O cancro do pulmão continua a ser o cancro que mais mata em Portugal. São cerca de 4.800 mortes por ano, sendo que surgem anualmente 5.300 novos casos. A elevada mortalidade, à semelhança do que acontece com outros tumores malignos, como o cancro da mama e do ovário, levou já muitos países a avançarem com rastreios, ou projetos-piloto, de modo a antecipar o diagnóstico e consequentemente aumentar as probabilidades de sobrevivência dos doentes. Contudo, Portugal ainda não está a dar nenhum passo nesse sentido, apesar de já ter sido anunciado pela tutela.

O cancro do pulmão tem sinais e sintomas, que muitas vezes já surgem numa fase muito avançada da doença, e que devem ser considerados quer pelas pessoas quer pelos profissionais, mesmo quando se trata de não fumadores,  pois são um grande sinal de alerta que merece ser avaliado, nomeadamente: tosse persistente, dor no peito ou no ombro que não desaparece, tosse acompanhada de sangue, dificuldade em respirar ou falta de ar, rouquidão ou diminuição da voz, respiração sonora (estridor) ou infeção torácica que não desaparece ou se torna recorrente.

Um diagnóstico precoce pode ser potenciado por uma articulação mais eficiente entre cuidados de saúde primários e hospitalares. Além do rastreio, só o diagnóstico precoce consegue baixar a mortalidade pelo cancro do pulmão. E isso só acontecerá se houver sensibilização dos médicos e dos doentes acerca desta doença e uma interligação rápida e eficiente entre os centros de saúde e os serviços hospitalares.

Falámos sobre esta doença com o médico oncologista Rui Dinis, diretor do Serviço de Oncologia Médica do Hospital do Espírito Santo de Évora.

O cancro do pulmão continua a ser o cancro que mais mata em Portugal. Como se explica a elevada mortalidade?

A principal razão de tão elevada mortalidade é sem dúvida o diagnóstico tardio, apesar da evolução terapêutica permitir hoje uma maior sobrevivência em alguns doentes particulares com alterações genómicas encontradas nos tumores, mas que estão longe de ser a maioria.

A alta taxa de mortalidade deste cancro já levou já muitos países a avançarem com rastreios ou projetos-piloto de modo a antecipar o diagnóstico e aumentar as probabilidades de sobrevivência dos doentes. Por que motivo Portugal ainda não deu nenhum passo nesse sentido?

Presumo que a principal razão seja a dificuldade logística de montar mais um rastreio nacional universal (existem atualmente três), porque exige garantir capacidade técnica de realizar exames imagiológicos fiáveis em larga escala a toda a população elegível, que é enorme.

Quais os sinais e sintomas do cancro do pulmão?

Infelizmente, a maioria deles desenvolve sintomas e sinais em fase tardia. Ainda assim, mesmo em doentes com doença pulmonar crónica, não se deve descurar uma tosse que não passa, hemorragia durante a tosse ou expetoração, dor no peito, dificuldade em respirar, cansaço de novo, emagrecimento, anemia de novo sem hemorragia ou uma alteração de novo não explicada nas análises.

Quais os fatores de risco?

Em primeiro, temos sem dúvida o tabaco, que de forma ativa ou passiva constitui um grave problema de saúde publica nacional responsável por pelo menos 80% dos casos de cancro do pulmão. Mas deve considerar-se outras causas importantes como o radão, a poluição do ar, a exposição a amianto, o escape dos motores diesel e outros produtos químicos. A conversão epidemiológica para o hábito dos cigarros eletrónicos, tão popular entre os mais jovens, em nada contribui para diminuir o risco de cancro e outras doenças relacionadas ao tabagismo. Pelo contrário, a espúria fama de serem mais inofensivos (do que os normais cigarros) é um embuste comercial que precisa de ser desmascarado.

médico oncologista Rui Dinis
Rui Dinis, médico oncologista

Qual a importância do diagnóstico precoce e da articulação de cuidados na referenciação e acompanhamento do doente?

O diagnóstico precoce pode fazer toda a diferença, sobretudo se resultar na referenciação célere para os serviços de oncologia e/ou pneumologia, que de forma multidisciplinar vão elaborar um plano de maior sucesso terapêutico, à luz do conhecimento atual. Se a doença for ressecável, a probabilidade de cura aumenta muito, mas mesmo em muitas situações irressecáveis é possível tratar localmente e controlar a doença, tendo-se investido muito nos últimos anos em tratamentos adjuvantes que previnem a recidiva.

Qual a importância das campanhas de sensibilização para os doentes e profissionais de saúde?

Só a sensibilização e o conhecimento de todos os envolvidos permitem valorizar e garantir o investimento a todos os níveis no diagnóstico precoce, que realmente salva vidas. O modelo de saúde tem de ser cada vez mais preventivo e menos reativo, isto é, mais ativo e menos passivo.  É na prevenção que se colhe os melhores resultados em saúde. É preciso marchar contra a inércia do antigo modelo de apenas agir quando os custos humanos em vidas e sofrimento são avassaladores e inevitáveis.

Quais os objetivos da campanha ‘O Cancro do pulmão não tira férias: Respeita os sinais do teu corpo como respeitas a bandeira da praia’?

A campanha pretende quebrar o ciclo atual do diagnóstico e tratamento tardios, que coloca quase todos os doentes portugueses ao diagnóstico logo em estádio paliativo, sem hipótese de cura. Estarmos atentos à nossa saúde é um direito mas também um dever de cada um e de todos, seja nos gestos de prevenção que estão nas nossas mãos, seja na identificação atempada do que está diferente em nós e nos alerte na procura de ajuda médica. Mesmo em tempo de férias, vale a pena apagar o cigarro e não ignorar os sinais do nosso corpo, para que se mantenha acesa a chama mais importante que é a nossa vida.

A campanha "O cancro do pulmão não tira férias" pretende alertar o público em geral para a importância de estar atento aos sinais e sintomas do cancro do pulmão, sublinhando que um diagnóstico precoce pode salvar vidas. Este é o momento ideal para que cada um cuide de si e do seu pulmão. Está campanha é uma iniciativa da Associação Careca Power, Associação Nacional das Farmácias (ANF), Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Pulmonale e Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), em parceria com a AstraZeneca, com o apoio da Rede Expressos.

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