Apesar de formar milhares de profissionais altamente qualificados todos os anos, Portugal continua a perder enfermeiros para o estrangeiro — um sinal claro de que a crise não é de formação, mas de valorização.
Portugal enfrenta uma crise prolongada e estrutural na área da enfermagem. Apesar de ser um dos países europeus com mais diplomados em enfermagem por ano, a realidade é que milhares de profissionais abandonam o país, procurando melhores condições de vida e trabalho no estrangeiro. Esta situação não é apenas um reflexo de oportunidades externas mais vantajosas, mas sobretudo o espelho de um sistema de saúde que falha em valorizar, fixar e proteger os seus recursos humanos.
Segundo dados da OCDE (2023), Portugal regista cerca de 7,1 enfermeiros por mil habitantes, abaixo da média da União Europeia, que ultrapassa os 9 por mil. Este défice manifesta-se diariamente em serviços de saúde sobrecarregados, turnos exaustivos e tempos de espera prolongados, afetando diretamente os cuidados prestados aos utentes.
Entre as principais causas da escassez, destacam-se os salários pouco competitivos, com enfermeiros em início de carreira a auferirem valores próximos do salário mínimo nacional, muitas vezes com vínculos precários e sem perspetiva de progressão. Este panorama contrasta fortemente com países como a Alemanha, Suíça ou Reino Unido, onde a remuneração é substancialmente mais elevada e o reconhecimento profissional é uma prática e não apenas um discurso.
Acrescem ainda as condições de trabalho difíceis: equipas reduzidas, horários imprevisíveis, desgaste físico e emocional constante e uma cultura institucional que frequentemente normaliza o excesso de carga laboral. Tudo isto contribui para o burnout e para a crescente insatisfação profissional.
Outro fator crítico é a ausência de uma estratégia nacional para recursos humanos em saúde. Falta planeamento de médio e longo prazo, faltam incentivos reais para a fixação de enfermeiros em zonas mais carenciadas, faltam concursos regulares e transparentes. Na prática, isto significa que o país continua a formar profissionais que não consegue reter.
Paradoxalmente, os enfermeiros portugueses são amplamente valorizados fora de portas. A sua formação é reconhecida internacionalmente e muitos são imediatamente recrutados por serviços de saúde estrangeiros. Portugal tornou-se, assim, um país exportador de talento, com custos de formação suportados internamente, mas retorno social e económico para outras nações.
A solução não é simples, mas é clara. Urge definir e aplicar uma carreira de enfermagem digna, com remuneração justa, estabilidade contratual, progressão profissional e melhores condições laborais. Urge escutar os profissionais e investir, de forma estrutural, em quem está na linha da frente do cuidado à população. Esta é uma questão de justiça profissional, mas também de sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde.
Se não forem tomadas medidas concretas e corajosas, continuaremos a assistir à perda silenciosa de profissionais essenciais — e com ela, ao enfraquecimento de um dos pilares fundamentais da nossa saúde pública.
Referência:
OCDE (2023). Health at a Glance: Europe 2023 – State of Health in the EU Cycle.
OECD Publishing, Paris.
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