A doença inflamatória intestinal (DII) é uma designação que compreende duas doenças crónicas que afetam, por inflamação persistente o sistema digestivo, sendo elas respetivamente a Doença de Crohn e a Colite Ulcerosa. Estas patologias são causadas por uma mistura de fatores hereditários, genéticos, ambientais, dietéticos e microbiológicos, que quando conjugados entre si levam à desregulação do sistema imunitário e daí a um processo inflamatório crónico.
Ainda que a DII seja comummente associada a franjas mais jovens da população, o diagnóstico pode ser feito em qualquer fase da vida, desde a infância até às idades mais avançadas. O diagnóstico tem sido feito mais cedo graças ao maior acesso da população a cuidados de saúde bem como a tecnologias de diagnóstico como a colonoscopia, exames radiológicos e análises laboratoriais. O diagnóstico precoce é essencial dado que incrementa significativamente as hipóteses de sucesso do tratamento.
Qual a relevância dos corticoesteróides no tratamento da DII e a realidade do ponto de vista terapêutico?
O panorama terapêutico alterou-se muito significativamente durante os últimos 25 anos. Se até ao final do século passado a utilização de corticosteróides e as cirurgias constituíam as principais formas de tratamento, a evolução científica produziu grandes avanços no último quarto de século e permitiu a aplicação de tratamentos altamente eficazes através de distintos mecanismos de ação, com redução muito significativa na necessidade de intervenções cirúrgicas, no uso de corticóides e de internamentos hospitalares. A chegada ao mercado de novos medicamentos tem vindo a reduzir drasticamente a proporção de doentes para os quais não é possível um controlo profundo da inflamação. Em consequência deste sucesso do arsenal farmacológico à nossa disposição, a necessidade de intervenção cirúrgica é cada vez mais rara, e quando realizada, é cada vez mais dirigida a resolução de problemas pontuais e concretos.
Os doentes podem atualmente ser tratados de forma mais previsível e eficaz, tendo sido conquistados ganhos enormes em qualidade de vida nos domínios pessoal, familiar, profissional e social. Alguns destes ganhos foram também proporcionados pela possibilidade de os doentes poderem ser tratados em regime de ambulatório, nomeadamente em casa, de forma simples e autónoma através da administração de fármacos por via oral ou subcutânea. Passou a ser normal encontrar nas consultas de DII doentes que viajam, trabalham ou estudam temporariamente no estrangeiro ou em território nacional afastados do seu hospital de seguimento, sem que tenham de hipotecar o sucesso do seu tratamento e a preservação da sua saúde.
Em conclusão, nos dias que correm a vasta maioria das pessoas com este tipo de patologias pode ter aquilo que se considera uma vida normal, sem que o peso de uma doença crónica tenha impacto sobre o seu dia-a-dia. A eficácia dos tratamentos trouxe consigo a estabilidade e planificação na vida destas pessoas que classicamente estavam dependentes da utilização, muitas vezes abusiva, de automedicação com corticoesteróides, advindo daqui efeitos secundários potencialmente graves tais como infeções frequentes, diabetes, osteoporose, edemas periféricos, hipertensão arterial.
Aos poucos, a utilização de corticoesteróides foi sendo abandonada e é inclusivamente considerada uma meta a atingir quando se trata de modo bem-sucedido um doente com DII, sendo cada vez mais comum a ausência de utilização destes medicamentos em pessoas recentemente diagnosticadas.
Qual é a melhor forma de acompanhamento e tratamento da DII?
Em Portugal, o seguimento da maioria dos doentes é efetuado a nível hospitalar dado que a maioria dos medicamentos avançados existentes apenas são prescritos em unidades hospitalares. Por outro lado, é nos Hospitais que com maior probabilidade estão reunidas as várias unidades funcionais de tratamento de que os doentes necessitam, seja pelo rápido acesso à equipa de médicos e de enfermeiros, bem como pela facilidade de acesso a tratamentos em Hospital de Dia, pelo acesso a exames complementares de diagnóstico e também pela existência de um serviço de urgência.
A subespecialização clínica no acompanhamento de doentes com doença inflamatória intestinal sucedeu naturalmente aos progressos científicos no âmbito farmacológico. A dinâmica de descoberta de novas moléculas e formas de tratamento tornou-se uma realidade, inclusivamente em Portugal com vários Hospitais nacionais a participarem ativamente no recrutamento de doentes em ensaios clínicos, abrindo novas janelas de esperança para doentes resistentes às várias abordagens disponíveis e a futuros doentes.
Este acompanhamento é coadjuvado pela realização periódica de análises de sangue e de fezes, podendo os intervalos de reavaliação ser mais encurtados em doentes com situações mais graves e complexas de modo a identificar precocemente a necessidade de ajustes ou substituições de medicação assim como a discutir eventuais planos cirúrgicos.
Os doentes com DII e comorbilidades
Cerca de 15-25% dos doentes com DII podem ser acometidos por outras doenças, tipicamente do foro autoimune, sendo mais comuns as dermatológicas e reumatológicas. Em determinadas circunstâncias o controlo de uma doença permite também a resolução das doenças associadas (ex: psoríase, artropatias).
Em muitos casos, dado que a idade de diagnóstico costuma ser precoce e que não existe cura para a DII, alguns doentes virão a ter problemas de saúde tais como infeções ou doenças crónicas, não estando, porém, impedidos de manter o tratamento da DII.
A gravidez é comum em mulheres com DII, sendo primordial o controlo da saúde materna para um bom desenvolvimento do feto para a saúde futura da criança ao mesmo tempo que a vasta maioria dos tratamentos pode ser mantida na gravidez e aleitamento.
Quais a principais recomendações para os doentes com Doença Inflamatória Intestinal?
Para um bom controlo da doença inflamatória intestinal o doente deverá estabelecer um forte vínculo com o seu médico assistente, com o qual pode abordar as várias estratégias terapêuticas e nutritivas. Está recomendada a ingestão abundante de líquidos, frutas, legumes e fibras. Por outro lado, deve ser restringida a ingestão de alimentos processados com elevadas quantidades de sal, açúcar ou conservantes. A prática de exercício físico e a gestão dos fatores de ansiedade/stress são também fundamentais para o complemento do plano de saúde, salvaguardando-se, no entanto, que o ponto mais importante de todos é a adesão a um regime terapêutico altamente eficaz e seguro. Está ainda aconselhado que o doente adira aos planos de vacinação recomendados (nomeadamente gripe e COVID), principalmente naqueles tratados com terapêuticas biológicas ou com as novas moléculas, e que cumpra as estratégias de promoção de saúde delineadas pelas autoridades de saúde, nomeadamente aquelas divulgadas pelo Médico de Família (ex: rastreio do cancro do colo do útero, da mama, da próstata).
A esmagadora maioria dos fármacos que são utilizados no tratamento da colite ulcerosa e da doença de Crohn têm perfis de segurança muito bons, podendo sempre ser adaptada a estratégia clínica em função de fatores como a idade, severidade da patologia gastrointestinal, doenças concomitantes ou prévias tais como o cancro, infeções, alergias ou doenças neurológicas, metabólicas e cardiovasculares.
Um artigo do médico Bruno Arroja, Gastrenterologista no Hospital de Braga e Membro da Direção do GEDII (Grupo de Estudos de Doença Inflamatória Intestinal).
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