Voltar de férias. Olhar para o ano que se adivinha e escrever sobre romance e relações a dois, parece ser um desafio em contraciclo. O outono ao contrário da primavera é uma estação do ano, que nos leva para um imaginário mais introspetivo. A queda das folhas o dourado das árvores, o cinzento das nuvens e as primeiras chuvas, apelam à individualidade de cada um. O outono é para muitos o momento de olhar de novo para o trabalho, pensar os projetos pessoais e definir uma estratégia. Este é um exercício individual que se faz ao longo do dia, por vezes ao jantar ou mesmo ao deitar na cama. Faz-se no espaço do casal e da relação. O espaço a dois é assim invadido pelos projetos, sonhos expectativas de cada um. Neste sentido o espaço de casal é temperado pelas emoções associadas a cada projeto e sonho.
Os projetos de cada um, assinalam a individualidade e o fosso intransponível da alteridade. Quem é o nosso amor fora da relação? É empreendedor, justo, cuidadoso, competitivo, aguerrido, conflitual, submisso, negociador, ético? O regresso à rotina, dá-nos a oportunidade de olhar o outro, fora da interação próxima das férias. Na nossa metáfora o outono traz a individualidade, o ser do outro no mundo, para o centro da relação. Neste sentido o outono pode naturalmente, ser um tempo de apreciação à distância, e por isso de renovada sedução e erotismo.
Infelizmente em muitos casais o regresso à rotina, o stress do trabalho, a ansiedade e as frustrações associadas aos projetos profissionais, condicionam negativamente o espaço da relação. A ansiedade e as angústias do mundo, parecem infiltrarem-se progressivamente na relação, diminuindo a cumplicidade e a sintonia alcançada no verão.
Como manter os jogos de sedução e o erotismo no outono? Na verdade, não há uma receita objetiva, mas existem alguns caminhos que parecem reforçar o erotismo e em sentido contrário outros caminhos que nos levam a lugares de ausência de desejo.
A sedução e o romance precisam de intencionalidade e de programação. Precisam de encontrar lugar na agenda do outono, por entre tarefas domésticas e projetos laborais. É imperioso, abrir agendas a dois. É preciso, descer a rua da ansiedade. Sabemos que um nível de ansiedade alto, num limiar constante, não ajuda ao contacto e à sensibilidade necessária para ler o outro. Pode ser importante que cada elemento do casal, tenha estratégias de regulação da ansiedade, que não sejam exclusivamente apoiadas no outro. O desporto pode ser um bom truque. É importante não levar constantemente uma “camioneta cheia areia” para casa. Há um trabalho de autorregulação que é necessariamente individual.
Lógico que há dias que é impossível não levar a “areia”, raiva, frustração e as lágrimas. A partilha em casal das angústias, medos e frustrações podem ser oportunidades de cumplicidade e de reforço de segurança. O perigo não reside na partilha pontual das emoções e dos desafios associados aos projetos individuais, reside sim num estado crónico de tensão e ansiedade que diminui a sensibilidade para o outro.
Há ainda um caminho quando percorrido, que diminui invariavelmente o desejo. O caminho da crítica. A crítica é uma faca de dois gumes. Corta o ego do criticado ao mesmo tempo, que rasga o véu da admiração. Quem critica frequentemente, mata o seu objeto de admiração e assim condena o seu desejo a uma praia deserta. As diferentes perspetivas e opiniões sobre os projetos de cada um, devem ser colocadas com o cuidado, para cumprirem uma função de apoio e não serem sentidas como ameaças e fonte secundária de ansiedade. As conversas sobre o quotidiano, trabalho e os projetos individuais de cada, um devem reforçar a segurança.
A cumplicidade, a ausência de critica, e o suporte são ingredientes chave para segurança, contudo per se não alimenta o desejo. É necessária como já referimos uma agenda outonal de erotismo. É importante reservar espaço para o casal, só para o casal. Incluir desafios, jogos, surpresas, novidade de forma a quebrar a previsibilidade da rotina. O erotismo gosta de novidade. É também importante, pisar o risco, ousar, ir mais longe, experimentar. O erotismo também gosta de uns pozinhos de transgressão de ir além do limite. O erotismo vive do desejo de transpor o fosso da individualidade, vive da tentativa sedutora de tornar perto o que é distante.
O outono traz de volta o fosso da individualidade, por isso devolve a distância necessária para novos jogos de sedução. Separa-nos para nos podermos admirar. Afinal só queremos seduzir o que não sentimos como já próximo e adquirido. O outono não é quente como verão, mas é sem dúvida a estação para começamos a reacender a lareira.
Bom outono.
Um artigo de Pedro Vaz Santos, psicólogo clínico e terapeuta familiar e de casal.
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