As redes sociais têm, de modo inegável, vindo a ganhar cada vez mais expressão na nossa vida diária. Ainda que possamos não ter essa consciência, a verdade é que o número de perturbações mentais associada ao consumo excessivo das redes sociais e do “online” aumentou exponencialmente nos últimos anos.
Basta colocarmo-nos uma questão para que melhor consigamos ter noção desta realidade: quantas pessoas conhece que não estejam presentes em alguma rede social – Instagram, Twitter, Facebook, Tik Tok, entre outras? Acredito que a resposta seja, praticamente, imediata: “poucas” ou até “nenhuma”. Não é de admirar.
Um estudo da Global Digital Statshot 2019, realizado por empresas americanas que estudam dados, confirmou que quase metade da população mundial – falamos de cerca de 3,5 mil milhões de pessoas –, têm uma conta em alguma rede social.
De “mãos dadas” com o aumento do consumo do “online” surge também o aumento dos filtros e das aplicações que nos permitem alterar a nossa imagem física, alisar a pele, apagando todas as “imperfeições”, alterar o nariz para ficar mais semelhante ao da Kim Kardashian, aumentar os lábios tal qual como os da Angelina Jolie, diminuir as coxas para igualar as de Bruna Marquezine. Enfim...
Quando chegamos a este ponte estamos a ultrapassar uma linha, já de si ténue, entre o querermos melhorar algumas questões que nos incomodam e ignorarmos por completo quem somos, a nossa história, ansiando por alcançar uma imagem física que não respeita a nossa individualidade, “apenas” porque desejamos ficar iguais à celebridade x que consideramos ser o padrão de beleza que a sociedade impõe.
As redes sociais, os filtros, as aplicações - como Photoshop ou Facetune, por exemplo -, têm contribuído para o aumento considerável do que é o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) que se “caracteriza por um comportamento perceptivo distorcido relativamente à nossa imagem corporal e uma preocupação excessiva com um defeito imaginário na aparência ou inquietação exagerada em relação a imperfeições corporais identificadas”.
Deixamos, portanto, de ver aquilo que é real e passamos a ter uma relação distorcida com a nossa imagem física. Vemo-nos ao espelho, mas sem nos vermos realmente. Adoptamos comportamentos repetitivos, somos invadidos por pensamentos obsessivos que aumentam a preocupação que temos relativamente às nossas “falhas” que podem ser reais (mas impercetíveis aos olhos dos outros) ou imaginárias o que nos leva a adoptar comportamentos para camuflar essas imperfeições: usar roupas largas, maquilhagem exagerada, óculos escuros e em casos mais extremos evitar sair de casa.
Isso tem um impacto tremendo na nossa auto estima e, consequentemente, no nosso padrão comportamental. Passamos, por exemplo, a evitar situações sociais em que acreditamos que estaremos mais expostos e que as pessoas conseguirão identificar o “defeito” que nos incomoda. Para que melhor consiga compreender este conceito, recorda-se de Michael Jackson? É um dos casos evidente de TDC. Submeteu-se a tantas cirurgias que o seu rosto ficou irreconhecível.
Um estudo elaborado pela American Academy of Facial and Reconstructive Surgery, em 2017, demonstrou que 55% dos cirurgiões relatam que uma das principais motivações dos pacientes para a realização de procedimentos estéticos está relacionada com uma necessidade de ter uma melhor aparência em selfies.
Com a pandemia e com o teletrabalho, em que passámos a estar mais conscientes do nosso aspecto – muito pelas reuniões de trabalho ou convívios com familiares e amigos através de videochamada (pelo telefone, computador ou tablet) –, a pressão para termos uma determinada imagem física aumentou e, proporcionalmente, aumentou a procura pelos procedimentos estéticos.
A exposição às aplicações, redes sociais e câmaras não é por si só suficiente para espoletar este transtorno. Contudo se tivermos uma auto-estima mais baixa e formos mais susceptíveis à validação dos outros, se procurarmos, constantemente a sensação de reconhecimento e de pertença, se nos compararmos com os outros a toda a hora, o sentimento de fracasso (de que não somos suficientes) intensificar-se-á contribuindo, deste modo, para o surgimento de outras consequências como sejam o isolamento, stress, irritabilidade e até, em casos mais extremos, sintomas depressivos e de ansiedade.
A verdade é que proliferam pelas diferentes redes sociais cenários magníficos de vidas “perfeitas” que, claramente, nem sempre correspondem à realidade. Ninguém está sempre feliz. Todos temos vulnerabilidades e inseguranças relativamente à nossa imagem física. Ninguém tem uma vida repleta apenas de conquistas e sucessos sem erros ou aprendizagens. Mas nas redes sociais é, praticamente, só esse lado que vemos, o que nos leva a colocarmo-nos, não raras vezes, em causa.
É, portanto, crucial que tentemos amenizar os efeitos do consumo que fazemos das redes sociais na nossa saúde mental tentando encontrar um equilíbrio. Não é necessário que eliminemos a nossa presença online, mas que saibamos compreender o impacto que tem na nossa vida e no nosso padrão comportamental.
Na The Dr Pure Clinic, clínica que dirijo, queremos que as pessoas construam uma relação mais saudável e empática com o seu corpo e com a sua imagem corporal.
Por isso, dispomos de consultas de Cirurgia Plástica (Drª Sofia Santareno) integradas de Psicologia com a Drª Filipa Jardim da Silva e Drª Débora Bento Correia, em paralelo com o projecto Transformar.
Em conjunto, deixamos algumas dicas para melhorar a sua auto-estima:
1- Não se focar apenas no que não gosta
Existem, certamente, inúmeros aspetos de que gosta em si. Valorize-os!
2- Compreenda e respeite a sua história, a sua fisionomia e genética
Com isto não entenda que tem que se resignar, mas será justo “querer ter o corpo” da Kendall Jenner ou da Gabriela Pugliesi se a sua estrutura não lho permite? E depois estará disposta a adoptar os mesmos hábitos que estas celebridades para conseguir os mesmos resultados?
3- Cuide de si
Criando momentos diários para estar consigo própria, para trabalhar no seu autoconhecimento, para se mimar.
4- Faça um detox das redes sociais
Gira melhor o seu tempo e perceba quem são as pessoas ou páginas que segue que, de facto, lhe acrescentam algum valor vs. aquelas que só a fazem sentir-se pior.
5- Alimente um diálogo interno mais compassivo e menos julgador
Fale consigo mesmo como falaria com a sua melhor amiga.
6- Esteja atenta aos seus comportamentos
Se, de repente começou a considerar fazer uma rinoplastia é importante que perceba o que o poderá estar a motivar. Estará a fazê-lo por si ou pelos outros? A preocupação que tem em relação a este aspecto é justificada ou exagerada? Está a impactar de forma negativa outros contextos da sua vida?
Considerando as suas respostas poderá ser importante procurar um profissional de saúde mental uma vez que psicoterapia e/ou psicofármacos são das abordagens mais adequadas para o tratamento do TDC.
Podemos, sem dúvida, querer mudar aspetos com os quais não nos sentimos confortáveis, mas devemos respeitar sempre quem somos.
A procura desmesurada por Cirurgias Plásticas e procedimentos estéticos deve ser gerida por uma equipa com bom senso, que mais do que forçar tratamentos ou cirurgias, quer apenas que seja a melhor versão de si mesmo(a) com aquilo que já tem e ainda não reconheceu.
A equipa certa de profissionais são aqueles em quem podemos confiar porque olham para nós como um todo (mente e corpo) e não apenas como uma “parte”, a parte que eventualmente irão intervencionar.
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