Todas as emoções vivenciadas pelo ser humano possuem uma função para a sua sobrevivência e bem-estar. Tome-se como exemplo, o medo. Se não tivéssemos medo de morrer, estaríamos constantemente envolvidos em comportamentos de risco, não evitaríamos situações perigosas e a nossa sobrevivência estaria em causa.
Desta forma, é caso para perguntar: terá o ódio uma função? Segundo as teorias da evolução, o ódio motiva os seres humanos a evitar ou a defender o seu bem-estar e o da sua família perante estímulos, situações ou pessoas que são percecionadas com uma ameaça. Apesar da função indicada, o ser humano recorre ao ódio, de forma disfuncional, para se proteger de pessoas que não são, de todo, uma ameaça, mas que simplesmente são diferentes de si e dos seus valores.
Por crimes de ódio entende-se todos os crimes que são praticados contra pessoas motivados pelo facto de a vítima: pertencer a uma determinada raça, etnia, origem nacional ou territorial; sexo, orientação sexual ou identidade de género; religião ou ideologia; condição social, física ou mental. Tome-se como exemplo a comunidade LGBT que, ao longo dos anos, tem vindo a ser alvo de diversos crimes de ódio, em alguns deles resultaram na morte.
Estes crimes distinguem-se dos demais porque não são dirigidos apenas a uma pessoa, em concreto, mas a um grupo de pessoas com determinadas características. Estes grupos, alvos de expressões constantes de ódio e em risco elevado de serem vítimas de crimes, não se sentem seguros durante o seu dia-a-dia, o que facilita o desenvolvimento de sintomas de ansiedade. Para além do risco de morte associado às agressões físicas e de desenvolvimento de sintomas de stresse pós-traumático, as ameaças e agressões verbais encontram-se associadas ao desenvolvimento de sintomatologia depressiva nas vítimas, como uma baixa autoestima, tristeza, sentimentos de incompreensão.
Nos últimos anos, as redes sociais têm vindo a facilitar a expressão do ódio e das suas consequências, por vezes, irreversíveis. Estudos apontam que a internet, enquanto facilitadora do discurso de ódio (hate speech online), funciona como uma ferramenta para intimidar minorias, promover a violência e intolerância às diferenças, bem como incitar à agressão.
Para além das consequências devastadoras provocadas nas vítimas, como viver uma vida em constante medo e ameaça, associada a uma enorme instabilidade emocional, a duração indeterminada de alguns conteúdos online está associada a danos mais elevados para as vítimas e a um poder de incitar o medo tendencialmente superior para os agressores, comparativamente com o discurso de ódio offline/na vida real.
Segundo a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos (The United Nations Commission on Human Rights), mesmo que as mensagens de ódio não se materializem em crimes reais, elas facilitam a construção de uma pré-condição para acontecer um crime de ódio, uma vez que estes crimes são mais suscetíveis de ocorrer em contextos de estigma social e desumanização das vítimas.
Por fim, é importante referir que a expressão do ódio não tem apenas consequências para as vítimas, mas até para os próprios agressores. Quando alguém vivencia, com frequência, sentimentos de ódio é envolvido num estado de stress que impacta não só a saúde mental, mas também a saúde física (por exemplo, maior risco de doenças cardíacas ou problemas gastrointestinais).
As consequências emocionais de ser alvo de um discurso de ódio destruidor da nossa integridade, dignidade e liberdade individual de sermos nós próprios podem ser irreversíveis. Não está sozinho. Peça ajuda. Existe um lugar seguro onde pode expressar os seus medos.
As explicações são de Sofia Gabriel e Mauro Paulino da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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