As vendas de infusões continuam a crescer, sobretudo graças ao público feminino, e as versões de camomila estão no topo das preferências. Face a este perfil de consumo, o alarme surgiu com as notificações ao longo de 2018 e 2019 no Sistema de Alerta Rápido para os Géneros Alimentícios e Alimentos para Animais (RASFF), da União Europeia.
Em causa estava a presença de alcaloides pirrozilidínicos, substâncias produzidas por certas ervas daninhas que podem crescer nos campos com aquelas que são usadas nos chás ou infusões. Se não houver uma triagem eficaz na colheita, são processadas com as ervas que dão corpo à bebida e acabam por contaminá-la. Em estudos com animais, foi observado que estes alcaloides podem ter efeitos negativos no fígado, além de revelarem potencial cancerígeno e mutagénico.
Vários países denunciaram ainda a presença de resíduos de pesticidas proibidos, ou permitidos, mas acima dos limites legais, algo que, num contexto de consumo continuado, pode pôr a saúde em risco.
A DECO PROTESTE pesquisou resíduos dos 340 pesticidas incluídos na base de dados da Comissão Europeia, bem como de alcaloides pirrolizidínicos. Mas nenhuma das 20 marcas de infusão de camomila testadas, que se encontram à venda em Portugal, acusou substâncias nocivas em níveis superiores aos considerados seguros, que são bastante exigentes. Pode, por isso, relaxar e continuar a degustar a sua chávena de chá. Mas lembre-se de que nem sempre trocar o chá pelo café significa ingerir menos cafeína.
Pesticidas e afins sob vigilância
A União Europeia monitoriza a presença de certas substâncias nos alimentos, com base na melhor evidência científica a cada momento. Os pesticidas, destinados a controlar pragas tanto na agricultura tradicional como na biológica, estão entre esta categoria de substâncias sob vigilância apertada. Os vestígios que deixam nos produtos têm de ser seguros para quem os consome, razão por que são fixadas doses máximas admissíveis para cada substância.
A Comissão Europeia elaborou mesmo uma base de dados com os limites máximos de resíduos (LMR) para cada tipo de colheita. Como nenhum alimento pode ser (legalmente) vendido se contiver quantidades acima destes valores, cada Estado-membro realiza planos oficiais para o controlo da presença de pesticidas nos produtos que são postos à venda no seu território e, se detetar anomalias, desencadeia medidas, que podem passar pela retirada do mercado. As notificações no Sistema de Alerta Rápido para os Géneros Alimentícios e Alimentos para Animais (RASFF) revelam isso mesmo. Foi o que aconteceu no caso do chá e das infusões ao longo de 2018 e 2019.
O pouco conhecido efeito de cocktail
Se usados de forma correta, os pesticidas têm vantagens: proporcionam colheitas de qualidade, e em maior quantidade do que a agricultura biológica para o mesmo gasto de recursos (solo, água, etc.), com riscos mínimos para os consumidores. A fixação de limites de segurança pela Comissão Europeia destina-se a garantir as boas práticas na agricultura e a reduzir a exposição dos seres humanos a substâncias com potencial nocivo.
Para a avaliação dos riscos a que somos sujeitos diariamente, foi criado o conceito de efeito de cocktail. Pretende medir a exposição a um conjunto de substâncias, como os pesticidas, cuja presença simultânea nos alimentos pode anular ou potenciar os efeitos nocivos. Estudos promovidos pela Autoridade Europeia de Segurança Alimentar em 2008 e 2011 mostram que as interações são complexas, e que várias substâncias, combinadas, podem tornar-se mais tóxicas, num fenómeno designado por “sinergismo”. Já quando a combinação conduz a efeitos menos nocivos, o fenómeno recebe o nome de “antagonismo”. Os cientistas consideram, por isso, que são precisos mais estudos para avaliar a ação conjunta de tais substâncias e o efeito cumulativo no nosso organismo.
Se, depois de ler estas linhas, ficou menos tranquilo quanto à segurança dos alimentos, relaxe. Os limites de resíduos de pesticidas que um produto tem de respeitar para que lhe seja permitido entrar no mercado são bastante apertados e estão muito abaixo daquilo que é considerado seguro para o consumo humano. Significa que a fixação de limites prevê já uma margem de segurança.
Variar é o mais acertado
Apesar dos resultados animadores do teste, risco zero é algo que não existe. Por isso, a melhor estratégia é reduzir a exposição aos pesticidas, o que se consegue com uma alimentação variada e com uma alternância entre diferentes tipos de infusões ou até de bebidas em geral. A regra aplica-se também às crianças de tenra idade, com menor peso corporal e, por isso, mais vulneráveis aos eventuais efeitos negativos destas substâncias, bem como, por maioria de razão, a grávidas e a mulheres a amamentar. Não devem ingerir apenas infusões, mas incluir igualmente sumos de fruta e água nos seus hábitos. E é preciso ter em mente: não é porque um produto tem origem na agricultura biológica que, automaticamente, oferece mais segurança e está isento de pesticidas. Portanto, a precaução de seguir uma dieta variada continua a valer também para quem prefere tais alimentos.
Lembre-se ainda de que “natural” não é sinónimo de “seguro” – a natureza está cheia de substâncias tóxicas. Colher ervas no campo, num parque ou à beira da estrada, para preparar uma infusão, uma salada ou um batido, pode começar a ser moda, mas não deixa de ser uma aventura perigosa.
A seleção das plantas é coisa para especialistas, até porque, mesmo que um simples curioso acerte, arrisca-se a levar para casa, em conjunto com as espécies pretendidas, ervas daninhas suscetíveis de contaminar as suas receitas. Não arrisque e compre no supermercado. Os produtos aqui vendidos nem sempre estarão 100% isentos de resíduos de pesticidas, mas encontram-se sujeitos a fiscalização.
Comentários