Vivemos tempos difíceis, cinzentos, com o medo sempre à espreita. Ao mesmo tempo somos permanentemente bombardeados com conselhos para “Pensar positivo”, “Não atrair más energias” e “Ver o lado bom do que de mal nos acontece”. Não é fácil, e muitas vezes não é sequer possível ou aconselhável. As situações difíceis obrigam a que nos adaptemos e o “pessimismo adaptativo” de que alguns psicólogos falam e que nos leva a imaginar os piores cenários, delinear planos B e C pode ser útil para acomodarmos as mudanças e perdas necessárias. Pode, também, fortalecer-nos porque já nos adiantámos às dificuldades da situação e já demos os passos necessários, as ações que dependem de nós para lidar com ela.
Especificamente em relação à pandemia, a mensagem que alguns life coaches ou gurus da autoajuda divulgam com o objetivo de ajudar pessoas em dificuldades é: “Ver esta situação como uma oportunidade”, ou até mesmo como uma “Mensagem do Universo para que alteremos os nossos comportamentos”. Esta mensagem por bem-intencionada que seja, é culpabilizadora, seja pela intenção do Universo ou pela invalidação da pessoa em sofrimento. A imposição do pensamento positivo muitas vezes chega ao ponto de coresponsabilizar a pessoa pela situação que está a viver porque ela “atraiu energia negativa” ou está “num pensamento de escassez em vez de abundância”. Nada nesta mensagem é empático ou apoiante porque começa por negar a perspetiva do outro e as emoções que ele está a sentir. Pelo contrário, culpabiliza e deixa a pessoa menos apta até a fazer mudanças que lhe permitiriam melhorar a sua realidade.
Sem dúvida que muitas pessoas estão a fazer ajustes decorrentes desta situação que vão no sentido de uma melhoria da sua qualidade de vida e de um melhor equilíbrio entre as várias áreas da sua vida e os seus vários papéis, mas quem estiver a viver estas situações como uma oportunidade não precisa de apoio ou nem estará em dificuldades. Por outro lado, quem está em sofrimento precisa de um apoio empático que começa por dar a devida dimensão aos medos, perdas e ameaças que a pessoa possa estar a viver. Perante ameaças reais, não precisamos só de pensamentos positivos, precisamos de uma visão global e realista da nossa realidade.
O medo, a raiva e a tristeza, emoções menos populares do que a alegria, também são adaptativas. O medo mobiliza-nos para a nossa proteção, a raiva dá-nos energia para enfrentar o desconhecido e esforçarmo-nos pelo que queremos e a tristeza ajuda-nos a aceitar o que não podemos mudar, reorganizando a nossa perspetiva sobre eventos de vida e permitindo deixar ir, avançar e voltar a estar no presente. Todos estes movimentos impulsionados por estas emoções, ainda que cruciais, desgastam-nos, consomem energia e por isso é preciso dar espaço a uma outra emoção que nos retempera, que nos energiza e que nos sabe bem, a alegria. E quanto mais difíceis são os desafios mais precisamos de nos apoiar e de nos compensar. Ou seja, em alturas de maior dureza, também os momentos de prazer e conforto precisam de aumentar. Por isso, em psicoterapia, insistimos em estimular estes momentos. E fazemos perguntas neste sentido, perguntas que sugiro que faça agora também a si próprio:
- O que é que o faz sentir-se alegre?
- Quando é que perde a noção do tempo?
- Quando é que está tão embrenhado ou divertido que se esquece temporariamente do que o preocupa?
- Quando é que se diverte?
- O que é que o faz rir?
Quase toda a gente consegue identificar momentos destes, que podem ser a fazer um desporto, jardinagem, ouvir um podcast, ler um livro, ver um programa de televisão que considere interessante ou jantar com amigos.
A seguir, perguntamos há quanto tempo não faz o que acabou de descrever. Muitas vezes, a pessoa já nem sabe se o programa ainda existe ou qual a última vez que tal aconteceu. E aqui é que nos podemos ajudar. Deixámos de poder fazer muitas coisas de que gostávamos. Mas não deixámos de poder fazer tudo e sobretudo não deixámos de poder procurar a alegria e o prazer em novas atividades. Todos sabemos que quando a realidade aperta, as prioridades vão para as obrigações, deixando a diversão de ter espaço na nossa rotina. Só que todos nós temos limites e uma reserva finita de força anímica.
Quanto mais se gasta, mais temos de repor. Por isso, é importante dar espaço à alegria na nossa vida, numa procura ativa para a encontrar. Não na ilusão de que uma vida boa se consegue negando e ignorando os desafios e dificuldades que se nos apresentam, mas mobilizando o nosso esforço também para o que nos nutre e para o que nos faz sentir bem.
Ana Moniz - Psicóloga clínica, Psicoterapeuta, Executive Coach e autora do livro“Este livro não é para fracos: Como agir com coragem está ao alcance de todos"
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