Desde a loucura do FarmVille, dos Angry Birds e do Candy Crush Saga que não se via tanta gente a vibrar com um jogo online. Disponível em Portugal desde meados do mês, o Pokémon Go gerou uma febre que se espalhou rapidamente, tal como já tinha sucedido nos EUA, na Austrália e na Nova Zelândia, onde foi lançado a 6 de julho de 2016. Em menos de nada, o jogo de caça de seres estranhos que combina realidade aumentada e geolocalização transformou-se no jogo mais rentável das lojas de aplicações da Google e da Apple.

E, à medida que as pessoas invadem as ruas em busca das coloridas figuras, as histórias, mais ou menos caricatas e até insólitas, sucedem-se. Há relatos de ladrões que usam o jogo para atrair potenciais vítimas e de pessoas distraídas com a caça que acabam por ser roubadas em locais mais isolados, o caso de uma rapariga de 19 anos que encontrou um cadáver a flutuar num rio, jogadores que invadiram velórios e funerais...

Um homem que assistia ao parto do filho também se envolveu numa caçada aos Pokémons. Scarstruck4, nome de um utilizador do Reddit, viu o chefe confiscar-lhe o telemóvel depois de passar horas a jogar na tentativa de capturar uma figura de nome Zubat. Não foi despedido por um triz. Tom Currie, em contrapartida, não esteve com meias medidas e despediu-se do emprego para passar dois meses a apanhar bonecos.

Durante esse período, viajou pela Nova Zelândia, na tentativa de conseguir capturar os 151 Pokémons do jogo. Ainda assim, apesar da loucura, não sofreu nenhum acidente, como sucedeu com uma adolescente de 15 anos da Pensilvânia e com dois homens que caíram por uma ravina na Califórnia, nos EUA, durante a caça às figuras. No Oregon, Michael Baker foi esfaqueado enquanto jogava, mas preferiu continuar a ir ao hospital.

Uma rapariga por cada meia dúzia de rapazes

Mas o que leva milhões de pessoas em todo o mundo a ter comportamentos surreais, irrefletidos e até perigosos por causa de um mero jogo? «É importante para mim. Tenho de os apanhar a todos», limitou-se a responder Michael Baker quando confrontado pelos jornalistas. «A partir do momento em que [o jogo] está instalado, é um vício», disse também o português Cláudio Serpa a uma reportagem da SIC.

«Eu não andava muito e, em poucos dias, devo ter andado 15 quilómetros ou mais», revela o jovem adulto, que já chegou a andar de madrugada, «da 1h30 da manhã até às 05h00», em Fernão Ferro. «E encontrei várias pessoas a fazer o mesmo», acrescenta, surpreendido. Isabel Godinho, uma professora de 46 anos, também já se deixou conquistar. «Ontem andámos à caça, à noite, pela fresca», assume.

«Veem-se muitos caçadores nas ruas da minha cidade, na sua maioria rapazes por volta dos 19, 20 anos. Raparigas são bem menos. Vê-se, em média, uma por cada seis rapazes. Eu era a única mãe de família. Hoje, vou tentar dizer tipo 10 vezes em cada frase, a ver se passo despercebida», graceja. Curiosa e fã de jogos, teve curiosidade em experimentar mais um. «Foi um miúdo de sete anos que me ajudou a apanhar o primeiro Pokémon», confidencia.

Desde o dia 6 de julho de 2016, nos EUA, a do jogo foi a app mais descarregada. «Pokémon Go é um sucesso graças à sua simplicidade e à ligação aos Pokémon», justifica Stéphane Intissar, diretor da empresa suíça Ozwe Games, especializada em jogos de vídeo imersivos. «É um fenómeno geracional», comenta também Michaël Stora, psicólogo e analista, presidente do OMNSH, sigla francesa do Observatório dos Mundos Digitais em Ciências Humanas.

Porque é que anda (quase) tudo doido com os Pokémon Go?

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O número médio de minutos que os jogadores jogam por dia

Desde que surgiu, o Pokémon Go transformou-se na aplicação móvel mais instalada e também na mais usada, à frente da aplicação de encontros Tinder. Nos EUA, já é usada, em média, 43 minutos por dia, contra os 25 do Instagram e os 22 do Snapchat. A loucura já levou entidades como a direção do National Cemetery e a do Museu do Holocausto em Washington a exigir alguma moderação nas caçadas no interior e no exterior destes espaços.

Na Bósnia e Herzegovina, as autoridades alertaram para o perigo de jogar em campos minados. O exército israelita também já veio a público proibir os soldados de apanharem Pokémons nas instalações militares. Num zoo de Ohio, duas pessoas foram presas por não respeitar a distância de segurança que as separava dos animais. E também há relatos de acidentes e de incidentes, como o tiroteio que atingiu dois adolescentes da Florida.

Estavam a jogar num carro quando um morador os tomou por assaltantes. Em Portugal, não é diferente. «Tenho um amigo que vive em Sintra que tem pessoas a escalar os muros da casa dele porque parece que há lá um Pokémon muito raro», revela Mafalda Alves, produtora de moda. «Eu estava a almoçar no [centro comercial] Alegro e aquilo estava cheio de caçadores. De repente, uma mulher ficou histérica porque a amiga tinha um Pokémon nas mamas», refere João Perdigão, jurista.

Atenta ao fenómeno, a Polícia de Segurança Pública (PSP) lançou um manual que ensina a caçar Pokémon em segurança. «Como consequência desta animada febre, já ocorreram alguns incidentes, lesões graves e até alguns crimes foram cometidos, onde os suspeitos engenhosamente simulavam falsos pokestops para se introduzirem em residências», disse à agência de notícias Lusa o intendente Hugo Palma, porta-voz da instituição.

A desculpa que os defensores do jogo mais usam 

Além dos dirigentes dos parques naturais, que viram o número de visitantes disparar nas últimas semanas, a febre do jogo tem feito muitas pessoas que não jogam felizes, como é o caso dos taxistas nacionais que já colocaram anúncios a oferecer os seus préstimos aos caçadores virtuais e dos treinadores pessoais que, nos EUA, por entre 20 a 25 dólares (17 a 20 euros) por hora, se oferecem para treinar Pokémons ou para os apanhar no horários em que as pessoas estão a trabalhar.

Um canil em Muncie, no Indiana, localizado numa zona onde existem Pokémons, desafiou os jogadores a passear os cães para poderem aceder ao local. Mais de 150 pessoas aceitaram de imediato o repto. Evan Scribner, norte-americano, não foi um deles. Mas ganhou protagonismo mediático depois da namorada descobrir que ele se encontrava com a antiga companheira devido a um localizador de GPS que mostra onde encontrar as originais criaturas.

Desenvolvido pela empresa californiana Niantic Labs para a Nintendo, o jogo é inspirado no Ingress, um jogo de 2012 que foi descarregado 12 milhões de vezes. Já quase igualou o Twitter no número de utilizadores. Marlynn Wei, psicóloga e terapeuta da Universidade de Harvard, nos EUA, num artigo que publicou no site Psychology Today, afirmou que o jogo é «divertido e funciona como uma terapia cognitiva-comportamental».

A justificação é simples. «Produz recompensas a nível cerebral que se associam a mudanças positivas no estado de ânimo, além de combater a depressão, ser um bom pretexto para socializar, reduzir os níveis de pressão social e obrigar as pessoas a sair de casa para andar na rua», assegura a especialista. Esse é, aliás, um dos argumentos mais utilizados pelos caçadores virtuais da era moderna.

Pokémon

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Os riscos de pedofilia que os especialistas apontam

Para a especialista Marlynn Wei, a junção de realidade e fantasia também pode contribuir para melhorar a capacidade de imaginação. Nem tudo são, contudo, vantagens e andar na rua a olhar para o ecrã do telemóvel, abstraindo-se do resto, é uma delas. Além disso, «este tipo de jogos potenciam a distração, fazem disparar os níveis de stresse e não favorecem o convívio social», critica.

A psicóloga italiana Simona Maurino também já veio a público alertar para os perigos que as crianças podem correr ao jogar este jogo, incluindo o de poderem ser vítimas de pedofilia. «Há vários riscos, entre eles o de assédio online, que também pode acontecer offline. Isso pode acontecer através da dinâmica deste jogo, atraindo menores a lugares mais isolados», adverte. «No Missouri, 11 adolescentes foram atraídos para um lugar isolado e foram roubados por quatro assaltantes», afirma ainda.

Em Portugal, a PSP recomenda prudência. «Esteja sempre atento ao que o rodeia», «observe o meio envolvente» e «não cace sozinho». Faça-o «em grupo ou aos pares, de forma a aumentar a segurança», aconselha. «Não utilizar a aplicação enquanto conduz», «não entrar em propriedade alheia ou áreas de acesso restrito» e ter «especial atenção a aplicações relacionadas com o jogo», que «podem conter malware e comprometer a segurança de dados pessoais», são outros conselhos.

Aos pais, as autoridades pedem que expliquem aos filhos que não devem interagir com estranhos, que estabeleçam limites até onde podem ir e que avisem as crianças sobre as apps que prometem melhorar a experiência do jogo e que exigem acesso aos dados pessoais. Em apenas quatro dias, as ações da Nintendo cresceram 59%. Desde o lançamento do jogo, a cotação da empresa em bolsa disparou 120%.

Texto: Luis Batista Gonçalves