Os cuidados de saúde prestados (vendidos) à pessoa doente, particularmente quando esta apresenta problemas crónicos, são definidos tendo como base uma abordagem descontextualizada e desarticulada do sofrimento da pessoa. Ignora-se o que está na origem da patologia diagnosticada, ignora-se a história da pessoa e a sua reação às suas crescentes incapacidades e sofrimento.

Muitas vezes, a pessoa que solicita ajuda sente-se invisível, como se a sua existência fosse quase irrelevante. Ignora-se:

  • O seu estado de saúde geral,
  • a sua história,
  • a sua situação atual socioeconómica e emocional,
  • a sua situação atual familiar,
  • a sua situação atual profissional,
  • as suas disponibilidades e responsabilidades,
  • a qualidade das suas condições de vida,
  • as suas opiniões sobre o seu estado de saúde,
  • as suas expectativas relativas à consulta e ao tratamento,
  • a sua participação no tratamento e
  • a informação de que dispõe para acordar o tratamento que lhe propõem.

Nos cuidados de saúde médicos, tradicionais, a patologia diagnosticada é intervencionada, quase exclusivamente, com a prescrição de fármacos que pretendem bloquear a percepção da dor e retardar processos que conduzem a incapacidades e autodestruição.

Independentemente da perícia do técnico da saúde, este ignora as limitações sobre as quais assenta o seu Plano De Tratamento e a eficácia da sua aplicação (na perspetiva da pessoa doente), embora sendo responsável por ambos. O financiamento e o pagamento dos cuidados médicos assentam na quantidade de intervenções e na preparação técnica que exigem, não nos benefício e prejuízos que estes trazem ao doente.

Quando o contexto causal e a história das diversas patologias presentes, assim como a história da pessoa não são, de todo ou insuficientemente, tidas em conta na elaboração do Plano De Tratamento, que deve ser abrangente e holístico, corre-se o risco de fazer da pessoa um dependente crónico de cuidados de saúde e de fármacos que não lhe resolvem os problemas.

Com o passar do tempo, a exposição prolongada aos efeitos secundários dos fármacos, pode deteriorar (objetiva e subjetivamente) o estado de saúde da pessoa que é também um cliente.

Concentrar os cuidados de saúde nos sintomas, fazendo uso de fármacos, é particularmente assustador quando se trata de crianças e jovens. Isto pelo facto de estes serem muito mais sensíveis do que os adultos à ação de agentes potencialmente tóxicos tais como o stress crónico provocado pela doença crónica e os efeitos secundários (nocivos) da utilização prolongada de fármacos.

É necessário considerar o contexto situacional da pessoa durante o seu desenvolvimento. Por exemplo que situações poderiam ter sido sentidas como stressantes, agressivas ou traumáticas e qual era a responsividade do meio ambiente próximo? É igualmente importante sabermos quando tais situações tiveram lugar; durante o desenvolvimento do embrião, nos primeiros três anos de vida, durante a primeira escolaridade, na adolescência ou na idade adulta? Esta informação permite formularmos algumas hipóteses sobre o desenvolvimento que foi afetado e a gravidade do mesmo.

A prática atual na prestação de cuidados de saúde conduz a um aumento permanente dos custos e a uma diminuição constante da produtividade, da qualidade e das expectativas de vida da pessoa que adoeceu (o que é fundamentalmente diferente de ‘o doente”). Enormes recursos financeiros, técnicos, materiais e científicos são desperdiçados em serviços ineficientes e perigosos tornando o sistema de cuidados de saúde absolutamente insustentável. É indispensável e urgente impor, como base de financiamento, o resultado, a médio e a longo prazo, dos cuidados de saúde. Para a pessoa que adoeceu, são os resultados que contam, não a quantidade de intervenções a que se submete. A qualidade dos serviços de prevenção, a investigação científica, as infraestruturas e a formação dos profissionais de saúde no ativo são áreas onde então é possível investir.

Uma abordagem holística, contextualizada e individualizada é perfeitamente possível e dispõe, hoje como no tempo de Hipócrates (460 a.C. † 370 a.C.), de uma base científica sólida. O Planos de Tratamento deve ser o mais abrangente possível, incluir e integrar todas as terapêuticas e intervenções consideradas necessárias, efetivas e seguras, relegando para situações de emergência a prescrição de terapêuticas ou medidas de alto risco como a farmacologia, intervenções intrusivas e internamentos compulsivos.

O profissional de saúde, seja ele o médico de família, o psicólogo da saúde/clínico ou o médico especialista, tem a obrigação de propor um Plano de Tratamento que considere todos os sintomas e patologias apresentadas pela pessoa que adoeceu e que lhe solicitou os seus serviços. A intervenção do clínico tem de se integrar na história da pessoa e no seu contexto atual socioeconómico e cultural.

Quem solicita e quem presta cuidados de saúde e outros serviços igualmente indispensáveis têm de assumir a responsabilidade de se organizarem, como equipa, para obter, a curto prazo, os resultados necessários e acordados.

Um artigo de Manuel Fernando Menezes e Cunha, Psicólogo da Saúde e Economista do Desenvolvimento.