Porquê?

Ler em voz alta é mais um meio de expor as crianças a linguagem e potenciar o seu desenvolvimento. No útero, a partir das 21 semanas de gestação, o bebé começa a ser capaz de ouvir sons. Ainda que não consiga ouvir as palavras articuladas, vai-se familiarizando com o ritmo, o timbre e a entoação da voz dos pais.

O bebé nasce com a capacidade de adquirir qualquer língua a que for exposto, mas só com a relação que estabelece com pessoas significativas, linguisticamente mais competentes, em situações rotineiras e contextualizadas, é que a aquisição de linguagem acontece quase por ‘magia’.

Assim, mais do que ler para o seu filho, é preferível que leia com o seu filho. A leitura partilhada de histórias é uma atividade em que a criança e o adulto se envolvem ativamente na exploração de um livro. Ler com alguém significativo é uma experiência que transmite segurança, guiada pela curiosidade e que vai gerar memórias com conotação positiva essenciais para motivar a criança para a exploração de material escrito.

Mas não basta conversar com o meu filho?

É diferente! Na interação, seja verbal ou não verbal, os interlocutores dirigem-se um ao outro enquanto que ao ler um livro estão a partilhar a atenção que dirigem a um objeto. Este objeto será uma ‘janela’ para conversar sobre algo que é uma representação do real - por exemplo, um cão parecido com o meu - ou algo, que foi imaginado, mas ganha uma dimensão concreta - por exemplo, um dragão que deita fogo pela boca e que, embora não exista, está desenhado na página.

A linguagem usada nos livros infantis é muito mais complexa do que a que é usada quotidianamente. Assim, a criança contacta com vocabulário mais elaborado, com estruturas frásicas mais complexas e com um discurso mais organizado.

A narrativa de um livro, por mais simples que seja, apresenta uma ligação das ideias. A conversação é caracterizada por frequentes mudanças de assunto, por reformulações e recomeços. Se lermos um livro várias vezes com a criança, ela começa a memorizar partes da história e temos oportunidade para esperar que ela tome a sua vez de falar.

Ao ler, o adulto tem tendência a falar mais pausadamente e a enfatizar palavras importantes, o que facilita a compreensão e destaca os sons da fala. Ao enfatizar os sons estamos a aumentar a sensibilidade da criança para as características acústicas dos sons da língua.

E resulta?

As crianças que são envolvidas em atividades de leitura partilhada precocemente têm melhores resultados linguísticos com efeitos positivos duradouros. Em idade escolar, revelam maior capacidade de compreender e organizar narrativas, melhores competências de memória e de leitura.

Quando dirigimos a atenção de uma criança para o que está representado no livro, inicialmente imagens e mais tarde palavras, mostramos que o que dizemos pode ser representado de uma forma mais permanente. A criança acaba por perceber como segurar num livro, como manipulá-lo ou virar as páginas, e que a escrita tem uma direccionalidade.

O que é lido com a criança cria atividade cerebral semelhante à que é registada quando ela experiencia situações reais. Ou seja, as aventuras que a criança acompanha a cada página ajudam-na a refletir sobre as suas experiências e as experiências dos personagens, potenciando a capacidade de resolução de problemas e facilitando a tomada de perspetiva, por exemplo, como será que a capuchinho vermelho se sentiu e o que podia fazer para escapar ao lobo.

Como fazer?

Na leitura partilhada o essencial é que a criança e adulto se envolvam na atividade e se divirtam! Qualquer momento é adequado para partilhar um livro, mas usam-se estratégias diferentes dependendo do que se pretende com a atividade. Se a leitura na hora do deitar é tendencialmente mais calma, com histórias menos ativas e com recurso a uma voz mais suave, noutros momentos a leitura é uma brincadeira em que somos um leão a rugir na selva.

Pode-se começar a mostrar livros aos bebés desde que conseguem fixar o olhar e começar a seguir objetos com os olhos. Os livros podem estar disponíveis como qualquer outro brinquedo quando os bebés os começam a manipular, tornando-os um objeto familiar.

Há muitos tipos de livros pensados para bebés pequenos, mas todos apelam aos sentidos porque é assim que os bebés apreendem o mundo: os desenhos são grandes e coloridos; têm som, diferentes texturas ou cheiro… O adulto dirige a atenção do bebé para o livro e nomeia as imagens, imita os sons e faz comentários. É importante manter contacto face a face e ser expressivo. É essencial dar tempo ao bebé para reagir e seguir a iniciativa dele: mostramos uma página com um pato e imitamos o som, o bebé sorri e nós repetimos ou acrescentamos um pouco mais de informação.

Em crianças muito pequenas é importante que a história representada no livro permita uma ligação às suas experiências. Livros que descrevem rotinas diárias, uma ida às compras, ida ao médico, uma festa. Adicionar ‘efeitos especiais’ que tornem a experiência de leitura mais sensorial é uma estratégia que resulta muito bem. Por exemplo, a personagem entra num barco e o adulto balança a criança nas suas pernas, ou a história descreve um dia de vento e o adulto sopra na face ou braço da criança.

À medida que a criança se vai tornando mais autónoma pode-se ir explorando os seus interesses, usando livros sobre temas que gostam como os seus desenhos animados favoritos, dinossauros, princesas, … O tempo de atenção vai aumentando e a duração da história deve acompanhar. Se a criança não gosta do livro não tem que o terminar. Um livro preferido pode ser lido vezes sem conta, levando o adulto a parar e dar a vez para a criança dizer as frases que já memorizou.

O adulto pode fazer comentários ao que é lido, fazer perguntas, aplicar vocabulário novo em frases diferentes, e a história pode ser resumida no final. Pode-se parar numa parte importante do livro e levar a criança a pensar o que poderá acontecer a seguir ou podem inventar finais alternativos para a história. A pouco e pouco a criança começa a inventar as suas histórias a partir das imagens do livro e a solicitar novas temáticas.

Vale a pena procurar perto de si um dos vários projetos interessantes de leitura partilhada que já existem. Boas leituras partilhadas!

Ana Sofia Lopes, Terapeuta da Fala

PIN Porto