O estabelecimento de contratos ou acordos comportamentais surge como uma das estratégias mais eficazes de regulação e modificação de comportamentos, no entanto, o seu uso tem-se banalizado no que podemos chamar de “falsos” acordos ou negociações que mais parecem aumentar o problema e ainda confirmar a tendência para pensar a criança como “incontrolável” e “ de pouca confiança”.
Para tentar compreender a eficácia e utilidade dos acordos com as crianças é preciso partir de uma premissa importantíssima - nem todas as regras são negociáveis. Certas necessidades não podem ser colocadas “à discussão”, pois existem ordens ou instruções que não correspondidas não só causam uma dor de cabeça interminável aos pais como podem colocar em risco a própria criança. Fará sentido chegar a um acordo para a não colocação do cinto de segurança? Poderá haver consertação na ideia de trocar todas as refeições por bolachas?
Não negociar estas situações não implica ignorar que é importante perceber porque será que elas acontecem, o porquê de reações tão adversas da criança a algumas situações. Isso leva-nos a outro princípio crucial do estabelecimento de acordos ou contratos de consequências - perceber as dificuldades e motivações que levam à não cooperação da criança e empatizar com as mesmas.
Enquanto pais, podemos considerar fundamental que a primeira tarefa da tarde seja fazer os trabalhos de casa, porém cada vez que isso é proposto o conflito atinge dimensões gigantescas. Será que antes de combinar mil e um contratos de consequências negativas e reforços já questionámos à criança o porquê de tamanha resistência? Será que os acordos que estão a ser propostos conseguem corresponder às necessidades dos intervenientes dos mesmos? Poderá a criança resistir pois tem fome e tudo correria melhor se antes fosse o lanche? Não sabemos, não sabemos se não procurarmos compreender as motivações e dificuldades em cumprir o que é pedido.
"Porque é que não queres fazer os trabalhos de casa?”, “O que é que esta tarefa tem de difícil para ti?”, “O que faria com que fazer os trabalhos de casa fosse para ti mais fácil?” - são algumas sugestões de como começar a recolher informação importante para um bom acordo.
Encontrada uma solução mutualmente satisfatória é preciso aplicá-la. A primeira dificuldade é dotar os pais da capacidade de manutenção das condições que foram acordadas - o que na azáfama diária das famílias não é fácil. Para isto as condições devem ser muito realistas e só estabelecidas se possíveis de cumprir - Porquê castigos de semanas se ao final de dois dias, os pais já esqueceram os mesmos?
Assim menos é mais, ou seja, acções mais circunscritas no tempo e mais direccionadas para o problema, geralmente correm melhor que consequências que nos parecem demasiado “duras” mas que só vão reforçar a incapacidade de nós, adultos, não as cumprirmos.
Depois é preciso tempo e reformulação. Tempo pois novos hábitos não se aprendem automaticamente e necessitam prática (e na prática os erros e falhas) e reformulação pois um acordo não é uma garantia de que foi encontrada a melhor solução, mas sim uma hipótese de resposta a um problema. Muitas vezes, é preciso voltar a sentar, conversar e redefinir condições.
Por fim, ninguém consegue fazer este processo se não existir um clima emocional propicio ao mesmo. Acordos feitos “em cima” de discussões intensas ou birras ferozes são esforços em vão. Dar uma resposta aos comportamentos no imediato e poder depois encontrar um tempo mais tranquilo para estabelecer uma solução conjunta funciona melhor e tem resultados mais eficientes.
A gestão do comportamento das crianças não é um processo fácil e simples, obriga a uma importante organização e criatividade na procura das melhores soluções…e paciência, muita.
Por Luís Fernandes - Educação Especial e Reabilitação
luis.fernandes@pin.com.pt
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