Na serenidade do Alentejo, onde a paisagem se estende entre extensos campos de vinhas, pomares, olivais, floresta e montado, a Tapada de Coelheiros está a construir, desde 2015, uma sólida reputação como referência em agricultura regenerativa em Portugal. O ponto de viragem foi a aquisição da propriedade por Alberto Weisser, empresário de origem brasileira, que reconheceu o seu enorme potencial.

Afinal, falamos de uma área histórica com mais de 800 hectares, situada no concelho de Arraiolos, cuja origem remonta ao século XV. Esta é uma das propriedades agrícolas mais antigas e emblemáticas da região – e possivelmente do país.

Com um compromisso que vai além do cultivo de uvas, nozes ou azeitonas, a Tapada de Coelheiros dedica-se à regeneração do solo e à preservação dos ecossistemas locais. "É ao ritmo da Natureza que trabalhamos a terra, em consciência e com sustentabilidade", afirma o manifesto da propriedade. Este ritmo tem um objetivo claro: garantir que a terra não apenas sobreviva, mas floresça, mantendo-se produtiva para as próximas gerações.

A Tapada de Coelheiros e a revolução da agricultura regenerativa no Alentejo
A Tapada de Coelheiros e a revolução da agricultura regenerativa no Alentejo João Raposeira, Luís Patrão e Alberto Weisser créditos: Divulgação

A aposta na agricultura regenerativa e no modo de produção biológico não é apenas uma estratégia, mas uma filosofia profundamente enraizada no respeito pela terra. "Uma das principais coisas para nós é cuidar e regenerar o solo. Dentro da agricultura biológica há várias formas de trabalhar, e uma delas é a agricultura regenerativa, à qual estamos a dar muita importância", explica João Raposeira, responsável de viticultura e ecossistemas da Tapada de Coelheiros, numa visita pela propriedade. João tem uma vasta experiência na área, incluindo além-fronteiras, nomeadamente no Chile, onde trabalhou numa adega biodinâmica certificada. “A minha paixão sempre foi trabalhar em agricultura, mas biológica”, assume.

Solos vivos, biodiversidade rica

A agricultura regenerativa tem o propósito de restaurar os ecossistemas agrícolas, promovendo a saúde do solo e a biodiversidade. Em vez de desgastar a terra com técnicas intensivas e uso de químicos, este modo de produção aposta em práticas de baixo impacto. "Mobilizamos o solo para instalar culturas melhoradoras – leguminosas e gramíneas com diferentes raízes que fixam azoto e albergam microrganismos. É isso que queremos potenciar no solo", explica o responsável.

A Tapada de Coelheiros e a revolução da agricultura regenerativa no Alentejo
A Tapada de Coelheiros e a revolução da agricultura regenerativa no Alentejo créditos: Daniela Costa

Na Tapada, a gestão das vinhas, do pomar de nogueiras – um dos mais antigos da Península Ibérica, com mais de 30 anos – e do olival segue o ritmo natural da terra. Utilizam-se técnicas de antigamente - com ferramentas do século XXI -, como rotação de culturas, coberturas vegetais e pastoreio controlado com ovelhas da raça Merino. A propriedade possui também galinhas de raça Preta Lusitânica, “ótimas poedeiras”, constata João Raposeira.

“Vamos ao nosso montado colher uma parte de solo como manta orgânica com diferentes momentos de decomposição de matéria orgânica. Pegamos nisso e misturamos melaço de cana-de-açúcar, farelo de trigo, água… isto parece um bocadinho estranho, mas é literalmente isto. Fazemos uma fermentação de 30 dias e depois temos um inócuo que vamos utilizar para propagar no solo. Temos os nossos micro-organismos que vamos aplicar para regenerar seja na vinha, seja no pomar de nogueiras”, explica.

A Tapada de Coelheiros e a revolução da agricultura regenerativa no Alentejo
A Tapada de Coelheiros e a revolução da agricultura regenerativa no Alentejo créditos: Daniela Costa

O equilíbrio também é promovido na fauna local. A propriedade conta com uma rede de abrigos para morcegos e aves passeriformes, como o Chapim-azul, monitorizados por um biólogo, que “vem cá duas vezes por ano com uma câmara microscópica para percebermos se estão habitados”. Este trabalho é fundamental pois “estas espécies controlam as nossas pragas na vinha e no pomar e sabendo que isto é habitado, sabemos que nesta zona eles estão a atuar. Se noutras zonas de abrigos não estiverem, temos de perceber como podemos puxá-los para lá”, completa João Raposeira, que marca um ponto importante: “Não queremos massificar os ninhos, queremos que eles sejam bioindicadores dessas espécies porque elas são importantes para o equilíbrio”.

Este equilíbrio repercute na qualidade dos produtos bandeira: cortiça, nozes, borrego e azeite, num olival de sequeiro, tradicional, com dois hectares, de azeitonas galega e picoal.

O vinho como protagonista

O vinho, no entanto, é o produto que mais se destaca. Com 50 hectares de vinha, 60% são de sequeiro, desafiando a ideia de que a produção sem rega no Alentejo é impraticável.

“Pode ser um contrassenso no Alentejo, porque é uma zona seca e maioritariamente as vinha são regadas. E aqui está a prova que é possível”, assegura o responsável que apesar de as premissas da agricultura biológica permitirem o uso de até quatro quilos por ano de cobre, o fazem cada vez menos – “nos anos de mais chuva não chegamos a passar um quilo. Usamos outros produtos de base natural, que permitem criar resiliência à planta”.

A Tapada de Coelheiros e a revolução da agricultura regenerativa no Alentejo
A Tapada de Coelheiros e a revolução da agricultura regenerativa no Alentejo créditos: Daniela Costa

Nos restantes 40%, a rega é feita de forma controlada e deficitária. “Ajustamos a parte percentual da rega e estudamo-la semanalmente. Temos várias sondas que monitorizam a quantidade de água no solo, seja ela de precipitação ou de rega. E nós conseguimos perceber o que é que a raiz está a extrair. Temos outras ferramentas que quase que possibilitam fazer uma ecografia à planta e assim vamos percebendo se a planta precisa de mais água ou menos água”.

A aposta em castas autóctones como Arinto, Antão Vaz ou Alvarinho, nos brancos, e Touriga Nacional, Touriga Franca ou Aragonez, nos tintos, são algumas das eleitas.

“Temos aqui um exemplo do que se pode fazer para manter o património. Antigamente esta vinha era de Cabernet Sauvignon. Nós tínhamos duas opções: vamos arrancar a vinha ou vamos fazer outra coisa que é mais inovadora e permite perpetuar o património? Enxertamos um gomo vegetativo, colocamo-la na planta como se fosse uma incisão e num ano passamos a ter um braço novo. Deixámos de ter um Cabernet e passámos a ter uma Touriga Franca e mantivemos todo o sistema radicular. Já está adaptadíssimo e dá uma uva fantástica”.

A enologia é da responsabilidade de Luís Patrão, sendo a gama de entrada a Coelheiros (branco, tinto e rosé), com um PVP de 11€, mas também a gama Tapada de Coelheiros (branco e tinto), ou Vinha do Taco, Vinha da Sobreira ou Vinha do Alto, uma homenagem às vinhas que dão nome ao vinho.

A Tapada de Coelheiros e a revolução da agricultura regenerativa no Alentejo
A Tapada de Coelheiros e a revolução da agricultura regenerativa no Alentejo créditos: Daniela Costa

De relembrar que a Tapada de Coelheiros, juntamente com outros projetos de referência, marcou presença na primeira edição do Regenerative Wine Fest, um evento pioneiro realizado no passado dia 21 de setembro de 2024, na Herdade das Servas, em Estremoz. Este evento inédito, com um ambiente descontraído e familiar, reuniu produtores e entusiastas do vinho para discutir as práticas de agricultura regenerativa e seu impacto na viticultura.

Além da produção, o enoturismo assume um papel importante na divulgação do trabalho da Tapada de Coelheiros. “Ao ler a natureza assim, de uma forma integrativa e regenerativa, estamos a tirar partido de tudo e fechamos um ciclo. Às vezes são coisas tão simples que basta observar e poder conduzir”, conclui João Raposeira.