«Brincar é o trabalho da criança», escreveu Maria Montessori, médica italiana do século XIX.
E, de facto, quantos mais estudos os investigadores produzem, mais convergem no facto de que brincar é tão importante para uma criança como respirar ou ser acarinhada.
A forma como brinca, o tempo livre que tem para o fazer, os brinquedos que possui e os estímulos dos que a rodeiam vão criar raízes profundas. Parta connosco à descoberta do mundo da brincadeira.
Brincar para crescer
É através das brincadeiras, principalmente entre o primeiro e o quinto ano de vida (antes de entrarem para a escola primária) que a criança se desenvolve, tanto física como intelectualmente. «As brincadeiras que envolvem movimentos como trepar, correr, saltar e empurrar exercitam os sistemas muscular e ótico-motor», afirma Raíssa Santos, psicóloga clínica e membro da Association for Play Therapy.
Por outro lado, acrescenta, «o brincar providencia novas fontes de informação e conhecimentos, promovendo a criatividade e a capacidade de distinguir a informação relevante da irrelevante.» Também a linguagem e o relacionamento com os outros são treinados através das brincadeiras.
No parque infantil
As crianças são uma fonte de energia praticamente inesgotável e os parques infantis, assim como os jardins ou outros espaços ao ar livre, são o cenário ideal para «queimar» essas energias. Ficar em casa durante longos períodos de tempo pode conduzir a momentos de mau humor e birras.
Como explica o pediatra Mário Cordeiro na obra «O Livro da Criança», «a brincadeira ao ar livre e com possibilidade de correr e saltar liberta endorfinas e contribui para o cansaço saudável que as crianças precisam para estarem prontas a dormir um sono de qualidade».
Por isso, sempre que lhe for possível, leve o seu filho para um espaço ao ar livre, pois isso «diminui as tensões e o stresse, e aumenta a boa disposição, já sem falar nas vantagens físicas relacionadas com a manutenção de um peso adequado», conclui o pediatra.
O despertar da imaginação
Já aconteceu a todos os pais comprar um brinquedo «espetacular» e muito caro para o filho e desiludirem-se mal lho dão para as mãos porque, «passado meia hora, já não lhe ligava nenhuma». A escolha dos brinquedos certos é importante (deve levar em conta a idade a que se destina, o material de que é feito, a segurança, entre outros aspetos) mas não convém esquecer que o que agrada a uma criança pode ser absolutamente desinteressante para outra da mesma idade.
Há, no entanto, uma coisa que quase todos adoram. As peças que reconhecem da rotina caseira. E a atividade favorita é dar-lhes uma função diferente: um comando da televisão passa a microfone, um telemóvel é a chave para uma nave espacial e por aí fora. Não se incomode, pois isso estimula-lhes a imaginação e a capacidade de abstração.
Tempo de qualidade
Em 2007, o Duracell Toy Survey, um estudo europeu que questiona as crianças sobre os seus brinquedos preferidos e hábitos diários de brincadeira, revelou que as crianças portuguesas são as que menos brincam diariamente com os pais. Apenas seis por cento afirmaram fazê-lo. «Não importa estar todo o fim de semana em casa se não estão de corpo e alma com os filhos», afirma Raíssa Santos.
«Se têm muito para fazer ou estão cansados, porque não passar parte do tempo com eles, dedicar-lhes alguma atenção e motivá-los para atividades que depois poderão realizar sozinhos, sempre com a imagem dos pais presente, ou sair com eles, levando-os a algum lado que lhes agrade, mas negociando que a seguir (ou antes) precisarão de trabalhar ou descansar?», questiona.
«A negociação é um processo que, na maioria das vezes, funciona», acrescenta a psicóloga clínica, segundo a qual «mais vale pouco tempo com qualidade do que muito sem ela», acrescenta ainda.
A brincar, a brincar...
Mas o reverso da medalha também existe. «A criança não gosta de ser importunada pelos adultos quando está a brincar. Quando precisar da sua atenção, ela própria se encarregará de os chamar e, nesse momento, as brincadeiras com os pais são de extrema importância», sublinha Raíssa Santos.
Até porque podem ser muito reveladoras, como explica Mário Cordeiro, no seu livro. «A teatralização das brincadeiras é uma forma de a criança poder sentir-se livre para expressar o que sente (...) e muitas também nem sabem como dizer, em palavras, o que lhe vai na alma». Assim, preste bem atenção às mensagens que o seu filho lhe transmite enquanto brincam juntos às casinhas ou às escolas.
A televisão baby-sitter
De acordo com os dados do Duracell Toy Survey, apesar de os brinquedos continuarem a ser a primeira escolha para as brincadeiras das crianças portuguesas, a televisão ainda é a atividade com que preferem ocupar os seus tempos livres. Isto torna-se um problema se pensarmos que, segundo estudos científicos como os desenvolvidos por Jerome Singer, da Universidade de Yale, a televisão não propicia o desenvolvimento de capacidades tão importantes como a imaginação.
Texto: Alexandra Pereira com Raíssa Santos (psicóloga clínica)
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