Há dias de primavera que passam a rasteira à estação e oferecem-nos um céu, mar e temperaturas que, não soubéssemos apontar a mês do calendário, no caso presente maio, diríamos viver um esplendoroso verão. Assim se pode definir o dia da nossa visita ao Peixoco. Setúbal apruma-se para nos oferecer o seu melhor: o Sado espreguiça-se em águas planas sob o céu imaculado de nuvens, corre a brisa com travo a oceano, escuta-se o grasnar omnipresente das gaivotas a balouçarem o voo à beira-mar. Atravessada a esplanada (com piscadela de olho à montra de peixe e marisco) abre-se a sala interior do restaurante – de amplas janelas para o exterior -, um convite a descontrairmos ao ritmo da playlist que Constance e André renovam de tempos a tempos. A toada é descontraída, estival, a combinar com o ambiente com apontamentos alusivos à pesca, madeiras claras, paredes rústicas e mobília a convidar a sentar.
Hoje, a viagem à ementa do Peixoco, faz-se com direito a orientadores de campo, ou melhor, de mar. Constance Bauer, francesa, 31 anos e André Lucas, português, 27 anos, não partilham apenas a vida familiar, mas também o negócio que nasceu de uma ideia a dois, o restaurante que inauguraram este 2022 na cidade sadina.
André dá-nos prova da química do casal. Algumas SMS trocadas entre ambos num passado recente, revela-nos o momento inspirado que serviu de apadrinhamento do restaurante. Qualquer coisa como isto: “Que tal chamarmos ao restaurante Peixe Louco?”. “Não me parece”. “Hum, temos peixe e choco, e se ficar Peixoco?”. Bingo, nasceu um novo habitante frente à doca dos pescadores setubalense. André e Constance foram, entretanto, pais. Um novo capítulo numa história que o casal começou a escrever em 2016, quando se conheceram. Constance, filha de portuguesa, chegou ao nosso país há sete anos para aprender português. Antes, Constance fez o curso de jornalismo e começou uma especialização em geopolítica, mas não estava feliz. Também trabalhou em restaurantes em Paris para encontrar uma paixão, a cozinha. André, economista de formação, é natural de Montemor-o-Velho, distrito de Coimbra e um apaixonado por vinhos. No Peixoco é ele que orienta as escolhas da garrafeira com uma seleção que não esquece as referência da Península de Setúbal, terra generosa no que respeita a bons néctares.
Voltemos quatro anos no tempo para nos situarmos em 2018, primeira etapa na concretização do sonho de Constance e André abrirem o seu próprio restaurante. Procuraram em Lisboa, mas os preços eram incomportáveis. Falaram-lhes de Setúbal e o namoro com a cidade rente à Serra da Arrábida começou. Um caminho que não foi só de rosas, também houve pedras. Uma, impôs-se nas nossas vidas nos últimos dois anos, a Pandemia. André e Constance aproveitaram esta suspensão dos seus quotidianos para aperfeiçoarem pratos, estudarem cozinha, trabalharem em restaurantes.
Aqui chegados, porta aberta a pouco mais de cem metros da lota de Setúbal - a par da de Sines e Sesimbra, servem como fornecedoras - eis que importa aportar na ementa. Façamos um voo de reconhecimento pelo cardápio com sabor a petisqueiro: Ostras do Sado, Croquetes de choco (recomenda-se), Tostas de carapau (nobre peixe tão esquecido), Gambas grelhadas, Mexilhões com manteiga de chouriço (o travo a cebolinho e chalota é refrescante), Berbigão à Bulhão Pato, Alface grelhada com ovos de truta (o carácter estaladiço do vegetal a contrastar com a maciez das ovas), Pica-pau da vazia, estão entre as sugestões para picar. No que toca aos pratos de resistência, o Arroz de choco com tinta (delicado e com sugestivo sabor a mar), o Arroz de peixe (o gostinho do pimento cai-lhe muito bem) e a Salsicha de peixe (há que inovar), o Choco frito à peixoco, o Bife da Vazia, sem que lhes falte uma lista de acompanhamentos, da Batata frita, à Batata na brasa e aos Legumes grelhados.
No que toca às sobremesas, não vai encontrar o Doce da Casa, mas não lhe sentirá falta. Prove o Pudim de pão da Nani ou o Iogurte, Laranja e Marshmallow.
Uma mesa que também pisca o olhos a dois protagonistas na restauração do presente, a sazonalidade e o reaproveitamento, este último, por exemplo, nos croquetes de choco que aproveitam as aparas do dito e a sua tinta), ou no investimento que André e Constance pensam fazer em breve com a aquisição de uma máquina para filtrar óleo. O óleo alimentar está com um preço incomportável, confessam-nos.
Sublinhe-se que este Peixoco não quer competir com a tradição setubalense de cuidar de peixe e marisco à mesa, antes servir-nos uma alternativa de sabor marítimo e, convenhamos, com algum do requinte que falta às cartas tradicionais.
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