Em 1974 Mário e Manuel eram alunos do Liceu. Hoje são duas personagens incontornáveis do ensino em Portugal: Mário Nogueira é secretário-geral da maior federação de professores (Fenprof) e Manuel Pereira é presidente da Associação Nacional de Diretores Escolares (ANDE).
Mário Nogueira tem sido um dos responsáveis pela mobilização de milhares de professores na luta pelos seus direitos, como o protesto de 2008 que juntou 100 mil nas ruas de Lisboa. Manuel Pereira é uma das principais vozes na defesa dos alunos mais carenciados e alertas para as desigualdades sociais.
Foi há 46 anos, em 25 de abril de 1974, que Mário participou na sua primeira manifestação política, nas ruas de Tomar. “Saímos para a rua e gritámos uns “viva à liberdade””, recordou em declarações à Lusa.
Tinha 16 anos, frequentava o Liceu de Tomar e desde cedo se apercebeu que algo estava errado.
Mário tinha amigos com pais presos em Caxias “que não tinham roubado nada” e em casa também a mãe tinha, por vezes, ataques de choro com medo de que o pai fosse preso.
Desde pequeno, habituara-se a ver o pai sair de casa, à noite, para distribuir propaganda. Os panfletos iam escondidos assim como o pai, que pertencia ao Movimento Democrático Português/Comissão Democrática Eleitoral (MDP/CDE), uma organização política então muito ativa.
Mário também era alvo das preocupações da mãe. Em Tomar, o receio da guerra parecia ainda mais presente, já que ali estava uma das maiores unidades mobilizadoras de tropas.
Do Regimento de Infantaria 15, em Tomar, saíram milhares de jovens para a Guerra Colonial, que começara em 1961. A partida para o Ultramar era sempre aparatosa.
Havia uma marcha militar que atravessava a cidade e era “animado pela fanfarra que marcava o passo”. O desfile, entre o quartel e a estação de comboios, passava na rua de Mário Nogueira.
Quando os jovens regressavam da guerra voltavam a fazer o cortejo, mas com menos gente. E era fácil saber quantos tinham morrido.
Nesta nova parada militar, os lugares dos que tinham morriam na guerra não eram ocupados por ninguém, lembrou. “Havia pelotões que no regresso tinham mais de metade dos espaços vazios. A ideia do regime era fazer uma homenagem, mas ficava uma sensação estranha, porque sabíamos que os espaços vazios representavam pessoas que tinham morrido”, recordou.
Com a Revolução, Mário livrou-se da experiência da guerra colonial. Ao professor da primária também ficou a dever não ter engrossado as fileiras da Mocidade Portuguesa. Duas realidades a que quase nenhum jovem conseguia escapar.
“O professor chamou todos os pais e disse que a opção à Mocidade Portuguesa era inscreverem-se nos escuteiros, porque os horários das atividades eram coincidentes. O meu pai não era muito dado à Igreja, mas disse logo: “Antes da Igreja do que da Mocidade Portuguesa”, recordou.
Também no Liceu de Tomar teve a sorte de o reitor, “um homem da oposição”, permitir aos alunos fazerem feiras do livro, onde vendiam “livros que não eram neutros” e passavam músicas de Zeca Afonso ou Sérgio Godinho. O reitor impunha apenas uma condição: “Tínhamos de fechar as portas para que a música não se ouvisse na rua, senão, dizia ele: “Ainda vou eu preso”.
Mas, na maioria das escolas, o ambiente era bastante austero. Os diretores e reitores eram escolhidos pelo Governo, porque “este era um cargo político”, lembrou o professor universitário António Teodoro, especialista em educação do Estado Novo.
Manuel Pereira foi uma das testemunhas desse tempo. O atual representante dos diretores escolares recorda-se bem do ambiente “persecutório” das escolas, dos professores que trabalham com a ajuda da “régua e cana” e dos manuais “nada apetecíveis”.
Manuel frequentava o 5.º ano (atual 9.º ano) do Colégio de Lamego quando se deu a revolução. O professor que ainda deu aula no dia 25 de abril era "um padre que estava muito assustado", recordou.
Para Manuel Pereira, que sabia que à sua espera estava a Guerra Colonial, nada poderia ser pior: “Era tão seguro como a morte que dentro de três ou quatro anos estaria lá”. Por isso, foi também com entusiasmo que acompanhou as mudanças.
O ambiente austero da escola deu lugar a aulas entusiasmantes, como as do professor de Inglês que levava o gravador de cassetes com músicas de Bob Dylan: “Estudávamos a língua através das canções”, recordou.
Mesmo com muitas manifestações e poucas aulas, Manuel Pereira não tem dúvidas em considerar que “foram tempos de grande aprendizagem e de conhecimento do mundo”.
Até ali “só conhecíamos o mundo que nos deixavam conhecer”, disse, considerando que a Revolução do 25 de Abril “foi como sair de um quarto escuro para um jardim cheio de luz”.
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