Aos 16 anos, numa época em que viveu na China, Susana Novais Santos teve a oportunidade de aprender meditação, tai chi e chi kung com um mestre chinês. Susana, atualmente neurocientista, investigadora e ultramaratonista, aprofundou este seu caminho contemplativo, fez uma certificação em ensino de Mindfulness Meditation e descobriu que este se aplica a todos os momentos da nossa vida. A campeã de natação em águas abertas tem dedicado muitos anos ao estudo da neurociência contemplativa, debruçando-se sobre os efeitos neurofisiológicos da meditação. Como forma de levar a um público mais alargado o resultado do seu trabalho, a investigadora oferece aos escaparates nacionais o livro O Caminho Transformador da Meditação (edição Arena). Uma obra onde Susana Novais Santos se centra na neurociência, na saúde mental e nos efeitos neurológicos da meditação. A autora apresenta ainda um programa de oito semanas desenvolvido para a redução do stress. “A meditação não se explica. Sente-se. Meditar é como beber um copo de água – só bebendo a água podemos saber se ela está quente ou fria. E só bebendo a água podemos matar a sede”, escreve a autora no seu livro. Uma frase que nos abre a porta à conversa com Susana Novais Santos.
A Susana Santos abre o livro com a sua história. De certa forma, essa história explica o livro que agora publica. Quer, sucintamente, contar-nos essa sua narrativa pessoal?
Na adolescência, tive a fantástica oportunidade de ir viver para Macau com os meus pais. Extremamente curiosa, quis explorar e aprender tudo o que podia sobre a exótica e fascinante cultura chinesa. Aprendi meditação, tai chi e chi kung com um mestre chinês ancião, e yoga com um guru indiano. Estudei budismo, taoismo e confucionismo. Sempre que podia, ia aos templos budistas e aprendia os rituais com os monges. Vivi esta experiência de forma extremamente intensa, o que deixou uma marca muito profunda na minha maneira de ser e de estar na vida.
Mais tarde, quando fiz a certificação em ensino de Mindfulness Meditation, apercebi-me de que o mindfulness consiste exactamente na aplicação, em todos os momentos da nossa vida, dessa prática de budismo zen – o que eu já fazia desde a adolescência.
Como surgem na sua vida as ultramaratonas? Não se trata apenas de uma questão de superação física...
Não, não se trata apenas de uma questão de superação física. Eu sempre fiz imenso desporto e fazia ginástica e natação desde os três anos. Depois do doutoramento, regressada a Portugal, e com muitas saudades do mar, comecei a nadar no mar, quando ainda praticamente não se falava de natação em águas abertas.
Quando fiz a certificação em mindfulness, tive a ideia de aplicar esses conhecimentos à minha prática desportiva, pois sabia que a meditação promove a concentração, a resiliência, a capacidade de superação de obstáculos e a regulação de emoções. Desenvolvi então um plano de treino mental específico para desporto, baseado em mindfulness. Foi nessa altura que comecei a vencer as competições praticamente todas. Com mais resiliência, comecei também a dedicar-me às longas distâncias e a fazer maratonas e ultramaratonas.
A Susana intitula o seu livro O Caminho Transformador da Meditação e fá-lo com recurso às provas dadas pela neurociência. Gostaria que explicasse aos leitores quais são algumas dessas evidências?
Está provado cientificamente que a meditação desenvolve as áreas do cérebro que estão associadas à concentração, à memória, à regulação de emoções, à gestão do stress e também à consciência de nós próprios, dos outros e do mundo que nos rodeia. Além disso, a meditação melhora a qualidade do sono, a capacidade de superação de obstáculos, a produtividade, o desempenho físico e mental, a capacidade de nos relacionarmos com os outros e a capacidade de liderança e gestão de equipas, para mencionar apenas alguns benefícios. A meditação torna-nos mais gratos, mais bondosos e mais felizes.
Hoje escutamos com muita frequência o termo mindfulness. De tanto repetirmos conceitos e palavras, acabamos pode despojá-los de significado. Nas suas palavras, o que é o mindfulness e de que forma é uma ferramenta para a nossa vida?
O uso indiscriminado de algumas palavras, como mindfulness ou zen, por exemplo, por parte de pessoas que não sabem bem do que estão a falar, desvirtua estes conceitos, despojando-os do seu verdadeiro significado. Tal banalização é enganadora e mesmo perigosa, sobretudo quando estamos a lidar com coisas muito pessoais e neurologicamente profundas.
Jon Kabat-Zinn define mindfulness como “a consciência que emerge através da tomada de atenção de forma intencional, no momento presente, e sem julgamento, ao desenrolar da experiência momento a momento”. O mindfulness é viver aqui e agora, estar atento ao momento presente, sentir com todos os sentidos, saborear as pequenas coisas e viver a vida em toda a sua plenitude.
O que partilham a neurociência e o budismo?
A neurociência e o budismo têm em comum algo verdadeiramente essencial: o estudo da mente. Ao longo de mais de dois milénios, o budismo tem-se dedicado a investigar a mente de forma empírica, através de práticas contemplativas e de profunda introspecção, recorrendo sempre à lógica, ao raciocínio e ao debate. Recentemente, a neurociência também se tem debruçado sobre o funcionamento da mente, não só de forma sistemática e analítica, mas também de forma empírica, através de experimentação e observação, com recurso a métodos científicos rigorosos, ferramentas de análise avançadas e tecnologias de imagem inovadoras.
Que novos avanços sobre o conhecimento do cérebro humano mais a entusiasmaram e porquê?
O cérebro sempre me fascinou, desde pequenina. Cedo percebi que queria ser cientista e desvendar os mistérios do cérebro humano. Como aprendemos a ler? Como compreendemos línguas diferentes? Como sabemos que cores estamos a ver? Como conseguimos controlar voluntariamente os nossos movimentos? Eram questões como estas que me intrigavam ainda na infância.
Na minha opinião, o assunto mais fascinante do cérebro é a consciência. Como temos perceção de nós próprios – do nosso corpo, das nossas sensações, dos nossos pensamentos, das nossas emoções? E como nos apercebemos dos outros e das suas perceções? Como construímos a realidade no nosso cérebro e como a interpretamos? Conseguir responder a estas perguntas é verdadeiramente desafiante e entusiasmante.
A Susana Santos refere no seu livro a neurociência contemplativa. Quer explicar-nos do que se trata?
A neurociência contemplativa é uma área da neurociência que consiste no estudo dos efeitos neurofisiológicos de práticas contemplativas como a meditação, o tai chi, o chi kung e o yoga.
O que é a “mente de principiante”?
A “mente de principiante” é uma das oito atitudes essenciais para cultivar o mindfulness. É uma mente que está disposta a ver tudo como se fosse a primeira vez, com curiosidade e gratidão. Ter “mente de principiante” é olhar para as coisas com a inocência curiosa de uma criança. É explorar o mundo com aquela espontânea vontade de descobrir que nasce connosco, mas que vamos perdendo ao longo da vida. É não deixar nunca morrer a nossa criança interior.
Por que razão a meditação aumenta a resiliência?
A prática de meditação aumenta a resiliência porque se baseia na consciencialização e na aceitação de todos os nossos pensamentos, sensações e emoções, sejam eles quais forem. O facto de “estarmos com” tudo o que se passa – quer na nossa paisagem interior, quer na exterior – vai desenvolver a nossa capacidade de lidar com qualquer situação, por mais difícil que seja. É a repetição diária desta prática de atenção, consciencialização e aceitação que faz desenvolver as áreas do cérebro que estão associadas à resiliência e à superação de obstáculos.
Leva para o seu livro uma frase que nos faz pensar: “Não é o stress que nos mata, é a nossa reação ao stress”. Gostaria que a comentasse...
A palavra stress faz parte do vocabulário quotidiano de todos nós, mas tem geralmente uma conotação negativa. Quando falamos de stress, pensamos imediatamente num estado indesejável que traz sofrimento. No entanto, o que a maior parte das pessoas não sabe é que o stress é uma reacção normal de adaptação do cérebro e do corpo. O stress em si não é mau – aliás, é essencial para a sobrevivência. Sem stress, a nossa espécie já teria sido extinta há milénios. O problema do stress acontece quando não conseguimos regulá-lo e ele se torna crónico, surtindo efeitos nefastos para a nossa saúde física e mental. A meditação ajuda-nos a lidar com a stress e a ter uma relação saudável com os eventos stressantes do dia a dia.
Diz-nos que o seu curso de oito semanas é diferente do curso original de MBSR. Porquê?
O famoso programa de Redução de Stress Baseada em Mindfulness (Mindfulness-Based Stress Reduction, MBSR), desenvolvido por Jon Kabat-Zinn, tem a duração de oito semanas, com uma sessão semanal de duas horas e meia. Inclui também um retiro de silêncio de seis horas, entre a sexta e a sétima sessões.
Apesar de seguir uma estrutura semelhante, o meu curso é diferente do curso original de MBSR, sobretudo na componente científica. Como a minha principal área de investigação é a neurociência contemplativa, aproveito todas as oportunidades para falar do cérebro e dos efeitos neurobiológicos da meditação. Gosto de transmitir esses conhecimentos aos meus alunos, pois sei que é muito mais fácil assimilar e interiorizar algo quando se compreende como funciona.
Assim, como o meu curso tem uma forte componente neurocientífica, costumo designá-lo por NMBSR – Neuroscience andMindfulness-Based Stress Reduction, ou Redução de Stress Baseada em Neurociência e Mindfulness.
Ao longo destas oito semanas a que transformação assistimos no nosso comportamento/atitudes perante a vida?
Estas oito semanas são verdadeiramente transformadoras. A prática diária de meditação ajuda-nos a desenvolver a atenção e a concentração, a regular as emoções, a ter maior consciência de nós próprios, dos outros e do que nos rodeia, a melhorar as nossas relações interpessoais, a ter mais empatia e compaixão, a ter maior capacidade de enfrentar e superar obstáculos, a ser mais eficientes e produtivos no trabalho, a libertar-nos de maus hábitos, a ter um sono mais profundo e reparador e, entre outras coisas, a ser mais gratos, compassivos e felizes. A meditação torna-nos melhores seres humanos.
De todas as palavras que escutou sobre os resultados do seu curso quais foram as que mais a tocaram?
“Este curso mudou a minha vida. Sinto-me vivo outra vez!”
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