Rui do Carmo, em entrevista à agência Lusa por ocasião dos quatro anos de funcionamento da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídios em Violência Doméstica (EARHVD), apontou que, em contexto de relações de intimidade, em Portugal, “é muito significativo” o fenómeno do agressor que se suicida depois de cometer um homicídio.
“É um fenómeno sobre o qual, entre nós, tem-se refletido pouco, mas há, a nível internacional estudos que dizem que neste contexto os homicidas se suicidam oito vezes mais do que os outros homicidas”, apontou.
Acrescentou que, segundo esses mesmos estudos, cerca de um terço dos homicidas tende a suicidar-se, o que o faz defender que se trata de um fenómeno que vale a pena levar a sério do ponto de vista da análise, do estudo da matéria, frisando que se trata, aliás, de um fator de risco que está contemplado na avaliação de risco feita pelas forças policiais.
“Prevenir o suicídio destas pessoas é prevenir homicídios porque estas pessoas constroem esta ideia de matarem a companheira e de suicidarem a seguir, constroem este cenário completo e o tratamento das questões de saúde mental que estão aqui associadas à ideia de suicídio penso que são importantes”, defendeu.
Acrescentou que “há referências que as consideram como uma das frentes de prevenção do homicídio nas relações de intimidade”.
O procurador destacou que a Polícia Judiciária fez recentemente um levantamento sobre os homicídios investigados até 2019 e constatou que, no ano de 2015, nos casos de homicídios nas relações de intimidade, a maioria dos agressores suicidou-se de seguida.
“Não é possível dissociar uma coisa da outra, não é possível sermos alheios, na perspetiva do combate ao homicídio em relações de intimidade, à ideia de suicídio que, particularmente nos homens que estão numa relação de conflito, têm. Não é possível ignorar isso”, defendeu.
Por outro lado, confrontado se existe ou não um traço de personalidade comum a estas pessoas, Rui do Carmo admitiu que há quem procure perceber o homicídio neste contexto, mas admitiu que tem “alguma dificuldade” em aceitar uma definição fechada de perfil.
“Para mim não é operativo trabalhar a partir daí porque não encontro na minha experiência profissional, nos casos que temos analisado, não consigo encaixá-los dentro de um perfil específico”, justificou, acrescentando que muitas vezes ou há um perfil e outros tantos casos que não cabem dentro dele ou um perfil tão abrangente que pode incluir todas as pessoas.
Adianta, no entanto, que as razões que levam alguém a matar outra pessoa são várias, tendo a EARHVD encontrado desde casos de “grande conflituosidade física que depois desembocam em homicídio”, até casos de “grande sofrimento psicológico com muito poucos momentos de erupção de conflitualidade”, mas que depois têm um momento de “explosão que gera o homicídio”.
“Temos encontrado situações muito diferentes”, admitiu.
De acordo com o procurador Rui do Carmo, na maioria dos casos entretanto analisados as vítimas são mulheres e os homicidas homens, embora tenham neste momento em análise dois casos em que o homicida é uma mulher.
Uma excecionalidade que não põe em causa a regra e que, na opinião do responsável, é “uma manifestação da desigualdade na relação entre homens e mulheres”, na qual assenta a construção das relações familiares e que está também muitas vezes na base do homicídio.
“A afirmação do poder do homem é, em alguns casos, manifesto ser aquilo que no fundo está subjacente ao ato da agressão e do homicídio, isso é inegável”, defendeu.
Lembrou ainda que os casos analisados são todos bastante diferentes, já que a história de vida das pessoas é muito diferente de uns casos para outros, até mesmo o tipo de relação que têm umas com as outras.
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