Para David Sinclair, professor de Genética na Faculdade de Medicina de Harvard, a velhice não é um processo inevitável, mas sim uma doença. E, como tal, pode ser curada. No livro Esperança de Vida (edição Lua de Papel), o cientista argumenta que envelhecemos devido a um sistema de sobrevivência herdado dos antepassados – um “truque genético” destinado a regenerar o nosso genoma ao longo de gerações; por outras palavras, deixamo-nos morrer para que os nossos descendentes nasçam mais fortes. Ainda de acordo com David Sinclair, os genes não são uma condenação. “Hoje mais do que nunca temos a ciência e a tecnologia que nos permitem controlar a herança genética. Podemos ativar os nossos genes vitais introduzindo algumas mudanças – como comer menos proteína animal, procurar a exposição ao frio ou fazer exercício com a intensidade certa. O que nos poderá levar não apenas a viver mais anos, mas anos muito melhores”, lemos na apresentação à obra. Da mesma, publicamos um excerto: “Vá, depressa”, a análise do autor ao modo praticamos a nossa dieta alimentar e como esta afeta a nossa longevidade.
Vá, depressa
Depois de 25 anos a pesquisar o envelhecimento e a ler milhares de artigos científicos, se há um conselho que posso dar, uma maneira segura de ficar saudável por mais tempo, uma coisa que pode fazer para maximizar os seus anos de vida agora, é isto: comer menos.
Isto não é nada revolucionário, claro. Desde Hipócrates, o antigo médico grego, os médicos têm vindo a defender os benefícios de limitar o que comemos, não apenas rejeitando o pecado mortal da gula, como o monge cristão Evagrius Ponticus aconselhou no século IV, mas através do “ascetismo intencional”. Não se trata de má nutrição. Não se trata de fome. Esses não são caminhos para mais anos, muito menos anos melhores. Mas o jejum – permitindo que os nossos corpos existam num estado de desejo, mais frequentemente do que a maioria de nós permite, no nosso mundo privilegiado de abundância – é inquestionavelmente bom para a nossa saúde e longevidade.
Hipócrates sabia disto. Ponticus sabia disto. Assim como Luigi Cornaro, um nobre veneziano do século XV que poderia e provavelmente deveria ser considerado o pai do livro de autoajuda. Filho de um estalajadeiro, Cornaro fez fortuna como empresário e gastou generosamente o seu dinheiro em vinho e mulheres. Por volta dos 30 anos, estava exausto de tanta comida, bebida e sexo – o coitado –, e resolveu limitar‑se em cada aspeto. O registo histórico é um pouco vago nos detalhes da sua vida sexual após essa fatídica decisão, mas os seus hábitos alimentares e de consumo têm sido bem documentados: por dia, ele não comia mais de 340 gramas de comida e bebia dois copos de vinho. “Adaptei‑me ao hábito de nunca satisfazer completamente o meu apetite, seja comendo ou bebendo”, escreveu Cornaro no seu Tratado da Vida Sóbria, “sempre a sair da mesa bem capaz de ingerir mais”.
Os discursos de Cornaro sobre os benefícios de la vita sóbria poderiam ter caído na obscuridade se ele não tivesse fornecido provas pessoais tão convincentes de que os seus conselhos tinham mérito: publicou a sua orientação quando tinha 80 anos, com nada menos que uma saúde excecional, e morreu em 1566 com quase (e algumas fontes dizem mais de) 100 anos.
Em tempos mais recentes, o professor Alexandre Guéniot, presidente da Académie Nationale de Médecine, em Paris, logo após a viragem do século XX, foi famoso por viver numa dieta restrita. Diz‑se que os seus contemporâneos o ridicularizaram – pois não havia ciência na altura para apoiar a sua suspeita de que a fome levaria a uma boa saúde, apenas o seu palpite intestinal –, mas sobreviveu a todos eles, um por um. Finalmente, sucumbiu aos 102 anos.
As primeiras explorações científicas modernas dos efeitos ao longo da vida de uma dieta severamente restrita começaram nos últimos dias da Primeira Guerra Mundial. Foi então que os bioquímicos Lafayette Mendel e Thomas Osborne, colaboradores de longa data – a dupla que tinha descoberto a vitamina A –, descobriram, juntamente com a investigadora Edna Ferry, que as ratazanas cujo crescimento fora atrofiado devido à falta de comida no início da vida viveram muito mais tempo do que aquelas que haviam comido muito.
Pegando nessa evidência, em 1935, um agora famoso professor da Universidade Cornell chamado Clive McCay demonstrou que os ratos alimentados com uma dieta contendo 20 por cento de celulose indigestível – cartão, essencialmente – viveram vidas significativamente mais longas do que aqueles que foram alimentados com uma dieta típica de laboratório.
Estudos realizados ao longo dos 80 anos seguintes demonstraram repetidamente que a restrição calórica sem desnutrição, ou CR, leva à longevidade para todos os tipos de formas de vida. Têm sido feitos desde então centenas de estudos em ratos para testar os efeitos das calorias na saúde e no tempo de vida saudável, principalmente em ratos masculinos.
A redução das calorias funciona mesmo em leveduras. Notei isto pela primeira vez no final dos anos de 1990. As células alimentadas com doses mais baixas de glicose viviam mais tempo, e o seu ADN era excecionalmente compacto – atrasando significativamente a inevitável acumulação de ERCs, explosão do nucléolo e esterilidade.
Se isto acontecesse apenas em leveduras, seria só interessante. Mas como sabíamos que os roedores também viviam mais tempo quando a sua comida era restrita – e mais tarde soubemos que era também o caso das moscas da fruta –, tornava‑se evidente que este programa genético era muito antigo, talvez quase tão antigo como a própria vida.
Nos estudos com animais, a chave para ativar o programa da sirtuína parece estar em manter a tensão através da restrição calórica – apenas comida suficiente para funcionar de formas saudáveis e nada mais. Isto faz sentido. Aciona o circuito de sobrevivência, dizendo aos genes de longevidade para fazerem o que têm feito desde os tempos primordiais: impulsionar as defesas celulares, manter os organismos vivos em tempos de adversidade, afastar a doença e a deterioração, minimizar a mudança epigenética e retardar o envelhecimento.
Mas isto tem sido, por razões óbvias, muito difícil de testar em seres humanos em ambiente científico controlado. Infelizmente, não é difícil encontrar casos em que os seres humanos tiveram de ficar sem comida, mas esses períodos são geralmente momentos em que a insegurança alimentar resulta em desnutrição, e seria um desafio manter um grupo de teste de seres humanos em restrição pelos longos períodos de tempo que seriam necessários para estudos controlados abrangentes.
No entanto, desde a década de 1970, houve estudos observacionais que sugeriram fortemente que a restrição calórica a longo prazo poderia ajudar os seres humanos a viverem vidas mais longas e também mais saudáveis. Em 1978, na ilha de Okinawa, famosa pelo seu grande número de centenários, o investigador de bioenergia Yasuo Kagawa descobriu que o número total de calorias consumidas pelas crianças em idade escolar era menos de dois terços do que as crianças estavam a receber no Japão continental. Os adultos também eram mais magros, ingerindo cerca de 20 por cento menos calorias do que os seus congéneres do continente. Kagawa notou que não só eram mais os anos de vida nos habitantes de Okinawa, mas também eram mais os anos de vida saudável, com significativamente menos doenças vasculares cerebrais, malignidade e doenças cardíacas.
No início da década de 1990, a experiência da Biosfera 2 forneceu outra prova. Durante dois anos, de 1991 a 1993, oito pessoas viveram dentro de uma cúpula ecológica fechada de três hectares no sul do Arizona, contando com os alimentos que cultivavam no seu interior. Mas revelaram‑se fracos agricultores, no entanto, e a comida que cultivavam era insuficiente para manter os participantes numa dieta típica. A falta de comida não era grave ao ponto de resultar em desnutrição, mas significava que os membros da equipa passavam muita fome. Acontece que um dos prisioneiros (e por “prisioneiros” quero dizer “sujeitos experimentais”) era Roy Walford, um investigador da Califórnia cujos estudos sobre o prolongamento da vida em ratos ainda hoje são de leitura obrigatória para os cientistas que queiram entrar no campo do envelhecimento. Não tenho razões para suspeitar que Walford tenha sabotado as colheitas, mas a coincidência foi bastante fortuita para a sua pesquisa; deu‑lhe a oportunidade de testar em seres humanos as suas descobertas em ratos. Uma vez que foram sujeitos a uma cuidadosa monitorização médica antes, durante e depois de passarem dois anos dentro da cúpula, os participantes deram a Walford e outros investigadores uma oportunidade única para observarem os inúmeros efeitos biológicos da restrição calórica. De facto, as mudanças bioquímicas que viram nos seus corpos espelhavam de perto as que Walford tinha visto nos seus ratos longevos sob restrição calórica, como a diminuição da massa corporal (15 a 20 por cento), da pressão arterial (25 por cento), do nível de açúcar no sangue (21 por cento) e dos níveis de colesterol (30 por cento), entre outras.
Nos últimos anos, começaram a ser iniciados estudos formais com seres humanos, mas acabou por ser bastante difícil conseguir que os voluntários reduzis em a sua ingestão alimentar e mantivessem esse nível de consumo durante longos períodos de tempo. Como escreveram os meus colegas Leonie Heilbronn e Eric Ravussin no The American Journal of Nutrition em 2003, “a ausência de informação adequada sobre os efeitos de dietas de boa qualidade e restritas em calorias em humanos não‑obesos reflete as dificuldades envolvidas na realização de estudos a longo prazo num ambiente tão propício ao excesso de alimentação. Tais estudos em pessoas livres também levantam questões éticas e metodológicas”.
Num relatório publicado no The Journals of Gerontology em 2017, uma equipa de investigação da Universidade Duke descreveu como procurou limitar 145 adultos a uma dieta com 25 por cento menos calorias do que é normalmente recomendado para um estilo de vida saudável. Sendo que as pessoas serão sempre pessoas, a restrição calórica real alcançada foi, em média, de cerca de 12 por cento em dois anos. Mesmo isso foi suficiente, no entanto, para os cientistas verem uma melhoria significativa na saúde e um abrandamento do envelhecimento biológico com base em alterações nos biomarcadores sanguíneos.
Hoje em dia, há muitas pessoas a abraçar um estilo de vida que permite reduzir significativamente a ingestão calórica; há cerca de uma década, antes do mais recente renascimento do jejum, algumas delas visitaram o meu laboratório em Harvard. “Não é difícil fazer o que vocês fazem?”, perguntei a Meredith Averill e ao seu marido, Paul McGlothin, na altura membros da CR Society International e ainda muito defensores da restrição calórica, que se limitam a cerca de 75 por cento das calorias normalmente recomendadas pelos médicos, e por vezes um pouco menos do que isso. “Não sentem fome a toda a hora?”. “Claro, no início”, disse‑me McGlothin. “Mas habituamo‑nos. Nós sentimo‑nos ótimos!”
No almoço desse dia, McGlothin expôs os méritos de comer comida orgânica para bebés e engoliu algo que me parecia um puré cor de laranja. Também reparei que ele e Averill usavam golas altas. Não era inverno. E a maioria das pessoas no meu laboratório estava perfeitamente confortável de t‑shirt. Mas com tão pouca gordura nos corpos, precisavam de mais calor. Mais tarde, aos 60 e muitos anos, McGlothin não mostrava sinais de que a sua dieta pudesse estar a atrasá‑lo.
Foi diretor‑geral de uma empresa de marketing de sucesso, e ex‑campeão de xadrez do estado de Nova Iorque. Não parecia muito mais jovem do que a sua idade real; no entanto, em grande parte, suspeito que isso era porque a falta de gordura expõe rugas, mas a sua bioquímica sanguínea sugeria o contrário. No seu 70.º aniversário, os seus indicadores de saúde, desde a pressão arterial e o colesterol LDL até à frequência cardíaca e acuidade visual em repouso, eram típicos dos de uma pessoa muito mais jovem. Na verdade, assemelhavam‑se aos observados nos ratos longevos sob restrição calórica.
É verdade que o que sabemos sobre o impacto da restrição calórica ao longo da vida nos seres humanos resume‑se a estudos de curto prazo e experiências pessoais. Mas um dos nossos parentes próximos ofereceu‑nos informações sobre os benefícios longitudinais deste estilo de vida.
Desde a década de 1980, um estudo a longo prazo da restrição calórica em macacos rhesus – os nossos primos genéticos próximos – produziu resultados incrivelmente convincentes. Antes do estudo, o tempo máximo de vida conhecido para qualquer macaco rhesus era de 40 anos. Mas, dos 20 macacos no estudo sob restrição calórica, seis atingiram essa idade, o que equivale aproximadamente aos 120 anos em termos humanos. Para atingir essa marca, os macacos não precisaram de viver numa dieta restrita durante toda a sua vida. Algumas das cobaias começaram com um regime de redução calórica a 30 por cento quando eram já macacos de meia‑idade.
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