Após mais
de três décadas
de investigação,
George Vaillant,
psiquiatra,
não tem dúvidas.

Para este investigador, a felicidade está
longe de ser aquilo
que julgamos!

De um lado a razão, do outro a emoção
e ao centro, tentando decifrar as ligações
entre estes dois mundos, encontramos
George Vaillant, um reconhecido psiquiatra norte-americano que não segue apenas a sua visão
objectiva da ciência e procura outras respostas,
analisando as emoções que fazem
dos seres humanos... seres humanos!

Durante mais de
35 anos, dirigiu o Study of Adult Development,
um estudo realizado por investigadores
de Harvard e que, em sete décadas,
avaliou a saúde, bem-estar psicológico e as
experiências de 268 pessoas para identificar
os indicadores do envelhecimento saudável.
George Vaillant, professor de Psiquiatria na Harvard
Medical School e psicanalista, acredita no poder
das emoções positivas e, em conversa com
a saber viver, apontou as palavras indispensáveis
no léxico de todos aqueles que pretendem
viver mais e melhor.

Analisou, durante décadas, a vida de centenas
de pessoas. O que retirou desta experiência?

Concluí que o único factor realmente determinante
na saúde, ao longo da vida e no
sucesso do envelhecimento, são as relações
duradouras. Neste estudo, acompanhei
pessoas desde a adolescência até se tornarem
avós e fiquei impressionado ao perceber
o quão irrelevante é a classe social
dos pais, a religião e até mesmo a noção
convencional de quociente de inteligência
para o desenvolvimento humano. Em
contraste, as relações e as emoções parecem
ser críticas no processo de adaptação.

Recorda-se de algum episódio?

Lembro-me de uma situação, que se repetiu
vezes sem conta, quando entrevistei um
casal de 78 anos que me disse que os últimos
cinco anos tinham sido os mais felizes
das suas vidas. Estavam extremamente
satisfeitos com o seu casamento, viviam
numa comunidade à beira-mar onde partilhavam
a casa com os quatro filhos que
os visitavam regularmente. Transmitiam
um sentido de união e partilha.

Essa felicidade deve-se ao facto de já não sentirem
o stress do trabalho?

Não acho que o trabalho seja uma fonte de
stress, até é algo divertido. Penso que esta
satisfação se deve, sobretudo, à sensação de
liberdade que surge nesta fase da vida, à noção de liberdade na forma como passamos
o tempo, uma vez na reforma.

O que descobriu sobre as estratégias que as
pessoas encontram para superar as dificuldades
que surgem ao longo da vida?

Todos nós possuímos mecanismos que nos
ajudam a superar as adversidades. São respostas
involuntárias que podem ser positivas
ou negativas. As primeiras incluem
comportamentos que têm a outra pessoa
em consideração, como a compaixão,
empatia ou altruísmo que são essenciais
para a resiliência humana. Nas segundas
insere-se a projecção, ou seja, culpar os
outros pelos nossos próprios actos ou sentimentos,
um tipo de resposta que nos isola
e deixa mais infelizes.

É possível atingir a felicidade?

Antes de mais, é importante compreender
que a felicidade é algo cognitivo, está na
cabeça, enquanto a alegria está no coração.
O problema com a noção convencional
de felicidade é que está centrada na
própria pessoa.

Veja na página seguinte: Por que é importante pensar também nos outros

Não devemos, portanto, pensar em nós
próprios?

Um estudo longitudinal como este mostra
que a felicidade centrada apenas no
«eu» não funciona.

A felicidade autêntica,
a alegria que vem do coração, tem de
ser necessariamente relativa a outra pessoa.


É neste envolvimento com as pessoas (e
não apenas connosco próprios) que reside
a melhor fonte de emoções positivas.

Pode dar um exemplo?

Ao final do dia em vez de julgar que é feliz
porque comprou um vestido de marca a
preço de saldo, pense no que lhe aconteceu
hoje que lhe permitiu fazer algo positivo ou
pelo qual esteja grata. Estas emoções, compaixão,
alegria, confiança, amor, gratidão, são fundamentais e, embora nem todas
sejam associadas à felicidade, a verdade é
que as coisas que julgamos fazer-nos felizes
não nos conseguem levar a estas emoções.

Como podem as pessoas afastar-se da felicidade
material?

A fórmula mais simples é não pense
menos sobre si próprio, pense menos em si.
Ao estudar vidas ao longo do tempo percebemos
que o dinheiro, o aspecto material,
não tem ligação com a felicidade. Se
falar com pessoas reformadas perceberá que
aquelas que se sentem felizes são as que têm
relacionamentos duradouros, as que passam
menos tempo a coleccionar selos e mais a
ensinar os netos.

Quando é que as pessoas se apercebem disto?

Pessoas diferentes reagem a diferentes
mensagens. Se passar a vida a ler revistas
de moda e se ceder à influência do marketing
sentir-se-á infeliz, porque o principal
objectivo da publicidade é fazê-la feliz
apenas quando compra o que eles querem.
Quando aprender a ignorar as pessoas que
querem vender-lhe algo e prestar atenção
a quem dá valor ao que tem para partilhar
aí será realmente feliz.

Qual o papel das crianças na nossa felicidade?

As crianças são um bom exemplo. Representam
tanto trabalho e preocupações,
têm a capacidade de nos deixarem infelizes,
mas, ao mesmo tempo, se há algo
que pode fazer-nos tremendamente felizes
é uma criança. Por exemplo, quando as vê
a brigar ou a rastejar pelo chão o dia todo
só lhe apetece fugir para uma ilha tropical
mas, nessa mesma noite, quando elas
já estão deitadas, se pensar em três razões
porque está contente por ter ficado sentirá
essa gratidão.

Actualmente, os obstáculos à felicidade diferem
muito daqueles que as pessoas que estudou
tiveram de enfrentar?

Não. O egoísmo e isolamento social são
os mesmos de sempre. Outras situações
como viver sob o limiar da pobreza, doente
ou com fome também não mudaram ao
longo do tempo.

No livro «Spiritual Evolution» afirma que a espiritualidade
não está nos textos sagrados mas na
capacidade humana para as emoções positivas. Podemos ser felizes sem uma religião?

O seu coração não se importa se é católico,
judeu, muçulmano ou evangélico. A sua
cabeça preocupa-se com isso, mas aquilo
em que o seu coração acredita é que há
uma energia, um poder no universo superior
a si e ao qual está agradecido.

Veja na página seguinte: O papel da espiritualidade na felicidade

Qual é o papel da espiritualidade?

A fé como crença religiosa está na cabeça e
origina guerras. Por outro lado, a fé como
confiança espiritual leva-nos à reverência
e amor espirituais e está na base da felicidade. Em vez de pensar em crença utilize
as palavras compaixão, perdão, reverência,
amor, alegria, confiança e gratidão.

Se reparar, é disso que qualquer texto
religioso fala. Não se trata de acreditar
em Deus mas sim de prestar atenção
a essas emoções que o Corão, o Antigo
ou o Novo Testamento repetem vezes sem
conta. Emoções que a ciência moderna
nunca menciona.

Acredita que a ciência poderá vir a compreender
as emoções?

O que torna este século muito promissor,
a descoberta fantástica é que as emoções
positivas podem ser identificadas no cérebro
e que as técnicas de imagiologia experimental
podem provar aquilo que digo
sobre o coração e as emoções positivas.

Afirma que envelhecer não é tão assustador
como se julga. Porquê?

As pessoas têm medo da doença, da celulite,
das rugas, que os outros não as considerem
atraentes, de virem a sofrer de problemas
nas articulações. Têm sobretudo
medo de um dia virem a parecer que têm
75 anos, mas o que pensam não é verdade.
Ninguém aos 80 anos está preocupado
com a celulite ou com as rugas. Supera-se,
tal como as borbulhas na adolescência.

Mas a doença é um dos grandes receios associados
à idade

Quando pensamos em envelhecimento
não pensamos na nossa avó saudável, lembramo-nos apenas daquela pessoa que visitámos
numa clínica. Mas a doença é diferente
da velhice. Estar doente ou a morrer
é tão mau aos dez como aos 90 anos.
Se admitir que qualquer pessoa em qualquer
idade pode morrer, então ter 90 anos
e ser relativamente saudável é tão divertido
como ter 65 e uma saúde razoável.

O que mostrou a sua pesquisa?

Que o amor, perdão, alegria, confiança,
gratidão, reverência espiritual, compaixão
são as emoções que nos fazem realmente
felizes e que a evolução rumo à
espiritualidade tem lugar à medida que
amadurecemos. Estatisticamente os casamentos
melhoram a partir dos 70 anos e
muitos homens admitem que o período
entre os 75 e os 85 anos foi o mais feliz
das suas vidas.

Como definiria a felicidade?

Felicidade é amor, ponto final.

Texto: Manuela Vasconcelos