Mariano Bueno, um dos maiores especialistas europeus da agricultura biológica, esteve em Portugal recentemente numa ação de divulgação do seu mais recente livro, “A Horta-Jardim Biológica” (ArtePlural edições). O espanhol, à beira de completar 60 anos, é um homem que inspira entusiasmo quando o tema é uma forma mais verde de olharmos para as nossas cidades e lares. Um reencontro do Homem com os ecossistemas, com a produção própria de alimentos e com isso, o restabelecer dos equilíbrios com a natureza e com os semelhantes. Mariano Bueno visitou no nosso país, a Escola Básica nº 1, em Lisboa. Durante duas horas entusiasmou perto de cem alunos com os seus conselhos e mensagem ecológica. Crianças também elas envolvidos num projeto de horta urbana em ambiente escolar. Mariano meteu literalmente as mãos na terra, recordou a sua infância numa família de agricultores e revelou às crianças como é fácil convertermos pequenos espaços domésticos em hortas rentáveis onde produzimos vegetais de folha, raízes e tubérculos. Uma mistura de iogurte e água torna-se num medicamente para os parasitas. Uma garrafa de plástico pode ser reciclada tornando-se numa horta rentável. Afinal de contas, uma planta só precisa de sol, água, terra, paciência e “muito carinho”.

Mariano, este seu livro “A Horta-Jardim Biológica” antes de ser um manual de horticultura é um apelo ao reencontro com a natureza. Será que a esquecemos?

Há décadas que nos vimos desligando progressivamente da natureza. Esquecemo-nos que dela fazemos parte integrante e dela dependemos por completo. Isto tem o seu preço e reflete-se na perda de saúde, desenraizamento das populações. Precisamos redescobrir esta relação com a natureza para recuperar o equilíbrio interior e fruirmos de uma melhor saúde física e mental.

Este afastamento à natureza está a desequilibrar-nos enquanto espécie?

Nas sociedades mais tecnológicas, avançadas e afastadas da natureza, observamos um crescimento contínuo das depressões, suicídios e, mais proximamente, a perda de interesse pelo sexo e uma maior dificuldade, no caso das mulheres, em engravidar e ter filhos. A espécie humana também está em risco de extinção se não revertermos o atual cenário.

A agricultura orgânica moderna poderia alimentar, com excedentes, toda a população do planeta

Diz com frequência que todo o esforço dedicado à terra tem a sua recompensa. O que lhe tem ela trazido?

O simples contacto de cinco minutos com o mundo vegetal, já melhora a tensão arterial e o estado anímico, afastando-nos de estados depressivos. O passeio por um bosque, o trabalho numa horta, reduz os sintomas de dor crónica e tem efeitos anti-inflamatórios. O consumo de hortícolas cultivados na nossa horta, para além de nos trazer nutrientes de grande qualidade e muito saudáveis, previne problemas alérgicos e asmáticos.

Este seu livro é para além de um manual de horticultura e jardinagem um desafio a repensarmos a forma como olhamos para o meio onde nos inserimos. Quer comentar?

Antes de mais, somos seres biológicos que evoluíram num meio ambiente rodeado de vegetação. Agora vivemos rodeados de asfalto, cimento e tecnologia. A cada dia afastamo-nos um pouco mais da natureza. Mas, face à necessidade vital de nos ligarmos ao meio natural, podemos reconverter muitos espaços públicos e privados. Muitas cidades europeias estão a transformar uma parte dos seus parques, dotando-os de hortas urbanas, para além dos espaços com árvores e flores. Para além de passear, as pessoas podem cultivar os seus alimentos e também cultivar boas relações sociais.

O cultivo biológico à escala global é possível? O que precisamos mudar à escala pessoal e social?

Nos países avançados, todos os anos milhares de hectares de terrenos são convertidos para agricultura biológica. O consumo de alimentos orgânicos está a crescer em Espanha e Portugal entre 25% a 30% ao ano. E, mais importante, há anos que a agricultura orgânica prova ser tão produtiva como a agricultura agroquímica convencional. Estudos comparativos atuais revelam que a agricultura orgânica moderna poderia alimentar, com excedentes, toda a população do planeta.

A agricultura orgânica moderna poderia alimentar, com excedentes, toda a população do planeta

Aquilo que nos deixa no seu livro “A Horta-Jardim Biológica” é também um convite a preservarmos no nosso espaço próximo a biodiversidade?

Nunca me canso de repetir que somos seres biológicos que dependem de ecossistemas naturais. Se destruirmos a natureza, destruímo-nos a nós próprios. Só agora começamos a perceber que quanto mais biodiversidade em torno, mais saúde e mais felicidade encontramos.

É comum ouvirmos falar das hortas urbanas. Mas, aqui, o que nos traz é uma visão também estética. Podemos falar de um jardim comestível?

A exploração com carácter intensivo das terras fez desaparecer tudo aquilo que não é rentável. A horta tem de ser também um jardim. Os vegetais alimentam o corpo, as flores alimentam o espírito.

O desafio no livro é também aproximarmos estes ambientes domésticos de verdadeiros ecossistemas naturais, certo?

Quanto mais variedade e diversidade encontrar num pomar ou jardim, menos problemas este terá e mais produtivo se tornará. Os ecossistemas naturais devem funcionar como as nossas referências. A natureza leva milhões de anos a encontrar as melhores soluções para cada problema. Temos de aprender com ela, ao invés de a destruirmos ou manipulá-la sem relógio, aprendendo antes a sua grande sabedoria e beleza.

Vamos imaginar que tenho um pequeno espaço, por exemplo uma varanda. Como posso geri-lo de forma a produzir alimentos?

As técnicas desenvolvidas para a agricultura biológica oferecem muitas opções para desenvolver plantas saudáveis e produtivas, mesmo em espaços muito pequenos. Há mesas de cultivo especial para varandas. Pode, mesmo, executar micro hortas em garrafas de água, adaptando-as e reciclando-as. Cultivar em casa plantas frescas, como alface, espinafre, cebola, rabanete, rúcula ou morangos é muito fácil e não requer nenhum conhecimento especial.

A agricultura orgânica moderna poderia alimentar, com excedentes, toda a população do planeta

Que conselho deixaria a alguém que quer começar o seu primeiro projeto doméstico?

Primeiro, que procure o máximo de informação e pergunte a outras pessoas que cultivam os seus alimentos. As experiencia positivas de outros animam-nos muito. Precisamos de muito pouco para cultivar com êxito hortícolas, plantas aromáticas e medicinais e flores: um espaço soalheiro, um bom substrato com fibra de coco e composto de qualidade; sementes e plantas para transplante, água, paciência e muito carinho. O amor pela natureza é o melhor ingrediente para obtermos colheitas abundantes e saudáveis.

Quais as espécies vegetais alimentares mais adequadas ao cultivo num apartamento?

Todos os vegetais de folhas: alface de muitas variedades, acelga, espinafre, rúcula, couves e também cenouras, rabanetes, beterraba-vermelha, nabo, alho, cebola, alho-porro. As plantas aromáticas usadas como tempero, como por exemplo o manjericão, tomilho ou orégão.

O que fazer quando surgem parasitas?

Quando cultivamos de forma ecológica, não surgem normalmente problemas de desenvolvimento parasitário. Mas, se surgirem, os remédios estão na cozinha. Isto porque não devemos dar às plantas nada daquilo que não incluiríamos na nossa salada. O mesmo é dizer que o tratamento é natural. Por exemplo, um iogurte líquido natural diluído num litro de água controla os parasitas das folhas [basta vaporizá-las]. Três dentes de alho e duas malaguetas trituradas e diluídas em um litro de água afastam os insetos.

Livro: Como sabe bem ter à mão um jardim comestível