Numa iniciativa enviada à imprensa, e que será submetida à Assembleia da República, Joacine escreve que "em Portugal, a luta para garantir um acesso real e efetivo ao aborto legal, gratuito e em segurança é uma luta imensa, conturbada, que ainda não terminou".

Descrevendo a evolução da legislação em Portugal nesta matéria, a deputada lembra que "no dia 11 de fevereiro de 2007, somente 33 anos após a Revolução de Abril, foi realizado um (segundo) referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez, e o 'sim' saiu vencedor".

Em consequência, "foi publicada a Lei n.º 16/2007, de 17 de abril", estabelecendo que esta interrupção não seria punível desde que “realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas de gravidez”.

"Todavia, este diploma estabeleceu, de igual forma, a obrigatoriedade de um período mínimo de reflexão de três dias, a garantia à mulher de “disponibilidade de acompanhamento psicológico durante o período de reflexão” e de “disponibilidade de acompanhamento por técnico de serviço social, durante o período de reflexão”, bem como o direito do pessoal médico à objeção de consciência, razões pelas quais foi considerada, por várias ativistas, um diploma significativamente insuficiente, moralista e com falhas", lê-se na iniciativa.

A deputada argumenta que "o limite de 10 semanas que se encontra em vigor na lei portuguesa como prazo máximo em que uma mulher pode aceder à IVG é, comparativamente aos demais ordenamentos jurídicos nos quais a IVG foi despenalizada, profundamente restritivo".

Joacine Katar Moreira aponta que "em 2016, o diretor executivo da Associação para o Planeamento da Família (APF), Duarte Vilar, demonstrou-se favorável a uma alteração da lei em Portugal, permitindo o recurso à interrupção voluntária da gravidez até às 14 semanas, afirmando que o limite em vigor, atualmente, em Portugal corresponde a "um período curto", é citado.

Joacine adita ainda que é importante considerar a crise sanitária e o impacto que "a pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 teve na disponibilização de cuidados de saúde sexual e reprodutiva de todas as mulheres, a nível global".

"Uma outra característica que reflete o caráter paternalista da legislação portuguesa é a exigência de um período de reflexão, isto é, o requisito de que o consentimento da mulher para este procedimento deva ser prestado “em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo, o qual deve ser entregue no estabelecimento de saúde até ao momento da intervenção e sempre após um período de reflexão não inferior a três dias a contar da data da realização da primeira consulta destinada a facultar à mulher grávida o acesso à informação relevante para a formação da sua decisão livre, consciente e responsável", argumenta.

Para Katar Moreira, esta condição "contribui para a estigmatização e preconceito em relação à mulher que opta por interromper a sua gravidez".

"Através da análise destes dados é possível concluir que persistem verdadeiros entraves no acesso, pelos homens trans, pessoas não-binárias, mulheres portuguesas ou residentes em Portugal, ao aborto voluntário em condições de gratuidade, segurança e igualdade, aquele que é um seu direito fundamental: o direito à sua autodeterminação ao controlo do seu próprio corpo, e à saúde. Estes entraves serão mais evidentes e críticos para pessoas provenientes de um contexto socioeconómico mais vulnerável (...)", remata.

No primeiro referendo, em 1998, o "não" à despenalização da IVG, realizada por opção da mulher, nas primeiras dez semanas de gravidez, venceu com 50,91% dos votos. No segundo referendo, em 2007, o "sim" venceu com 59,25%.