O perfeccionismo é uma característica ambivalente: por um lado, é visto como algo positivo que pode aumentar a probabilidade de sucesso, pelo rigor e pela qualidade; por outro, pode levar a pensamentos ou comportamentos autodestrutivos que prejudicam, em vários domínios, a qualidade de vida das pessoas, causando elevados níveis de stresse, ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental.
Todos temos uma ideia pré-concebida do que é o perfeccionismo, mas, deixando de lado aquilo que sabemos do senso comum, o que é, afinal, o perfeccionismo sob o ponto de vista clínico?
O perfeccionismo é um traço de personalidade caracterizado por metas e padrões elevados para a pessoa (autoexigência exacerbada), combinados com autoavaliações excessivamente duras (autocrítica constante e negativa, muitas vezes com comportamentos punitivos associados).
Inicialmente, o perfeccionismo era visto como um traço de personalidade unidimensional e disfuncional, ligado a uma perspetiva psicopatológica. Mas a investigação tem mostrado que o perfeccionismo é multidimensional e as suas dimensões têm relações únicas com várias formas de psicopatologia. Estas dimensões são avaliadas através de escalas específicas e de modelos da personalidade que permitem melhor entender o impacto desta dimensão em cada pessoa.
Nas últimas décadas, vários estudos forneceram evidências empíricas e modelos teóricos sobre o perfeccionismo. Os investigadores concordam que o perfeccionismo é um fator de vulnerabilidade para questões psicológicas como a depressão e a ansiedade. A título de exemplo, os autores Flett, Nepon e Hewitt, em 2016, propuseram a Teoria da Cognição do Perfeccionismo para fornecer uma explicação teórica dos mecanismos cognitivos do perfeccionismo. Esta teoria debruça-se em três tópicos centrais:
1) O perfeccionismo é auto-orientado ou socialmente prescrito (através do julgamento dos outros) e ambos estão correlacionados com ruminação e preocupação;
2) Os perfeccionistas são mais propensos a sofrer de formas interrelacionadas de perseveração cognitiva, isto é rigidez cognitiva;
3) A ruminação e a preocupação são variáveis importantes que contribuem para a vulnerabilidade ao sofrimento emocional e à doença física.
A maioria das pessoas manifesta esta característica de tempos em tempos ou em certas áreas da vida (por exemplo, trabalho, casa, higienização), mas as pessoas que são perfeccionistas em todos os domínios, podem sentir a necessidade de alcançar a perfeição constantemente e isso pode ser visível através de sinais como:
- A pessoa não ser capaz de concluir uma tarefa porque considera que não está a correr bem ou que nunca vai ficar como desejaria, de acordo com seus padrões;
- Procrastina o início de uma tarefa até que saiba que pode fazê-la de uma determinada forma;
- Leva um tempo excessivo para concluir uma tarefa que normalmente não leva muito tempo para outras pessoas concluírem, porque revê constantemente o trabalho desenvolvido;
- Não consegue dizer “não”, acumulando tarefas e não querendo defraudar as expectativas que acha que os outros têm de si;
- Quando termina uma tarefa, fica com a sensação que poderia ter feito ainda melhor;
- Quando recebe críticas do seu trabalho, internaliza-as, assumindo que falhou e entrando num círculo vicioso negativo;
- Não consegue aceitar um elogio, ficando com a sensação de que os outros não estão a ser totalmente verdadeiros, porque sente que não conseguiu dar o seu melhor, embora tenha feito o melhor que conseguiu. Mas o bom nunca é suficiente.
Esta procura utópica pela perfeição impede a pessoa de ser mais produtiva ou bem-sucedida, fazendo com que se sinta estagnada. Mas mais grave do que isso, são as conclusões que a investigação tem revelado de que as pessoas que têm tendências perfeccionistas têm sido associadas a uma lista de problemas clínicos, entre os quais a depressão, ansiedade (mesmo em crianças), automutilação, Perturbação de Ansiedade Social e Agorafobia, Perturbação Obsessivo-Compulsiva, Perturbações Alimentares, Perturbação de Stress Pós-Traumático, Síndrome da Fadiga Crónica, insónia, acumulação, dores de cabeça crónicas e, o mais contundente de tudo, mortalidade precoce e suicídio.
É por esta razão que alguns profissionais sugerem que se deixe de usar a expressão perfeccionismo positivo, porque a investigação tem sugerido que há outras características da personalidade da pessoa que podem ter maior ou menor expressividade, exacerbando ou atenuando o efeito do perfeccionismo.
Sendo este um tema de relevo, que merece ser explorado de uma forma estruturada, no próximo artigo partilharei algumas dicas de como poderá lidar com o perfeccionismo. Até lá, se identificou alguns sinais indicados e se sente que esta característica tem um impacto negativo em si e nos outros que lhe são próximos, não hesite em pedir ajuda.
Um artigo da psicóloga clínica Laura Alho da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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