Depois de um ano caracterizado pelo medo, incerteza e necessidade de adaptação, preparamo-nos para celebrar uma quadra que, nem sempre pacífica emocionalmente para todos nós, traz desafios e balanços mais complexos no final de um ano como o que está a terminar.

É sabido que a vivência do Natal não é igual para cada um de nós. Enquanto que muitos sentem preferencialmente a magia e a proximidade interpessoal da época, muitos outros a vivem com a angústia que acompanha, muitas vezes, os momentos de balanço e de paragem. Apesar dessas diferenças, é certo que este ano teremos todos uma tarefa bem mais árdua para conseguir vivenciar a quadra com os preceitos (e a normalidade!) que lhe estão associados.

Tem sido um ano muito duro e exigente e parece que o Natal não vem acompanhado de tréguas: existem algumas tarefas psicológicas que teremos de realizar ao atravessar esta época de reunião e encontro.

Comecemos exatamente por aí: a vivência do encontro vai ser amplamente diferente da dos Natais passados – parece até bastante distante aquela época, em que nos reuníamos, em grupo descontraído e alargado, para alguma celebração. As restrições que enfrentaremos este ano, que podem ser condicionadas por regras externas ou internas, vão impor alguma distância e algumas ausências, pelo menos num número significativo de famílias. Aqui estarão incluídas aquelas que, por eventuais restrições externas, não poderão reunir-se e aquelas que, por opção dos seus elementos, prefiram alterar o ritual habitual, dividindo-se em grupos mais pequenos, num exercício de segurança e proteção dos seus elementos. Estas alterações podem ser vivenciadas de forma mais pesada ou ligeira, com impacto psicológico diferenciado, que deve ser tido em conta.

Outro dos desafios que se nos vai colocar será o de processar a ausência permanente de algum elemento da família que tenha falecido. Este foi um ano com uma mortalidade acima da média, o que nos faz pensar que muitas famílias estarão a passar por uma situação de luto, vivendo o primeiro Natal sem esse ente querido. Esta questão do luto será de muita importância porque, para além da ausência da pessoa que faleceu, as famílias enfrentam ainda as condicionantes que existiram, durante quase todo o ano, aos rituais associados à morte. Aqui é de referir a situação daquelas famílias que tiveram de lidar com o falecimento do seu familiar durante um internamento hospitalar – a impossibilidade de visitas nos hospitais fez com que, na impossibilidade de terem visto o seu ente querido e de se despedirem, as famílias possam ficar presas na culpa e na zanga. Refiro-me, não só, ao ato de verem o familiar em vida, mas também da possibilidade de enfrentarem a realidade do corpo sem vida, cuja possibilidade não existiu nos últimos meses.

Os funerais e ritos associados à morte foram vivenciados de forma muito diferente - limitação de pessoas em funerais, encurtamento do tempo até ao funeral com diminuição do tempo de velar o corpo ou a impossibilidade de visualização do corpo. Estas alterações potenciarão que, nas reuniões natalícias possíveis, exista um maior número de pessoas angustiadas com um luto que não se apaziguou com os rituais habituais e esperados.

Assim, será útil podermos refletir sobre alguns pontos que poderão ajudar a enfrentar estes desafios que nos esperam neste Natal:

  1. Encurte a distância de pessoas significativas que estão fisicamente distantes. Não se limite aos recursos óbvios (como o telefone e a videochamada), mas permita-se ser criativo: envie uma carta ou um e-mail. Combine a ementa da ceia de Natal, partilhe uma lista de músicas para ouvirem ou uma atividade para essa noite, ainda que em casas diferentes. Esta sintonia ajuda a que as pessoas se sintam próximas;
  2. Não deixe ninguém para trás. Cuide dos elementos da família que, por estarem mais isolados, poderão passar esta quadra numa solidão pouco recomendável;
  3. Aceite que possam surgir emoções mais desagradáveis. Serão legítimas e perfeitamente compreensíveis. Partilhá-las com quem está próximo pode ser um ato de ajuda mútua;
  4. Não se esforce demasiado para fazer este Natal parecido com o do passado. Este é um Natal diferente, que deverá ser vivido com abertura, mas será incontornavelmente diferente dos anteriores.
  5. A esperança consciente e realista é um alimento para a resiliência. Permita que este Natal possa ser um pequeno descanso. Renove a energia para os desafios dos próximos meses, numa proximidade psicológica com aqueles que mais lhe são queridos.

Se sempre celebrou o Natal, não deixe de o fazer e programe as alterações que vão ser necessárias. As celebrações podem ser feitas em condições muito diversas e com uma amplitude emocional muito variada. Feliz Natal.

Catarina Janeiro - Psicóloga Clínica