Um boa pergunta nesta altura do ano, volvido pouco mais de metade do calendário. Uma altura própria para fazer um balanço e ir carregar as baterias não fossemos estar em 2020, com tudo aquilo que é conhecido por nós.
E ainda no outro dia ouvia o desabafo de um amigo meu, “Não percebo o que querem dizer com essa coisa do regresso? É o regresso à normalidade, à nossa vida, ao que tínhamos, etc.! Sinceramente não percebo. A minha vida não deixou de continuar, sejam os deveres mas também os direitos, sejam as consequências mas também os dividendos.”.
E aquilo fez-me pensar, e principalmente nas pessoas autistas adultas. Sim, essas mesmo, porque também eles vão de férias.
Muitos adultos autistas estão verdadeiramente desgastados psicologicamente. O ano letivo foi muito intenso e exigente, quer para aqueles autistas adultos que estiveram a dar aulas, mas também para os pais com esta condição e que estiveram a dar assistência aos seus filhos, alguns deles também com Perturbação do Espectro do Autismo.
Mas também a necessidade de mudar bruscamente os nossos hábitos de vida a partir de meados de março, altura em que ficamos obrigado ao confinamento nas nossas casas, levou a um aumento da ansiedade já habitualmente sentida.
Tudo o que liamos e ouvimos, nos canais de comunicação e nas redes sociais, apontava para esta grande incerteza, mas que nos obrigava a mudanças grandes na nossa vida. E esta mudança precisamente causou uma maior dificuldade sentida nas pessoas autistas.
A necessidade de se adaptarem a novos hábitos e rituais. Passar a um regime de teletrabalho ou realizar as aulas em formato de videoconferência poderia ser pensado como algo benéfico para uma pessoa autista. Porque frequentemente há uma maior preferência por um determinado isolamento e ficar restringido a um lugar conhecido como a sua casa ou quarto.
No entanto, a própria plataforma de trabalho trouxe um conjunto de desafios, nomeadamente no processamento da informação e na alteração do contexto que trouxe uma maior disrupção, cansaço e frustração.
Muitas pessoas que beneficiavam de terapias ficou momentaneamente sem este tipo de apoios, e o mesmo aconteceu no Espectro do Autismo, seja nas crianças mas também nos adultos.
Os mais novos porque tinham maior constrangimento para poder usufruir desta modalidade de apoio à distância. E no caso dos adultos autistas porque sentiram que não se iriam sentir confortáveis. E ambas as situações trouxe um agravamento à situação vivida.
O facto de ao fim de alguns meses, se ter começado a falar do desconfinamento, e de mais alterações nas suas rotinas, voltou a agudizar uma situação que parecia estar a ficar mais calma. E ainda mais quando, ao fim de menos tempo ainda, se falou de poder voltar atrás no confinamento e não se saber muito bem como irá ser o inicio do próximo ano letivo.
E todas estas questões parecem levar a uma maior hipervigilância e necessidade não só de se continuar a proteger ao nível da sua saúde física. Mas não deixando de procurar o equilíbrio psicológico possível e recarregar ainda assim as baterias.
Mas afinal, férias para que te quero? Muitos dirão que é para descansar. Ainda que ao fim desse mesmo período as mesmas pessoas digam sentir-se ainda mais exaustas.
Tal como qualquer um de nós, muitos autistas adultos irão usar este período para gozar as suas férias. Procurando preferencialmente destinos já conhecidos que lhes proporcionem sensações agradáveis e previsíveis, seja para si ou para a sua família.
Ainda que possa ter como objectivo a necessidade de antever com maior antecipação a preparação do próximo ano lectivo, até porque estão a antever, como tantos outros, essa mesma necessidade.
No entanto, os autistas adultos, contrariamente a muitas pessoas não desejam o recomeço ou o voltar à realidade que se tinha. Até porque isso representa para muitos um não avanço numa área em que é preciso avançar muito mais.
Seja na importância de se poder olhar para o número grande de pessoas adultas que continuam a não conseguir ser diagnosticadas. Mas também a percentagem significativa de adultas autistas que veem em muito dificultado a sua entrada no mercado de trabalho e por conseguinte continua a ver sistematicamente adiado a sua autonomia e maior independência.
Texto: Pedro Rodrigues, Psicólogo Clínico
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