Nos últimos anos tenho trabalhado com crianças e jovens, com especial foco no desenvolvimento das suas competências pessoais e sociais. Recentemente tive oportunidade de estar no Nepal durante várias semanas em voluntariado, com o objetivo de trabalhar estas competências com um grupo de crianças e jovens nepaleses.
Durante este tempo, tive contacto com os conteúdos educativos de uma escola do Nepal, sendo que a disciplina de Educação Moral me despertou especial atenção. Desde cedo que estas crianças são sensibilizadas para a importância das suas competências “interiores” no contexto escolar, em disciplinas inseridas no plano curricular formal.
Ao folhear o livro desta disciplina encontrei histórias e exercícios práticos sobre o perdão; a forma simples/minimalista de viver em sociedade; boas maneiras na relação com o outro; humildade; liderança; amizade; pensamento crítico; paciência; o valor do tempo; hospitalidade; gestão da raiva; união; como podemos encontrar a felicidade; entre outras.
"Como podemos ser felizes?"
Relativamente a este último exemplo, recordo-me de uma das histórias presentes no livro que mais atenção me despertou. O título era “Como podemos ser felizes?” e relatava uma história acerca de um seminário com mais de 100 pessoas, no qual tinham de realizar um exercício em que o objetivo era encontrar um balão com o seu nome numa sala.
Proporciona aos outros a felicidade e terás a tua felicidade
A história refere que a primeira reação das pessoas foi procurar o seu balão sozinhas e, como seria de esperar, houve uma enorme confusão, em que todos se empurravam e ninguém conseguia chegar ao seu balão. Passados alguns minutos, alguém sugeriu que uma das pessoas recolhesse o balão mais próximo, aleatoriamente, e dissesse o nome escrito no balão em voz alta para entregar à pessoa correspondente, até todos terem o seu balão.
Por fim, a história termina com a conclusão de que na nossa vida procuramos a felicidade constantemente sem saber onde a encontrar, no entanto, quando olhamos para os outros através da partilha, entreajuda e do cuidar, encontramos a nossa própria felicidade (“Proporciona aos outros a felicidade e terás a tua felicidade”).
Para mim esta história e todas as outras que encontrei naquele livro foram uma surpresa bastante positiva e fiz imediatamente a comparação com o ensino em Portugal. Pensei que abordar este tipo de conteúdos desde cedo nas escolas seria uma aposta importantíssima para prevenir comportamentos pautados pela individualidade e agressividade nas nossas crianças e jovens. Mais importante foi poder percecionar e sentir esses mesmos valores a serem colocados em prática todos os dias por estas crianças e jovens no Nepal.
Durante esta minha experiência no Nepal questionei-me sobre se aprenderiam estes valores na escola ou no seu dia-a-dia ao relacionarem-se uns com os outros. Após fazer esta questão, pensei que a resposta não interessa verdadeiramente e que o mais provável, do que pude observar, é que aprendam nos diversos contextos (com a família, amigos, na sala de aula com os professores e colegas). O que percecionei foi uma ponte direta e realista entre a escola e o dia-a-dia das crianças e jovens, em que há uma estreita ligação entre todos os seus contextos. Deste modo, uma vez que a escola inclui no seu plano curricular a aprendizagem destas competências do Ser, tal como inclui a matemática e as ciências, aprender a Ser não é colocado em causa por fatores externos, sendo assim uma aprendizagem duradoura, coerente e, portanto, muito mais eficaz na formação de seres humanos.
O que adianta ser o melhor aluno na escola, se depois não consigo trabalhar em equipa, não me sinto seguro a dar a minha opinião em grupo, se não consigo respeitar a forma de pensar dos outros?
O Nepal é conhecido por ser um país que apaixona os seus visitantes essencialmente pelas pessoas que nele vivem. Nós, europeus, julgamo-nos muito avançados relativamente aos países subdesenvolvimentos ou em desenvolvimento e, na verdade, somos em muitos aspetos. No entanto, num aspeto essencial como saber viver em comunidade temos ainda muito a aprender.
Por que não seguir bons exemplos que nos podem ajudar a construir uma sociedade melhor, mais unida, mais humana?
Atualmente, não devemos ver a escola como a única forma de obter conhecimento. Aprendemos em todos os contextos onde nos inserimos, seja qual for o tipo de aprendizagem. Seria importante que a escola não fosse vista como um contexto de aprendizagem unidireccional, em que apenas os professores podem ensinar.
É fundamental que a escola seja percecionada como um espaço onde todas as aprendizagens possam ser partilhadas e integradas. Onde as crianças e jovens aprendam a pensar, a questionar e, dessa forma, aprendam a Ser.
O que adianta ser o melhor aluno na escola, se depois não consigo trabalhar em equipa, não me sinto seguro a dar a minha opinião em grupo, se não consigo respeitar a forma de pensar dos outros?
Um artigo escrito pela psicóloga clínica Andreia Nogueira.
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