Uma perda no contexto atual pode ser vivida com intensa raiva e revolta, dada a situação de impotência, ausência de controlo e desamparo que a pessoa experiencia. Estas emoções negativas tendem a ser intensificadas pelo medo da contaminação, o terror de poder sofrer nova perda e do contacto constante com a morte (por exemplo, através das estatísticas providenciadas pelos meios digitais e de comunicação social).

Ao longo dos anos, tem vindo a ser estudado o impacto das circunstâncias da perda para o processo de luto. As evidências referem que, por um lado, quando uma pessoa é surpreendida por uma perda inesperada, para a qual se encontra totalmente sem recursos emocionais, é vivido um choque inicial que é substituído pela zanga, revolta e dor. Por outro, num luto antecipado, ou seja, aquele que ocorre antes da perda real de uma pessoa que se encontra em ameaça progressiva de morte, integra um sofrimento prolongado e uma ansiedade intensa que controlam o quotidiano da pessoa.

As circunstâncias pandémicas atuais propiciam que ambas as perdas possam ocorrer. Por conseguinte, é de considerar que o risco de um luto com complicações é acentuado. Como principais fatores de risco, destacamos:

  1. A ausência de rituais fúnebres. O funeral não serve apenas como um momento de homenagem à pessoa perdida, mas como um momento de confronto com a realidade e irreversibilidade da perda que facilita a sua aceitação. É também um momento de fragilidade emocional, mas que permite receber apoio, aconchego e carinho do outro. Este suporte não envolve apenas palavras e, frequentemente, um abraço pode ter mais impacto e significado. Porém, no momento atual, contacto físico é completamente desaconselhável, face às contingências e medidas de segurança. Ainda que os familiares diretos, segundo as normas publicadas, possam estar presentes no funeral, estão distantes. Apesar da distância física não impedir a proximidade emocional, o contacto físico é importante. Na maioria das vezes, quando a pessoa é impedida de estar presente potencia-se o desenvolvimento de sentimentos de culpa, dada a sensação de ter sido perdido um importante momento de despedida e homenagem. Para além disso, é importante ponderar se a cremação ou a ausência de celebração da missa, para pessoas crentes, pode dificultar o processo de luto, dada a ansiedade provocada por não terem sido cumpridos rituais considerados importantes pela pessoa e que transmitiriam serenidade à mesma.
  2. Incapacidade em atribuir um significado à perda, resultando em sentimentos de injustiça. Encontrar um significado tende a providenciar alívio e alguma tranquilidade, o qual é particularmente importante em perdas inesperadas, que violam o que o ser humano considera expectável ou justo.
  3. Presença de sentimentos de culpa, principalmente em situações de suspeita de contágio da pessoa perdida. Inclusivamente, os pensamentos de autorresponsabilização (como por exemplo: “fui um irresponsável, provoquei a morte dela”), podem surgir em situações que a pessoa desconhecia estar infetada pelo vírus.
  4. A existência de questões pendentes, particularmente em perdas inesperadas, em que para além da perda da pessoa, existem perdas ditas secundárias, como o luto das expectativas em relação ao futuro (por exemplo: “tudo o que tinha planeado viver com ele, foi destruído por um maldito vírus”).
  5. Um suporte social reduzido, associado a uma tendencial indisponibilidade da família, a qual se encontra confinada em casa, mas a gerir o seu próprio sofrimento.

O recurso a ajuda especializada no luto é particularmente importante, quando as saudades e a tristeza impedem o funcionamento diário, como cumprir com as tarefas domésticas ou concentrar numa determinada tarefa. Para além do risco de luto complicado, a vivência de uma perda traumática pode potenciar o desenvolvimento de sintomatologia depressiva ou stress pós-traumático.

Recorra a ajuda profissional, não está sozinho. Mesmo nesta fase, não tem que adiar a procura. São várias as entidades que disponibilizam consultas online.

As explicações são dos psicólogos Mauro Paulino e Sofia Gabriel, da MIND – Psicologia Clínica e Forense