A imagem tornou-se um clássico da Sétima Arte, a do balcão corrido, cadeiras de pé alto, pose displicente e o desabafo para o profissional que se encontra do lado oposto da fronteira que marca dois territórios diferentes dentro do bar, aquele onde se ingerem as bebidas e o outro, onde está quem as prepara. Esse outro lado, onde é senhor e senhora o/a confidente, é lugar de química e de harmonias, de muitas bebidas e também de muitas histórias.

É com Hugo Rodrigues, bartender no UpTown Bar, do Intercontinental Hotel, que encetamos duas horas de viagem frente ao balcão e também por algumas das histórias de quem muito escuta e vê noite após noite. Um fim de tarde com um profissional da arte de encontrar os equilíbrios de sabores dentro do Shaker e do Mixing, uma atividade que Hugo não encara como muito diferente daquela desempenhada pelo chefe de cozinha, “ambos procuramos a harmonia de sabores tendo por base diferentes ingredientes”.

Lisboa: Dois cocktails, duas horas de aula e uma quase sessão de ginásio
Hugo Rodrigues, bartender no UpTown Bar, em Lisboa.

Hugo é o dinamismo corporizado em pessoa. Explica, acompanhando cada palavra de gestos precisos. Mãos treinadas, de prática milimétrica, porque a atividade que exerce assim o exige. Dentro de poucos minutos iremos perceber isso mesmo. O bartender do bar localizado no InterContinental Lisbon, vai deixar-nos com os “meninos nas mãos”. O mesmo é dizer que nos vai convidar a preparar dois dos cocktais de assinatura da carta do UpTown Bar, um “Absolutly Touched” (docinho) e um “Mon Cherry” (para palatos trabalhados). “Depois disto estarão aptos a fazer um vistão em vossas casas”.

Suporte para o brilharete não nos falta. Temos connosco um bom professor. Hugo Rodrigues depois de ter passado por cozinhas, percebeu que a sua “onda” estava noutros mares. Mais concretamente atrás do balcão.  O nosso anfitrião exerce a profissão há três anos, “mas com uma boa escola, no The Gilbert Scott, em Londres, casa de ambiente imponente. Ai contei com um ótimo professor que me ensinou não apenas como harmonizar as bebidas, mas também como são produzidas, na origem. Ao conhecermos isto estamos aptos a criar um cocktail mais completo. Percebemos o espírito da bebida”.

Ao voltar a Portugal, Hugo foi trabalhar para o bar Cinco Lounge, em Lisboa. “Ajudei a compor a nova carta”.

Lisboa: Dois cocktails, duas horas de aula e uma quase sessão de ginásio
“À noite temos um ambiente muito intimista, um efeito criado pelas luzes. Procuramos, aqui, na capital portuguesa, recriar o ambiente de bares de Hong Kong e do Dubai", diz-nos Hugo. InterContinental Lisbon

Agora, junta-se à equipa de uma casa que Hugo define de forma sintética. “Não é um bar de hotel, é um bar que está situado num hotel”. Ao ouvido pode soar idêntico, mas encerra diferenças. Isto porque bar e hotel, embora partilhando a mesma morada, têm um casamento de “espírito aberto”. A entrada UpTown Bar faz-se de forma independente da do hotel de cinco estrelas, localizado bem próximo do Parque Eduardo Sétimo. “Há muita gente que aqui vem que nos chega de fora, não apenas hóspedes”. A decoração do bar também tem uma identidade bem marcada. “À noite temos um ambiente muito intimista, um efeito criado pelas luzes. Procuramos, aqui, na capital portuguesa, recriar o ambiente de bares de Hong Kong e do Dubai.

O facto de o bar trabalhar inspirado em cocktails de assinatura, não invalida que “preparemos clássicos, a pedido. Não é difícil produzir um bom cocktail em 30 segundos”, comenta Hugo confiante.

Na carta que varia de acordo com a estação do ano vamos encontrar dez cocktails de assinatura.  “Há nestas propostas muita inspiração pessoal da equipa e ponderamos também o ambiente do bar e os ingredientes da época”.

Uma linha criativa de cocktails que tem, ainda, como orientação a portugalidade. “Focados na gastronomia portuguesa, sem esquecer a componente internacional. Uma boa parte dos nossos clientes são estrangeiros e pessoas que percebem de cocktails, têm sentido crítico e experiências mundo fora neste âmbito”, aponta Hugo.

Uma carta que também não esquece a versatilidade. “Um cocktail às cinco da tarde não é igual a um servido noite dentro” e temáticas sazonais, “ao longo do ano propomos cocktails especiais para o Dia da Mulher, Dia dos Namorados, por exemplo”.

Mãos à obra com o primeiro cocktail o “Absolutly Touched”

Sobre o balcão está montado o cenário. Como material, o shaker de duas peças de encaixe, o coador, e o doseador. Há que haver ordem e arrumação porque produzir um cocktail tem regras, e muitas. Neste caso vamos, orientados por Hugo, lançar mãos ao cocktail “com mais saída” deste Up Town Bar, o “Absolutly Touched”. “Trata-se de um cocktail com clara de ovo. Escolhi-o para desmistificarmos a utilização deste ingrediente. Não é difícil, mas exige regras”, conta o bartender.

No que toca a ingredientes, tome nota: 30 ml de calda de açúcar, 20 ml de lima, 20 ml de limão, 5 ml de extrato de gengibre, 50 ml de calda de pera, 30 ml de clara de ovo pasteurizada e 60 ml de gin.

A ordem indicada para verter no shaker não é aleatória. “Normalmente entram, primeiro, os ingredientes mais baratos. Caso haja um engano, a meio da preparação o estrago é minorado”.

Não se assuste com ingredientes como calda de pera, pode usar um néctar à base desta fruta. Quanto ao extrato de gengibre, “rale-o e, depois, esprema o produto desta operação usando um pano de linho, por exemplo. O suco resultante será o utilizado”.

Lisboa: Dois cocktails, vinte minutos de aula e uma quase sessão de ginásio
“Absolutly Touched”. créditos: InterContinental Lisbon

Mãos à obra. No copo maior do shaker vertemos todos os bebíveis. Usamos o doseador. Neste momento estamos a fazer uma mistura a seco. Hugo explica, “não estamos a juntar gelo. Unimos firmemente os dois copos do shaker e, com uma mão em cada topo, agitamos à altura da cabeça, sobre o ombro. Um movimento semelhante ao de uma mola”.  Exige energia e resistência. Estamos a “cozer” o ovo e a formar espuma.

Posto isto, abrimos o shaker, juntamos uma dose generosa de pedras de gelo e, fechada a misturadora, agitamos. “Com esta segunda fase estamos a matar a espuma”. Uma vez mais há que ser energético por cerca de um minuto. Posto isto, abrimos o shaker e com o coador, tapando o copo maior do recipiente, separamos o líquido do gelo”.

Podíamos ficar por aqui, mas no caso vertente, não, como nos explica Hugo Rodrigues: “vamos agora provocar novamente a bebida, introduzindo-lhe espuma”. De shaker fechado de novo nas mãos, voltamos ao exercício. Agitamos agora linearmente, mas fazendo um movimento em forma de um oito imaginado. Custa ao principiante, que resiste, sabendo-se próximo da meta. Para finalizar, depois de aberto o utensílio misturador, há que verter a bebida na taça, procurando o Santo Graal, a espuma com perto de dois centímetros de espessura que cobre a bebida.

Lisboa: Dois cocktails, duas horas de aula e uma quase sessão de ginásio
créditos: InterContinental Lisbon

A fechar, uma rodela fina de pera, uma pitada de açúcar mascavado sobre esta. Ultima-se com o maçarico, caramelizando o açúcar. Finalmente, há todo um jogo de perícia, o de levar a “navegar” a rodela de pera sobre a espuma.

É chegada a hora do Mon Cherry

Para a segunda ronda de cocktails, Hugo sugere-nos uma das suas bebidas preferidas. “Um Old School com uma linhagem de mais de 200 anos. Juntava-se tudo no copo, eram dadas duas voltas e, pronto, era só servir”. Que se engane quem vê nesta explicação uma abertura para o facilitismo. Nesta arte de misturar a dose certa de componentes não há atalhos (e quando os há ficam por conta dos profissionais).

Neste caso vamos usar um mixing glass, um copo largo e alto. “Qualquer bebida que introduza um sumo já irá para o shaker. O mixing glass é só para álcool”, explica-nos Hugo.

Para preparar este “Mon Cherry” recorremos a 50 ml de rum Zacapa, 20 ml de ginjinha, 10 ml do licor Jagermeister e 4 gotas de bitter de lima (bebida com sabor herbal).

mon cherry

“Enchemos, agora, o mixer com gelo ´fresco´ - quem prepara um cocktail tem de ter noção da qualidade do gelo – vertemos as bebidas e mexemos com a colher misturadora”. Há, agora, que fazer uso de todo um jogo de paciência a girar. O equilíbrio que permite que a bebida fresca e intensa não se perca numa beberagem líquida fruto da diluição do gelo. Correndo bem, servimos este “Mon Cherry” numa taça com gelo e com uma espetadinha de frutos vermelhos cobertos de açúcar em pó. Finalizamos com raspinhas de casca de lima.

Está feito este duplo brinde. Um abrir de noite que pode, no UPTown Bar ser consubstanciado com a carta de comestíveis de bar, como as ostras, o tataki de atum, a tábua de queijos, sandes, mini hambúrgueres, croquetes, entre outros petiscos. Isto não desmerecendo numa carta de bar que inclui dezenas de referências nas bebidas brancas, espirituosas e vinhos.

UpTown Bar

Rua Castilho, 149, Lisboa

Horário:  20h00 – 01h00