de humor deprimido tem uma forte correlação com ideação e intenção suicida. Uma história de tentativa de suicídio, em qualquer idade, potencia o risco de cometer suicídio no futuro.

Nos últimos anos, investigadores e clínicos têm procurado a ligação entre o autismo e os pensamentos e comportamentos suicidas. Diversos estudos demonstram que as pessoas com autismo têm um maior risco de pensamentos e comportamentos suicidas do que a população em geral.

A evidência de que o suicídio é uma questão crítica no autismo é cada vez mais forte. A investigação tem salientado que dificuldades em descrever e exprimir as emoções, comunicar, isolamento social, a dificuldade na tomada de perspetiva e descodificação da intenção dos outros, parecem relacionar-se com uma maior dificuldade na regulação emocional e consequentemente com a possibilidade de aumento de humor deprimido e ideação suicida.

As crianças com autismo sofrem bullying com mais frequência comparativamente aos seus irmãos sem diagnóstico. Nesta área há pesquisas que têm demonstrado que ambas as vitimas e agressores têm um risco maior de pensamentos e tentativas suicidas.

No caso das pessoas com autismo verifica-se uma taxa mais alta de subemprego ou desemprego do que a população geral. Jovens e adultos com autismo têm taxas mais altas de depressão e isolamento social do que outros. Em alguns estudos que têm procurado relacionar a existência de outras perturbações psiquiátricas associadas ao espectro do autismo e como se relaciona com a existência de um maior sofrimento reportam que a propensão para a tentativa de suicídio chega a ser de cinco vezes maior.

Os estudos realizados ainda são recentes e as amostras utilizadas são pequenas. Contudo, os resultados encontrados demonstram a necessidade de ficarmos absolutamente atentos para os fatores de risco de modo a intervir atempadamente.

Joana Marafuz (Psicóloga clínica - PIn Progresso Infantil)

Pedro Rodrigues (Psicólogo clínico - PIn Progresso Infantil)