Apesar da (muita) informação atualmente disponível, continuam a ser muitas as dúvidas dos portugueses. Para esclarecer a população, uma médica grávida e uma médica em quarentena decidiram criar um grupo no Facebook que reunisse um grupo de profissionais de saúde. Os médicos, enfermeiros, farmacêuticos, investigadores, psicólogos clínicos e fisioterapeutas que aceitaram o repto respondem às perguntas dos seguidores, que em apenas cinco dias já agrega mais de 200.000 pessoas.
1. Quais são efetivamente os fatores de risco da covid-19?
São vários e implicam precauções. "Os fatores de risco são para ter uma doença mais grave em caso de infeção e não para contrair o virus. Nada de confusões", alerta Renata Aguiar, reumatologista no Centro Hospitalar do Baixo Vouga, uma das administradoras da página. "São fatores de risco a idade avançada e as doenças cardiovasculares no geral", sublinha a médica, que inclui também na lista a diabetes mellitus e as doenças respiratórias.
"Não se incluem aqui as infeções resolvidas sem sequelas no passado nem alergias, rinite ou sinusite", ressalva, todavia. Os pacientes que sofrem de doenças oncológicas também as viram incluídas na listagem dos fatores de risco. "Embora as doenças que estejam em remissão constituam um risco muito mais baixo, tanto menor quanto maior for o tempo de remissão, os doentes sob tratamento atual são os que mais preocupam, exceto no caso do tratamento hormonal no cancro da mama", esclarece ainda Renata Aguiar.
As pessoas que sofram de doenças do foro autoimune e do sistema imunitário e as que façam atualmente medicação imunossupressora e que estejam a tomar medicamentos que debilitam o sistema de defesa do organismo também fazem parte dos grupos de risco. "Reforçamos que, no caso de alguns fatores de risco, como a diabetes e a hipertensão arterial, o bom controlo da doença é essencial, diminuindo a magnitude do aumento de risco", alerta ainda a médica reumatologista.
2. Posso continuar a trabalhar se fizer parte dos grupos de risco?
Esta é outra dúvida muito comum. "Ter um ou mais fatores de risco não equivale a ter indicação para não ir trabalhar», esclarece, no entanto, Renata Aguiar, reumatologista. "Essa decisão deve ser tomada pelo médico que melhor conhece a pessoa em causa e a sua doença, porque cada patologia difere em termos de gravidade e de controlo e os trabalhos têm exposições a risco muito diferentes", refere a especialista.
"Não podemos dizer aqui às pessoas, categoricamente, se devem ou não deixar de trabalhar. Todos temos receio, por nós e pelos nossos, mas o mundo não pode parar e há bens essenciais que alguém tem de providenciar. Por isso, não queiramos ficar em casa só porque temos medo. O sentido de dever é necessário agora mais do que em qualquer momento", defende Renata Aguiar.
3. Tenho de usar álcool e/ou lixívia para conseguir uma desinfeção mais eficaz das mãos e das superfícies?
Milhares de pessoas têm recorrido a estes produtos para desinfetar as extremidades dos membros superiores. "Lavar as mãos com água e sabão, vigorosamente, durante pelo menos 20 segundos, é suficiente e muito menos agressivo do que usar outros agentes como álcool e lixívia e o mesmo se passa em relação às superfícies", garante Renata Aguiar.
"Lavar com água e detergente é a melhor opção. Deixem o desinfetante para trazer no bolso quando tiverem impreterivelmente de ir à rua. E deixem o vinagre para temperar a salada", ironiza ainda a reumatologista do Centro Hospitalar do Baixo Vouga.
4. O que podemos fazer para nos protegermos se tivermos que sair de casa?
Para muitos, essa possibilidade representa um verdadeiro drama, mas Renata Aguiar, reumatologista, apela ao bom senso. "Não é o fim do mundo. Mais cedo ou mais tarde, um dos elementos do agregado terá de sair de casa", refere a médica, que deixa uma série de recomendações para o dia em que esse momento chegar. "Deve vestir roupa com manga comprida e evitar anéis, colares ou brincos", aconselha a especialista.
"Os sapatos que saem à rua devem ser sempre os mesmos e devem ficar do lado de fora da habitação. Não precisam de usar máscara, a menos que estejam infetados ou sejam suspeitos de infeção", informa a reumatologista. "A máscara só faz com que levem mais vezes a mão ao rosto, o que é, entre todos, o comportamento mais arriscado que se pode ter", condena a especialista. "Recordamos que máscaras de pano, cartão ou plástico não oferecem proteção, de todo. As luvas também não são muito úteis, especialmente se mexermos em tudo e mais alguma coisa com elas e lhes tocarmos ao tirá-las", adverte ainda Renata Aguiar.
"Façam o que têm a fazer, mantenham uma distância de 2 metros das outras pessoas e façam pagamentos com cartão ou usando sistemas contactless [por via eletrónica e sem contacto manual] em vez de utilizarem dinheiro. Ao regressarem a casa, devem deixar os sapatos à porta, tirar a roupinha e colocá-la na máquina para lavar [a alta temperatura]. Os 60º C são o ideal, mas lembrem-se que a máquina também leva detergente", ironiza a especialista.
No entanto, não é apenas a roupa que deve ser imediatamente lavada. "Tome um banho quente, que desinfeta e ajuda a relaxar da ansiedade que é ter de sair de cada nestes dias", aconselha ainda a médica reumatologista. "Se quiserem, limpem as embalagens com um pano embebido em água e sabão ou com uma solução feita com uma colher de sopa de lixívia por cada litro de água", sugere. "E voltem ao vosso ninho descansados. Com estes cuidados, estarão protegidos e protegerão os vossos", assegura.
5. Se tiver os sintomas de covid-19, o que é que devo efetivamente fazer?
Os sintomas da infeção da covid-19 são vários, podendo ser diferentes de pessoa para pessoa e variar em intensidade. "Os sintomas mais típicos são a febre (temperatura axilar igual ou superior a 37,7º C se verificada na axila aos cinco minutos de medição), tosse seca e falta de ar. Pode também haver dor de garganta, dor de cabeça e dores difusas nos músculos do corpo", esclarece Renata Aguiar. "Diarreia, espirros e o chamado pingo no nariz são muito mais raros", adverte ainda a médica.
"Não é demais recordar que as crianças têm habitualmente sintomas ligeiros e não requerem preocupação maior mas [é preciso ter] cuidado [porque] são altamente contagiosas", alerta. "80% das pessoas infetadas têm quadros autolimitados em que a única necessidade é controlar os sintomas", refere Renata Aguiar. "Assim sendo, as pessoas que têm queixas ligeiras devem ficar em casa a monitorizar a evolução e tratar os sintomas com medidas simples", diz.
"Não faz sentido recorrerem ao hospital numa situação destas", garante a reumatologista. "Na fase em que estamos, os doentes nestas condições não têm indicação para fazer teste, porque isso não mudaria a conduta e os testes são precisos para os casos mais graves, que vão aumentar na mesma proporção em que aumenta o número total de casos. Para além disso, indo ao hospital, irão apenas colocar-se numa situação de maior risco de infeção, caso ainda não estejam infetados. Pensem na vossa saúde e bem estar", afirma a profissional de saúde, que aponta recomendações.
"Podem tomar paracetamol para febre e para as dores, gorgolejar com soluções antisséticas para a dor de garganta e hidratar-se bem", aconselha. "Então e quando é que devemos procurar os cuidados de saúde?", antecipa. "Quando os sintomas forem alarmantes, como é o caso de uma febre que não cede, da falta de ar e de uma alteração do estado geral", acrescenta ainda a reumatologista do Centro Hospitalar do Baixo Vouga.
6. Todas as pessoas que tenham sintomas de covid-19 devem fazer imediatamente o teste de despistagem da doença?
Apesar de ser essa a vontade da maioria, a resposta é negativa. "O teste é para pessoas com sintomas mais severos e que precisam de admissão hospitalar para serem tratados. Não é para pessoas com sintomas ligeiros e muito menos para assintomáticos", sublinha Renata Aguiar. "A curiosidade não é razão para fazer o teste. Muitos de nós teremos covid-19 e nunca teremos a certeza disso. É a vida!", desvaloriza a médica reumatologista.
7. Tenho um familiar que está com dores de garganta e dores no corpo, tem uma tosse que não é seca e não tem febre. O que é que de fazer?
Esta é uma situação muito comum nos tempos que correm. "Vigie a temperatura e tome paracetamol para as dores de garganta. Esteja atento aos sinais de agravamento, como a dificuldade respiratória. Mantenham o isolamento", aconselha Patrícia Rodrigues, enfermeira. "Se não esteve em contacto com alguém com codiv-19 positivo, deverá aguardar a evolução dos sintomas, bem como beber bastantes líquidos, ingerir chá com mel e limão e tomar bem-u-ron para o alívio de mau estar", sugere Carlos Pinto, enfermeiro.
No caso do doente ter febre, os cuidados a adotar diferem. "Deve manter a vigilância dos sintomas e avaliar a temperatura duas vezes por dia. Deve tomar paracetamol de oito em oito horas e reforçar a hidratação", acrescenta ainda a enfermeira Joana Claro. "Para alívio da congestão nasal, pode fazer alguns vapores. Se tem uma febre que não cede à medicação ou registar o agravamento do seu estado de saúde com falta de ar, contacte o SNS 24", pede.
8. Estou há mais de uma semana com uma gripe, já fui ao médico e agora estou em casa há vários dias. Sinto dores de cabeça, cansaço e falta de forças. Não tenho febre mas estou preocupada. Tenho motivos para isso?
Os meses mais frios são mais propícios a gripes e constipações e algumas das suas manifestações confundem-se com as da covid-19. "Procure continuar a vigiar a sua temperatura duas vezes ao dia", recomenda Francisca Ferreira, outra das profissionais de saúde que aderiram ao desafio das duas médicas.
"Relembro que febre é acima dos 38º C", ressalva a especialista, que deixa um conselho aos doentes que se encontrem na mesma situação. "Aumente a ingestão de líquidos e o descanso. Se as dores não forem suportáveis, experimente paracetamol 1g de oito em oito horas", refere ainda. "Só esses sintomas poderão não ser compatíveis com covid-19. Vigie o seu agravamento", alerta, todavia.
9. Tenho mais de 50 anos e não sofro de nenhum problema de saúde. Gostaria de saber até que ponto é que me devo preocupar com o novo coronavírus?
As pessoas alegadamente mais saudáveis não se podem excluir dos cuidados preventivos exigidos pelas autoridades. "Deve ter cuidado como toda a gente, evitar aglomerados e manter a distância de segurança", recomenda Manuel Luís Ribeiro, enfermeiro. "Deve ter regras de higiene e etiqueta respiratória e não sair de casa [a não ser] só para o estritamente necessário. Para se proteger a si e aos outros, mantenha uma distância de um metro", sugere Gisela Pereira, médica dentista.
10. Li num artigo internacional que o novo coronavírus não sobrevive muito tempo em superfícies como alcatrão mas que, ainda assim, a desinfeção das ruas, dos edifícios e dos transportes tem de ser diária por causa do curto tempo de ação da maioria dos desinfetantes. É efetivamente assim?
Apesar de menos abordada, a questão da higiene pública também suscita interrogações. "Confirmo absolutamente", responde André Gomes de Abreu, farmacêutico, que recomenda a leitura de uma publicação do The New England Journal of Medicine aos que percebem inglês.
"As medidas de desinfeção individuais e da comunidade devem resultar de um equilíbrio entre a exposição ao risco e a disponibilidade de meios tendo em conta as zonas onde exista maior probabilidade de concentração de vírus", sublinha ainda este profissional de saúde.
11. Faço atendimento ao público no desempenho da minha atividade profissional e vou ter que continuar trabalhar. Confesso que estou em pânico! O que é que faço para me proteger?
Nem todos os profissionais do país podem desempenhar as suas funções em regime de teletrabalho. "Não é preciso entrar em pânico", garante Joana Rodrigues, médica. "O que tem a fazer é adotar as medidas de segurança que têm sido recomendadas pelas autoridades de saúde", aconselha. "As pessoas que estão a trabalhar [fora de casa] devem procurar criar uma zona limpa em casa", recomenda ainda.
"Antes de mais, mantenha a calma", pediu também Tiago Cotrim Lucas, enfermeiro, na resposta que deu a um empregado bancário. "Para se proteger, a sua entidade bancária deverá ter adotado alguns procedimentos coletivos, como é o caso da entrada limitada de clientes, da implementação de barreiras plásticas de proteção e da desinfeção frequente de superfícies", refere.
"A nível individual, deve manter a distância de segurança exigida [um metro] e fazer a lavagem das mãos com frequência", recorda Tiago Cotrim Lucas. "Quando tal não é possível, deve fazer a desinfeção das mãos com uma solução alcoólica", recomenda. "Sempre que manipular dinheiro, também deve adotar esse procedimento", aconselha ainda este profissional de saúde.
12. Tenho uma bebé de 18 meses que deveria ter levado a última vacina Bexsero contra a meningite aos 13 meses mas não foi vacinada porque esteve doente. Agora que está melhor, posso vaciná-la ou devo aguardar por causa do novo coronavírus?
Embora seja uma dúvida mais específica, há certamente mais do que uma mãe a tê-la. "Não apresentando febre, convém ligar primeiro para o centro de saúde da sua área de residência para o confirmar mas, à partida, é para vacinar. Existem mais doenças para além da covid-19 e, como diria uma colega minha, as restantes doenças não foram de férias", sublinha Luís Amaral, um dos pediatras que integram o grupo criado por duas médicas no Facebook.
13. A minha filha de sete anos já teve três pneumonias, tem frequentes infeções respiratórias e, como se isso não bastasse, tem asma. Eu lavo a câmara expansora que utilizo quando recorro a inaladores pressurizados uma vez por semana e deixo-a secar ao ar. Devo reforçar as lavagens? É seguro continuar a deixá-la secar ao ar? Posso esterilizá-la em água a ferver como se faz com os biberões dos bebés?
A nova realidade social está a levantar questões que muitos pais nunca tinham colocado até aqui. "A lavagem da câmara expansora parece-me adequada", avalia Virgínia Abreu Marques, médica. "Deverá aumentar a frequência em período de doença para que os micro-organismos não se acumulem na mesma", refere ainda.
"Quanto aos procedimentos de esterilização, tem de procurar nas instruções da sua câmara expansora", responde. A explicação é simples. "Cada marca faz as suas próprias recomendações e algumas dão efetivamente para ferver durante cinco minutos como se faz com os biberões", justifica. No caso de as ter perdido, procure-as online ou envie um e-mail a solicitá-las para a marca.
14. Tive uma embolia pulmonar há menos de um ano e, na última consulta, há cerca de 15 dias, os resultados dos exames não apresentavam problemas. Faço parte de algum grupo de risco?
Os portugueses estão com medo da covid-19 e as perguntas acerca dos grupos de risco multiplicam-se. "Sim, você inclui-se no grupo de risco", confirma Tiago Cotrim Lucas. "É importante manter a calma e seguir as recomendações da Direção-Geral da Saúde", aconselha ainda o enfermeiro.
15. O novo coronavírus torna-se menos resistente ao calor? Nas regiões do país em que as temperaturas são mais altas, há possibilidade de o SARS-CoV-2 desaparecer no verão?
Numa fase inicial, houve especialistas que chegaram a defender essa tese. "Não existem ainda estudos que confirmem essa afirmação", refere Carlos Pinto, enfermeiro. "Em relação a provas empíricas, ainda nada está confirmado. Há evidências e essas apontam para um possível abrandamento. No entanto, não é apenas a temperatura que tem um papel importante [no desaparecimento do SARS-CoV-2]. A humidade também é bastante relevante neste tipo de vírus", recorda Ricardo Natário, bombeiro, outro dos profissionais de saúde que colaboram com o grupo.
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