A quarentena ou isolamento prolongado pode ser uma experiência muito desafiante psicologicamente. A separação das pessoas significativas, a impossibilidade de andarmos livremente, a mudança dos nossos hábitos e rotinas, o impacto económico e o contacto com a doença ou perdas associadas à mesma, deixa-nos mais vulneráveis.

O isolamento pode gerar um sentimento de medo e de impotência. Estes sentimentos podem ser vividos com especial intensidade, evoluindo para estados de maior frustração, ansiedade ou depressão.

Pessoas com perturbações anteriores, podem estar a viver momentos ainda mais difíceis, contudo, quando estamos mais frustrados, ansiosos ou deprimidos, a família e os amigos, são, à partida, fatores de proteção. A distância física da nossa rede de apoio, naturalmente aumenta os sentimentos de saudade.

Neste sentido, para lidar com as saudades, é importante pensar nos rituais familiares como forma de aproximar as famílias nesta fase. Os rituais familiares são eventos especiais, como a Páscoa, o Natal, o almoço de domingo, com um significado partilhado pela família.

Os rituais são parte essencial da vida familiar, são momentos relativamente estruturados e mantidos no tempo, ou seja, repetidos, que podem fortalecer as ligações afetivas.

Apesar do ritual implicar a noção de espaço conjunto, em época de afastamento social, poderá ser o momento ideal para desafiarmos este conceito e convidarmos as famílias a manterem os seus rituais num novo formato (ou seja, a adaptarem) ou a criarem novos rituais familiares.

Adaptar os rituais familiares

Os rituais podem ser adaptados, sem que se perca o seu significado. Há famílias que, no período da Páscoa, almoçam com os padrinhos, vivem uma tarde de jogos tradicionais com os mesmos, fazem caça aos ovos e reúnem a família à volta da mesa, onde o bolo folar e a jeropiga são os anfitriões.

Estes momentos são muito importantes para manter a proximidade emocional, pelo que se torna importante a sua manutenção, ainda que a nossa sugestão vá no sentido de alterar o seu formato.

Nesse sentido, as famílias poderão manter essa tradição/ritual e convidar a família para estarem “juntos à mesma”, para se poderem ver, sentir e manter a identidade familiar, através dos telemóveis e/ou plataformas digitais, registar o momento com fotografias e/ou filmes e colocar na “história de vida” da família.

Para famílias religiosas, poderão assistir à mesma missa, à mesma hora através de várias aplicações.

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créditos: Unsplash

Criar novos rituais familiares

Os rituais não podem ser prescritos porque o seu significado depende muito da sua idiossincrasia, neste sentido, convidamos as famílias que não teriam nenhum ritual nesta época a pensarem em iniciar um ritual familiar, criando espaço para o restabelecimento dos laços interpessoais e para uma maior sensação de segurança no contexto familiar.

Advertimos, apenas, para a importância de garantir que todos possam participar e para a necessidade que estes não entrem em conflito com as exigências da quarentena ou do isolamento e partilhamos alguns exemplos.

Há famílias, que todos as sextas feiras, tiram um papel de um frasco onde está escrito o filme que vão ver e depois colam esse papel no “livro do fim de semana”.

Outras, todos os sábados, têm a equipa da cozinha, em que o ritual passa por organizarem um jantar surpresa para os restantes elementos, em que a surpresa não é só a refeição, mas todo o contexto, a mesa, a música ambiente, e até mensagens que escrevem para depois, lerem em família.

Tendo em conta que os rituais familiares têm sido apontados como extremamente importantes em alturas de transição e stress, na medida em que os pais e as crianças/adolescentes que atribuem mais significado aos rituais familiares tendem a reportar menos sintomatologia ansiosa e melhor qualidade de vida, acreditamos que esta fase não será uma exceção para as potencialidades dos rituais familiares.

Assim, acreditamos que a vivência dos rituais familiares nesta fase pode ajudar a manter um sentido de normalidade.

Autoras: Teresa Carvalho e Susana Santos - Psicólogas Clínicas do PIN