A esclerose múltipla atinge 2,5 pessoas em todo o mundo, sobretudo mulheres, e a sua causa continua a ser uma incógnita. Vírus, químicos, stress e mutações genéticas são apenas algumas das possibilidades apontadas, mas as certezas ainda são poucas.
Trata-se de uma doença inflamatória crónica, desmielinizante e degenerativa do sistema nervoso central que interfere com a capacidade do mesmo em controlar funções como a visão, a locomoção, e o equilíbrio, entre outras. Forma-se um tecido semelhante a uma cicatriz que endurece, formando uma placa em algumas áreas do cérebro e da medula espinal.
Entre os seus sintomas encontram-se a visão dupla, falta de controlo dos movimentos finos das mãos, alterações na memória, fadiga, desequilíbrio,entorpecimento, fraqueza e rigidez dos membros e sensação de peso nos mesmos, perturbações da bexiga, espaticidade e ificuldade de locomoção.
Os diferentes tipos de esclerose múltipla
1. Esclerose múltipla recorrente remissiva
Os doentes sofrem «ataques» (surtos ou exacerbações) seguidos por períodos de remissão com recuperação completa ou quase completa.
2. Esclerose múltipla secundariamente progressiva
Resulta da evolução do tipo anterior, por isso se chama secundariamente progressiva e atinge cerca de 25 % dos doentes com esclerose múltipla.Os doentes continuam a ter surtos, mas a recuperação torna-se incompleta, originando uma deterioração progressiva da condição física ao longo do tempo.
3. Esclerose múltipa continuamente progressiva
Neste tipo a incapacidade agrava-se continuamente sem surtos nem remissão. É comum em doentes que sofreram os primeiros sintomas após os 40 anos (cerca de 15% do total). É a forma mais incapacitante da doença e mais problemática quanto ao tratamento.
Até agora, a solução para esta doença degenerativa passava apenas pelo uso de fármacos (relaxantes musculares para reduzir a tensão dos músculos e os imunomoduladores que modificam a alteração da doença), mas surge agora uma nova esperança. E fosse possível ajudar a tratar esta patologia reabrindo apenas uma veia? Esta é a hipótese apresentada por um cirurgião vascular italiano e está a ser experimentada nos Estados Unidos, Canadá e Itália.
Tudo começou em 2003 quando Paolo Zamboni, cirurgião vascular e director do Centro de Doenças Vasculares da Universidade de Ferrara, partindo do estudo do caso da própria mulher, descobriu que os doentes que padecem de esclerose múltipla têm as veias que drenam o sangue para o cérebro (ázigos e jugulares) obstruídas.E que, por este motivo, têm uma acumulação de ferro em volta dos vasos que pode estar na base da reacção auto-imune característica desta doença.
Esta anomalia designa-se de Insuficiência Venosa Cerebroespinal Crónica (CCSVI em inglês) e caracteriza-se pela restrição do fluxo sanguíneo, a tal ponto que faz com que haja uma acumulação de toxinas no cérebro, o que piora a gravidade dos sintomas da esclerose múltipla.
Desobstrução das veias
Até ao momento, Zamboni e a sua equipa, da qual faz parte também o neurologista Fabrizio Salvi, encontraram uma correspondência praticamente total entre os dois quadros, enquanto estudos feitos por outros grupos nos Estados Unidos e na Europa confirmam uma associação de quase 90 por cento.«Um dado muito forte e significativo», de acordo com um comunicado de imprensa da Fondazione Hilascere, uma das instituições que apoia a pesquisa.
Segundo Zamboni, a solução para este problema passa pela angioplastia, já usada, por exemplo, para desobstruir as veias das placas de aterosclerose típicas dos doentes cardiovasculares.
O procedimento cirúrgico, feito com anestesia local, consiste em reabrir a veia que está bloqueada para que drenagem do sangue seja reposta. Isso é feito com a introdução intravenosa de um cateter que navega até à veia bloqueada e enche um balão que dilata a veia entupida.
Ecodoppler específico
O diagnóstico da insuficiência venosa cerebroespinal crónica é feito, de acordo com Nicola Fini, porta-voz da Fondazione Hilarescere, «através de um exame não invasivo denominado ecodoppler e que se diferencia dos que são feitos normalmente por ter de ser executado sentado numa cadeira móvel e com sondas e um software próprio».
Até agora foram tratadas cerca de uma centena de pessoas com sucesso e, segundo Nicola Fini, os dados já obtidos mostram que «a melhoria da circulação venosa cerebral reduz o número de recaídas e de lesões activas e melhora a qualidade de vida dos doentes com esclerose múltipla por surtos e remissões, enquanto no caso dos doentes com esclerose múltipla progressiva diminui a evolução».
À espera da aprovação
Actualmente, está a ser desenvolvido um estudo epidemiológico, organizado pela Associação Italiana de Esclerose Múltipla, que abrange 1500 pacientes que serão submetidos ao exame.
Num outro estudo transalpino, 250 doentes serão operados pela equipa de Zamboni. Os resultados de ambos serão divulgados daqui a um ano e será nessa altura que se decidirá se o tratamento passa a integrar as terapias contra a esclerose a nível internacional.
No entanto, para os doentes italianos, os resultados obtidos até agora são já uma grande esperança, tal como se pode constatar na página do Facebook, que conta com 30 mil fãs e funciona como uma espécie de grupo de pressão para o reconhecimento da angioplastia como um tratamento instituído.
Uma dessas pessoas é Nicolleta Montovani, viúva de Luciano Pavarotti, que também está à espera da intervenção. Ela dá o exemplo de uma amiga que já foi submetida à angioplastia e conseguiu trocar a cadeira de rodas por uma bengala.
Este é apenas um dos testemunhos que relatam o sucesso da técnica de Zamboni, que tem já seguidores nos Estados Unidos e Canadá, mas não convenceu ainda os neurologistas, os mais cépticos em relação a este tratamento.
Texto: Rita Caetano com Paolo Zamboni (cirurgião vascular e director do Centro de Doenças Vasculares da Universidade de Ferrara)
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