Tanto crianças como os adultos gostam de se mascarar e divertem-se a assumir um papel de super-herói, de vilão ou de uma personagem satírica. As máscaras que usamos nos dias de Carnaval e que nos ajudam, nesses dias, a sermos o que quisermos, podem abrir portas para reflectirmos sobre as máscaras que usamos nos restantes dias.

As máscaras que vestimos no dia a dia são uma forma de nos apresentarmos aos outros. Através delas relacionamo-nos com o mundo e com quem está à nossa volta. Contudo, sermos capazes de nos adaptar a diferentes contextos e/ou aos diferentes papéis que desempenhamos no nosso quotidiano (pai/mãe, filho/a, marido/mulher, amigo/a, trabalhador), não significa sermos diferentes pessoas ou sermos quem não somos.

Mas, afinal, que máscaras usamos no nosso dia a dia? Será que tentamos mostrar algo que não somos? Será que escondemos partes de nós ou do que sentimos? Será que apenas mostramos o que outros esperam de nós? Temos de ser sempre fortes ou corajosos? Temos de nos sentir sempre alegres?

“Ter de ser” de determinada maneira é diferente de “querer ser”. “Ter de” relaciona-se com obrigação e, muitas vezes, com a obrigação de corresponder a algo que os outros esperam de nós. De uma forma um pouco mais aprofundada, relaciona-se com uma pressão que colocamos em nós próprios e que pode culminar em auto-crítica. Quanto mais tentamos ser o que temos de ser (ou o que os outros esperam que sejamos), mais nos afastamos de nós próprios.

Este processo auto-crítico é, muitas vezes, origem de ansiedade e pode ser trabalhado em terapia. É comum, em processo terapêutico, que as pessoas se apercebam que podiam estar a assumir uma “máscara” e que podiam estar, sem se aperceber, em esforço, a tentar ser o que/quem não são. Por exemplo, podemos pensar no caso de alguém que não se permita sentir e/ou expressar  zanga porque, ao longo do seu desenvolvimento, aprendeu e integrou na sua forma de funcionamento que “as pessoas boas não se zangam”. Como se não existissem momentos na nossa vida em que a zanga é a emoção mais adaptativa. É natural, por exemplo, que nos sintamos zangados e que expressemos essa zanga quando alguém não nos respeita ou quando ultrapassa um limite que colocámos.

Por sua vez, “querer ser” (e posteriormente, simplesmente, ser) relaciona-se com o nosso processo de desenvolvimento. Crescer e sentir que o espaço entre quem somos e quem queremos ser é terreno fértil para concretizar mudança. O espaço entre quem somos e quem queremos ser deve ser mais inspirador do que assustador ou culpabilizante.

Se as máscaras anularem a pessoa que somos, podendo mesmo fazer-nos esquecer dela, criam um progressivo sofrimento psicológico. Se as máscaras nos prendem e nos tornam pouco livres para sentir e assumir a nossa identidade, vulnerabilizam-nos mais do que nos protegem. A pessoa que somos e os papéis que assumimos devem ser aqueles que escolhermos, de forma a que todos os dias possamos ser livremente o que quisermos. Tão natural como escolher que personagem ser nos dias de Carnaval.

 Maria Inês Galvão - Psicóloga clínica