Perder uma oportunidade, uma experiência, ou o que está a acontecer nas redes sociais deixa-a ansiosa? Então deve sofrer de FOMO! Insegurança que leva à ansiedade são a causa e o efeito de uma perturbação do foro psicológico que está relacionada com as redes sociais.
A esta perturbação, que tem vindo a aumentar, foi dado o nome FOMO, acrónimo da expressão inglesa «Fear of Missing Out».
Eem português, essa expressão pode ser traduzida como «ter medo de ficar de fora» e, segundo um dos principais investigadores sobre o assunto, Andrew Przybylski, é uma forma de ansiedade social. Frequentemente confundida com introversão, a ansiedade social «é uma perturbação mental caracterizada pela existência de ansiedade ou medo intenso acerca de situações sociais, tais como falar em público, iniciar uma conversa ou demonstrar a própria opinião», explica a neuropsicóloga e psicóloga clínica Rita Mariño Lourenço. Não só pode provocar grande sofrimento, como dificultar o quotidiano dos indivíduos, as suas relações amorosas, interpessoais e laborais.
A angústia de ser excluído
«O medo de ficar de fora é ancestral na sociedade», confirma a socióloga Inês Pereira, o que muda é o contexto. Atualmente, a informação é acessível a um número crescente de pessoas e circula rapidamente, intensificando o medo de estarmos a perder uma oportunidade ou uma experiência única. Do mesmo modo, também a nossa perceção do tempo mudou com as inovações tecnológicas. Estas conseguem transportar-nos para outras realidades, distraindo-nos e permitindo-nos encontrar refúgio em mundos virtuais.
Captar e descrever o que se passa à nossa volta tornou-se quase uma dependência, em vez de desfrutarmos dos momentos. Contudo, diz Rita Mariño Lourenço, «se várias pessoas significativas para nós tiverem uma perceção negativa sobre o que estamos a fazer, isto terá, sem dúvida, impacto nas nossas escolhas». A imagem de uma pessoa é construída por uma série de fatores, entre os quais opiniões externas.
E esta perceção exterior também ajuda a definir o medo de ficar de fora, porque, de acordo com a psicóloga, o comportamento de quem sofre de FOMO é influenciado pelas interações que «as pessoas possam estar a ter sejam gratificantes, daí a vontade de permanecer continuamente conectado com aquilo que elas estão a fazer». Talvez o que nos assuste mais e nos cause mais desconforto não seja apenas a exclusão, mas o facto de esta ser conhecida por outros de forma imediata e visual.
Enquanto alguns clamam que as redes sociais são profundamente anti-sociais, na medida em que foram construídas para as pessoas exibirem os seus estilos de vida, mas de forma isolada, outros argumentam a favor da sua utilização. «Para aqueles que temem ficar de fora, a participação em redes sociais pode ser especialmente atraente», adianta a psicóloga, «porque são ferramentas tecnológicas que permitem a conexão social».
O bode expiatório
A tecnologia não só aumentou exponencialmente a abrangência e intensificou o tipo de interações sociais que encontramos nas aldeias, como alterou profundamente a forma como se socializa. Pelas suas múltiplas potencialidades, a tecnologia é frequentemente acusada de estar na origem de problemas sociais e de despertar adições nos indivíduos. E, de acordo com a socióloga Inês Pereira, «os estudos têm mostrado que a tecnologia digital não cria nada».
Mas hoje em dia quem não tem internet é considerado infoexcluído e quem não tem um smartphone está «out», expressão inglesa habitualmente usada para indicar que um indivíduo não se adaptou às últimas inovações. As ferramentas tecnológicas tornaram-se tão importantes como a roupa que vestimos. Se saímos de casa sem o telemóvel, instala-se uma ansiedade quase irracional. E, seja em reuniões profissionais, seja em situações de convívio com família e amigos, o telemóvel está sempre dentro do nosso campo de visão.
Só assim podemos saber o que os nossos amigos, familiares, vizinhos e pessoas que não vemos há anos, ou às vezes só há algumas horas, estão a fazer em tempo real. Mantemos os olhos colados ao ecrã do computador ou do smartphone, para estarmos informados sobre questões importantes como o que fulano e sicrano comeram ao pequeno-almoço, experiência que partilharam em várias redes sociais através de fotografias e comentários. E permanecemos conectados à realidade virtual até a realidade real produzir algo de interessante para sermos nós a publicar conteúdos, e passarmos, assim, a estar no centro das atenções.
Carências emocionais
«O feedback que temos quando colocamos imagens e frases nas nossas redes sociais pode ser realmente viciante», conforme explica a psicóloga Rita Mariño Lourenço. A especialista avança ainda que «estudos recentes mostram que temos uma injeção de dopamina quando alguém põe um like nos nossos posts». O cérebro liberta a mesma molécula responsável pela adição de substâncias como o tabaco, a cocaína e a heroína. Assim, se passa muitas horas nas redes sociais e isso lhe gera prazer, o centro de recompensa do cérebro regista essa informação do mesmo modo que faz com outras adições.
No fundo, por detrás desta necessidade de estar permanentemente conectado ao mundo virtual estão outros problemas. Andrew Przybylski, um investigador de psicologia na Universidade de Oxford, no Reino Unido, descobriu que as pessoas mais susceptíveis a sentirem «medo de ficar de fora» não têm algumas necessidades psicológicas satisfeitas, como ser amado e respeitado. Uma posição reiterada por Rita Mariño Lourenço, afirmando serem sobretudo jovens do sexo masculino com «níveis mais baixos de autonomia e de competência que tendem a apresentar níveis mais elevados de FOMO».
A socióloga Inês Pereira, especialista na análise de redes sociais e novas tecnologias de informação no ISCTE, deixa claro que «a utilização da tecnologia é fortemente dependente da questão geracional. Além de causar ansiedade, este medo de ficar de fora acarreta outras consequências psicológicas para os indivíduos, estando associado a emoções negativas, como a inveja.
«Quando não conseguem lidar com o síndrome de FOMO, as pessoas podem sentir dificuldade em comprometer-se porque haverá sempre outras possibilidades atraentes (tangíveis ou imaginárias)», explica a psicóloga. É por este motivo que se torna cada vez mais importante recuperarmos a capacidade de nos concentrarmos no presente.
Viver no momento
Popularizada pelo filme «O Clube dos Poetas Mortos» (1989), a ideia de «carpe diem», que significa aproveitar cada momento ao máximo, parece agora uma filosofia de vida tão distante e abstrata como o momento da história da humanidade em que surgiu, durante o século I antes da era cristã. Graças à sua qualidade sedutora e agitadora, a expressão latina criada pelo poeta Horácio continua a influenciar comportamentos, embora com contornos mais mundanos do que iluminadores, como era entendido por aquele filme protagonizado por Robin Williams.
Originalmente, carpe diem implicava que o indivíduo colocasse as suas capacidades ao serviço da sociedade, mas desde então o significado parece ter sido subvertido. Agora «somos constantemente bombardeados com o que está a acontecer em todo o lado, que nos cria a ilusão de poder viver de forma mais intensa», explica Rita Mariño Lourenço, psicóloga. Isto é, as pessoas consideram que partilhar a sua localização, o que estão a fazer em cada momento e publicar fotografias que ilustrem esses momentos únicos é sinónimo de «carpe diem».
Mas, apesar de uma grande fatia da sociedade ter aderido a esta versão de aproveitar tudo ao máximo, ainda há algumas pessoas que não têm interesse nem nas redes sociais nem nas novas tecnologias, e isso «não implica que se esteja de fora da sociedade contemporânea», alerta Rita Mariño Lourenço.
E também é pouco provável que estas pessoas venham a sentir medo de não estarem ao corrente do que se passa nas redes sociais, porque, como diz a socióloga Inês Pereira, «as redes sociais não vêm substituir outro tipo de relações sociais, apenas as complementam. Por isso, lute contra a compulsão de saber o que se está a passar em todo o lado, desligando o telemóvel sempre que estiver com a família e os amigos.
Estado de alerta familiar
O medo é um estado emocional que resulta da consciência de perigo e de ameaça reais ou de uma sensação hipotética ou imaginária. Conforme explica a psicóloga Rita Mariño Lourenço, «o medo em geral é adaptativo, permitindo-nos saber como nos proteger e como nos posicionar». Mas quando interfere nas nossas actividades diárias, torna-se desadaptativo e passa a ser classificado como uma perturbação.
Neste sentido, para Rita Mariño Lourenço, «a sociedade beneficiaria com o desaparecimento de todos os medos desadaptativos, porque isso significaria que as pessoas saberiam lidar com os seus medos o que iria permitir maiores níveis de bem-estar», sublinha a especialista.
Como tratar a FOMO
Segundo Rita Mariño Lourenço, neuropsicóloga e psicóloga clínica, o tratamento não passa por afastar as pessoas das tecnologias e das redes sociais, «mas sim por ensiná-las a usar de forma inteligente e saudável estes novos recursos da nossa era». Quando confrontada com alguém que procure ajuda para controlar a síndrome de FOMO, uma psicóloga clínica como Rita Mariño Lourenço tentará primeiro compreender o que é que terá levado a pessoa a sentir esse medo de ficar de fora com o objetivo de devolver o bem-estar à pessoa.
Nestes casos,a abordagem terapêutica mais eficaz tende a ser a mindfulness, em que «a pessoa consiga observar-se no aqui e no agora e, assim, ter mais consciência de si para poder substituir comportamentos desajustados por escolhas mais saudáveis», realça a especialista.
Texto: Filipa Basílio da Silva com Rita Mariño-Lourenço (neuropsicóloga e psicóloga clínica) e Inês Pereira (investigadora na área de sociologia no ISCTE)
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