A automutilação de adolescentes é um tema de enorme relevância e atualidade. Os últimos anos têm verificado um crescimento exponencial do número de casos reportados no mundo e, em Portugal, um estudo revelou que, em 2016, mais de 20% dos adolescentes já se automutilou. 

Com estes dados, questionamo-nos: o que leva os adolescentes a desenvolver estes comportamentos? O que os leva a mantê-los? O que é que podemos fazer em relação a estes? A que sinais podem os pais e outros adultos estar atentos?

Em primeiro lugar, os comportamentos de automutilação são qualquer comportamento lesivo e não fatal que um indivíduo concretiza intencionalmente contra si mesmo. Pode tomar várias formas, entre as quais cortes, arranhões, queimaduras, ingestão desadequada de fármacos, uso de substâncias ilícitas ou psicoativas com propósito de autoagressão, ingestão de substâncias ou objetos não ingeríveis, entre outros. A localização das lesões varia, sendo as mais frequentes os braços, pulsos e tornozelos, e, menos frequentemente, a barriga, coxas, peito e mesmo face. O género do adolescente também é determinante: as raparigas são mais suscetíveis a desenvolver este tipo de comportamentos, bem como a usar objetos cortantes. A automutilação dos rapazes, por sua vez, é frequentemente caracterizada por bater com a cabeça em objetos, queimar-se e provocar danos que não causem sangramento.

Os comportamentos de automutilação tendem a surgir na adolescência, uma etapa do desenvolvimento humano pautada por alterações físicas, cognitivas, emocionais, sociais e comportamentais. Nesta fase, a capacidade de coping (ou seja, a capacidade de usar estratégias para lidar com o stress ou emoções negativas) dos jovens ainda não está totalmente desenvolvida, o que os pode levar a adotar estratégias não adaptativas para lidar com sentimentos negativos, como é o caso da automutilação.

Acresce que a adolescência é uma etapa onde o suporte dos pares é particularmente saliente e a perceção de aceitação ou rejeição por parte destes é determinante ao bem-estar dos jovens. Isso torna a perceção de rejeição social um fator de risco ao desenvolvimento de comportamentos autolesivos. Porém, outros fatores podem, também, aumentar o risco de realização destes atos, entre os quais:

  1. Ser do sexo feminino;
  2. Ser/ter sido vítima de abuso físico ou sexual;
  3. Consumir excessivamente álcool ou drogas;
  4. Ter uma pobre qualidade relacional com pais;
  5. Ter falta de suporte familiar;
  6. Deter uma pobre qualidade de sono;
  7. Ser impulsivo;
  8. Deter uma baixa autoestima;
  9. Estar em contacto com pares que se automutilam.

Os comportamentos de automutilação são adotados, frequentemente, pelos adolescentes como uma forma de sentir algo e de gerar sentimentos, ou, alternativamente, como forma de regular emoções negativas como a raiva, a angústia e o medo. A automutilação é utilizada como forma de o adolescente libertar tensões e, de modo não adaptativo, organizar emoções angustiantes, autopunir-se ou gerar sentimentos. Assim, ao contrário do que muitos consideram, não está, necessariamente, relacionado com ideação suicida ou necessidade de chamar atenção, mas antes com um desejo de gestão emocional e alívio de sentimentos negativos intensos e/ou prolongados.

Muitos adolescentes reportam que a automutilação não provoca dor, apenas uma sensação de libertação e alívio rápido e imediato dos sentimentos de tristeza, vazio e anedonia (incapacidade de sentir prazer por atividades de que anteriormente gostavam) que os avassalam. Esta aparente ausência de dor, por seu turno, poderá explicar o carácter viciante destes comportamentos que, assim, devem ser intervencionados o mais cedo possível. 

A intervenção em adolescentes com comportamentos autolesivos pode ir desde o tratamento medicamentoso até ao acompanhamento psicológico. Em casos mais severos, poderá mesmo exigir a hospitalização. Os objetivos terapêuticos passarão pela monitorização diária dos comportamentos de automutilação, o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento adaptativas, assim como o treino da assertividade, a gestão da raiva e exploração dos modelos de vinculação. A intervenção procura, assim, ajudar os adolescentes a verbalizar emoções, a identificar técnicas de resolução de problemas e a desenvolver competências de controlo de impulsos. 

Se tem comportamentos autolesivos ou conhece alguém que os tenha, não hesite em procurar ajuda. Não está sozinho(a).

Um artigo dos psicólogos clínicos Mariana Moniz e Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.