Esta patologia é originada pela alteração da estrutura de uma proteína produzida essencialmente pelo fígado, a transtirretina (TTR), que é depositada no sistema nervoso periférico, dando origem a uma polineuropatia sensitivo-motora progressiva. Manifesta-se inicialmente entre os 25 e 35 anos (podendo em determinados casos clínicos ocorrer depois dos 50 anos) e atinge inicialmente os membros inferiores, afetando a sensibilidade aos estímulos e a capacidade motora. Estima-se que em Portugal existam cerca de dois mil doentes com Polineuropatia Amiloidótica Familiar.
A Polineuropatia Amiloidótica Familiar está associada ao depósito de fibras de amilóide no organismo que são constituídas por sub-unidades da proteína transtirretina (TTR), cuja função é o transporte de tiroxina e vitamina A. Maioritariamente a síntese desta proteína ocorre no fígado e em situações normais a TTR que circula no sangue é solúvel, no entanto, quando ocorrem mutações, como acontece na presença desta doença a substituição de um único aminoácido origina a TTR Met 30, uma substância altamente insolúvel nos tecidos. Esta deposição nos tecidos conduz a uma deterioração dos nervos periféricos, condicionando o funcionamento de diversos órgãos e sistemas. Na Polineuropatia Amiloidótica Familiar o sistema nervoso é atingido em proporções raramente observadas em outras doenças hereditárias. A progressão da doença é sempre ascendente, acabando por atingir todo o organismo.
Como sintomatologia inicial, os doentes apresentam diminuição ou perda de sensibilidade à temperatura (frio/quente), sensações como formigueiro ou dormência ou sensações de dor intensa. Estes sintomas iniciam-se nos pés e pernas e vão subindo gradualmente até às mãos com a progressão da doença. Os doentes podem ainda apresentar perda de peso, alterações no trânsito intestinal, dificuldade de digestão, retenção urinária ou disfunção sexual. Progressivamente as alterações gastrointestinais tornam-se mais acentuadas, surgindo diarreias frequentes, náuseas e vómitos e surge uma diminuição da força muscular que tem início nos pés e pernas (dificuldades na marcha) e que vai progredindo para os membros superiores. Os depósitos de amilóide no músculo cardíaco podem também provocar, numa fase mais avançada da doença, insuficiência cardíaca (para algumas variantes genéticas TTR, este pode ser o único sintoma) Outra das manifestações tardias da doença é a falência renal, originando necessidade de diálise e também as perturbações visuais (visão turva, olho seco, glaucoma, diminuição da acuidade visual).
A Polineuropatia Amiloidótica Familiar resulta de uma mutação que é transmitida hereditariamente de forma dominante, pelo que se o progenitor for portador da mutação, a probabilidade de um filho ser também portador é de 50%.
O estudo genético permite o diagnóstico em pré-sintomatologia (mediante consulta de Genética Médica e avaliação psicológica). O diagnóstico precoce é muito importante, permitindo atrasar a evolução da doença e preservar a qualidade de vida dos doentes. Existem várias alternativas terapêuticas, para além do transplante ortotópico do fígado, aprovadas pelo Infarmed aos dias de hoje: estabilizadores da proteína TTR (Tafamidis), oligonucleotidos antisense (Inotersen) e RNAs de interferência e Patisiran). As duas últimas, tais como o transplante hepático visam a iminuição da produção da proteína e podem ser administradas em estadios mais avançados da doença. Sem tratamento, os sintomas da Polineuropatia Amiloidótica Familiar agravam-se, causando a morte em média entre 10 a 15 anos após o aparecimento da sintomatologia.
O diagnóstico permite ainda oferecer opções reprodutivas aos portadores de variantes patogénicas, que eliminam a heritabilidade da doença.
Um artigo de Germano de Sousa, Médico Especialista em Patologia Clínica.
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