Os meus pais educaram-me para seguir a etiqueta que, dentro da sua cultura familiar e social, lhes parecia mais correta. “Não se pousam os cotovelos na mesa de refeições”. “Uma menina nunca se senta de pernas abertas”. “Uma mulher não fuma na rua”. “Quando se fala com alguém é sempre olhos nos olhos”. “Cumprimenta sempre com simpatia, mesmo que as pessoas não te agradem”. Estas e muitas outras regras que hoje me fazem sentido – umas mais do que outras – e que me ficaram profundamente incutidas.
Acontece que houve uma fase da minha vida em que as regras me pareceram feitas precisamente para desrespeitar. Ali no meio da adolescência, achei que descumprir tinha muito mais graça do que seguir as normas, e era ver-me a provocar literalmente os meus pais, assumindo o lado contestatário que, assumo, ainda hoje não perdi.
Nunca me hei-de esquecer do dia em que o meu pai me informou que teríamos de marcar presença em mais um dos milhentos compromissos sociais a que tantas vezes me obrigou a ir. Tratava-se de um evento do mercado em que o meu pai trabalhava e que exigia um código protocolar bastante apertado. “Levas o cabelo apanhado e o vestido que te deixei em cima da cama”. E eu, que estava numa fase em que os meus Dr Martens eram os meus melhores amigos, pensei que aquela seria a melhor altura para fazer vingar a minha posição de adolescente rebelde (e parva). Vesti-me a preceito, mas fiz-me acompanhar da mochila que levava para todo o lado e, à primeira oportunidade, fui até a casa de banho do luxuosíssimo palácio em que nos encontrávamos, para trocar a indumentária de princesa pelos meus jeans pretos rasgados e por uma t-shirt neo hippie que gritava “Peace and Love”. Só me recordo de ter desfilado até ao salão em que os meus pais se encontravam e de, no meio dos olhares chocados que os convivas me lançavam, ter sido arrastada pela minha mãe até ao carro, onde esperei paciente e orgulhosamente até que o evento terminasse.
(a posterior reação da minha mãe foi de tal ordem que nunca mais repeti a rebeldia.)
Tudo isto para dizer que há ali uma fase das nossas vidas em que o que temos, o que queremos ter, o que somos e o que queremos ser são verdadeiros monstros em severa batalha. Em que deixamos de ser aquelas pessoas alinhadas e simpáticas para nos transformarmos em seres que parecem saídos do mais extremista filme de Martin Scorsese. A este processo chama-se, pura e simplesmente, adolescência.
Tenho a enorme sorte de as minhas filhas, que já estão precisamente no arranque desta fase, até serem (ainda) adolescentes controladas. Há dias em que atrevem uma resposta mais torta, mas rapidamente se retraem mediante aquele “olhar de mãe” que (ainda) impõe os limites relacionais. Mas acredito que chegaremos à fase em que a sua rebeldia transbordará e em que eu, que (ainda!) sou vista como a melhor mãe do mundo, passe a ser o mais cruel e injusto monstro existente à fase da terra.
Neste momento, tenho duas grandes amigas a viver verdadeiros pesadelos com os seus filhos adolescentes. Respostas tortas, comportamentos desviantes e choques diários são a realidade destas duas mães que parecem não saber já como lidar com aqueles meninos que, até há tão pouco tempo, pareciam ser uns seres angelicais com uma aureola gigante e eterna.
É uma fase que, acredito, rapidamente passará para depois lhes devolver novamente aqueles filhos mais equilibrados e racionais. Para lhes oferecer, pelo menos, uma maior tranquilidade no seio emocional e familiar. Mas eu adivinho que, por mais consolo e apoio (até profissional) que se tenha, nada ajuda a que se consiga viver este período com a suposta tranquilidade do “amanhã isto passa”. Porque, pelo que tenho percebido, o hoje destas mães é demasiado violento para se levar com esperanças futuras.
Sinceramente, espero que nesta casa em que vivem quatro potenciais adolescentes, o Universo se recorde de me dar algum descanso. Porque a verdade é que só estou preparada para que eles me apareçam com os jeans rasgados no momento menos conveniente.
(mas, pelo sim, pelo não, talvez seja melhor abastecer a minha ‘farmácia’ com um potente tranquilizante…)
Alda Benamor
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