Nasci destinado a entrar num jogo muito sério para o qual não contribuí, mas que passou a ser a minha sina até ao fim da vida. Recordo-me que, há muitos anos, numa consulta fui questionado pelo médico que estava à minha frente sobre com que idade comecei a sofrer devido à “Doença dos Pezinhos”. Após pensar uns segundos respondi: “Lá pelos oito anos”.

- “Oito anos? Mas isso é impossível. Os doentes mais novos começam a ter sintomas na 3ª década de vida” – contrariou o clínico. Mas eu respondi: “Sr. Doutor, tinha eu essa idade quando tive conhecimento de que o meu pai tinha pouca força nas pernas, andava de forma estranha, sentia-se cansado e começou a ser observado por vários médicos que não sabiam qual a doença que o afetava”.

Estávamos na década de 60. Lembro-me do meu pai dizer que na nossa família existia um mal que passava dos pais para os filhos, que já acontecia há muitas gerações e tinha origem em pessoas ligadas à pesca, desde a Idade Média; que matava as pessoas num período médio de 10 anos, com muito sofrimento e, algumas vezes, numa situação muito degradante.

Só mais tarde, depois de uma consulta com o Dr. Corino de Andrade, e de vários exames, se confirmou o nome deste mal que afetava a minha família: Polineuropatia Amiloidótica Familiar, P.A.F., paramiloidose ou, o nome mais popular, doença dos pezinhos. Era mais prevalente na faixa litoral norte, principalmente nos concelhos da Póvoa de Varzim e de Vila do Conde, apesar de hoje estar espalhada em todo o território nacional.

Até 1992, não havia nenhum remédio que modificasse a evolução desta patologia. Um avanço importante para a Ciência Médica aconteceu por volta de 1984, ano em que foi descoberta a possibilidade de se fazer o diagnóstico precoce da paramiloidose antes de aparecerem os sintomas. Ou seja, passava a ser possível saber se um potencial doente ia ter a doença ou não.

Se ainda subsistem muitos mitos, muito se evoluiu nos últimos anos. A doença manifesta-se geralmente na 3ª e 4º décadas de vida. E, por isso, a pergunta crucial que se coloca: Com que idade se deve fazer o diagnóstico precoce? Algumas pessoas dirão logo após o nascimento. Mas quando os casos positivos tiverem 6 anos e começarem a frequentar a Escola Primária isso será um assunto que pode complicar a forma de pensar das crianças: “Quando eu crescer vou ficar como o meu pai (ou Mãe?)”. Do meu ponto de vista, este diagnóstico muito precoce não traz vantagem para as crianças. Para metade será uma boa notícia (os negativos), mas para a outra metade será uma tragédia que irá aparecer no futuro e que pode levar a perder muitas experiências positivas: “Vou tirar um curso para quê?”; “Juntar dinheiro com que objetivo? Eu só vou durar com saúde até aos 30 ou 35”.

Quando se atingir a idade adulta será essa a melhor altura para se saber se vai ter a PAF?

Tem uma certa lógica, pois é nesta altura que começam os relacionamentos amorosos. De qualquer forma, sou da opinião de que há uma altura em que é preciso fazer o diagnóstico genético. A resposta mais correta é: quando for preciso saber. Quando ainda não se fez o teste, há 50% de hipóteses de não ter a doença (a probabilidade de ter a doença é de 50% se um dos progenitores for portador da mesma). Mas se o resultado for positivo, não há mais esperanças de não ser afetado. O casamento é um fator que pode justificar a realização do diagnóstico precoce, apesar de, no caso de se pretender constituir família, já haver formas de se erradicar a doença em famílias sintomáticas. De destacar ainda que a chegada à 3ª década de vida é um fator que levará o indivíduo a preparar-se para ser enviado para um local de tratamento, pois quanto mais cedo iniciar o tratamento, quer médico, quer cirúrgico, melhores serão os resultados.

Atualmente, há doentes com quase 30 anos de evolução da paramiloidose e que fazem a sua vida praticamente de forma normal. Apesar de todas as formas de tratamento que se fazem, continuamos a ver na rua muitas dezenas ou centenas de jovens com a marcha típica da PAF. Está na hora de orientar todos os jovens com a patologia a fazerem tratamento cada vez mais cedo até se encontrar uma solução eficaz, e com pouco ou nenhum risco, com o intuito de diminuir e terminar de vez com a doença, pelo menos em Portugal.

Um artigo do médico Jorge Pedrosa, portador de paramiloidose.