Os dados foram revelados recentemente e resultam de um estudo desenvolvido pelo Grupo de Estudos da Tiróide da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM).

Durante quatro anos, foi avaliada uma população de 3 679 crianças, de 78 escolas do Continente (norte, centro e sul, zonas costeiras e interiores) e 311 crianças de 40 escolas da Madeira.

Um total de 3 990 crianças (entre os 6 e os 12 anos de idade e de ambos os sexos) foi estudado e os resultados vieram revelar que o aporte de iodo é ligeiramente insuficiente em praticamente todas as regiões.

O que é que isso significa?

«Mesmo a carência moderada de iodo, como a detectada em Portugal, pode resultar em problemas cognitivos nas crianças, dificultando a aprendizagem escolar, o que é extremamente preocupante», diz-nos Edward Limbert, coordenador do estudo. O iodo tem um papel fundamental na hormona tiroideia que assegura que o organismo funcione adequadamente.

Onde está o iodo?

As algas marinhas contêm iodo mas são varridas constantemente para o mar. O peixe também é muito rico em iodo, o que preocupa os especialistas envolvidos no estudo pelo fraco consumo de peixe vindo directamente do mar, em Portugal. Esta carência de iodo é denotada em vários países da Europa. No entanto, em Espanha, como refere Edward Limbert, «associa-se o iodo aos suplementos de ácido fólico prescritos às mulheres grávidas num só comprimido, o que é claramente benéfico».

Existe a necessidade de corrigir a carência na gravidez com suplementos iodados e «aprofundar se vale a pena fazer a profilaxia em toda a  população através da iodização do sal conforme foi decretado há pouco tempo em Itália e na Dinamarca com enorme sucesso», diz-nos o endocrinologista. Após várias reuniões com a Direcção Geral da Saúde (DGS), é possível que os médicos obstetras portugueses possam, de futuro, fazer esta prescrição. «A DGS já se  comprometeu a  emitir uma norma nesse sentido», explica Edward Limbert.

Quando reforçar o iodo?

De acordo com a SPEDM, o défice de iodo é um dos principais factores de risco para o aparecimento
de alterações na função da tiróide.

«Está provado cientificamente que
mesmo carências consideradas moderadas têm relação directa com
coeficientes de inteligência mais fracos», garante o coordenador do
estudo. Défices baixos e moderados de hormonas tirodeias podem afectar
gravemente o coeficiente de inteligência e o crescimento do feto.

Assim,
é recomendado que todas as mulheres grávidas ou a amamentar tomem suplementos nutricionais diários que contenham iodo. As
necessidades de iodo aumentam desde o nascimento até à adolescência, 
mantendo-se depois constantes nos adultos, excepto na gravidez e na
amamentação em que a necessidade ainda é maior. Nas primeiras 10-12
semanas de gestação, o bebé está completamente dependente da mãe para
assegurar os níveis de iodo que, por sua vez, regulam a produção da
hormona tiroideia, indispensável para que o organismo funcione
adequadamente.

Como prevenir o défice de iodo?

Em
32 das 78 escolas estudadas, os valores de iodo estão abaixo do valor
preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como normal (100
microgramas por litro de urina). A OMS considera que a carência de iodo é
a «causa evitável mais frequente de doenças mentais e do
desenvolvimento, e estima que cerca de 13% da população mundial esteja
afectada por doenças causadas pela falta de iodo», estando outros 30% em risco.

De
acordo com Edward Limbert, «a profilaxia global, recentemente decretada
noutros países europeus permitiria que as mulheres tivessem reservas de
iodo suficientes para iniciarem a gravidez em condições que garantissem
uma função tiroideia normal e beneficiaria o desenvolvimento das
crianças com aporte de iodo inadequado».
Neste estudo, foi ainda analisada a percentagem de crianças que ingerem leite nas escolas.
Apesar de ser necessária uma análise mais detalhada, à primeira vista,
parece existir uma relação entre a ingestão de leite e os níveis de
iodo, uma vez que as escolas onde existe suplementação deste alimento
apresentam valores mais adequados.

Quem tem falta de iodo?

53,1% do total das crianças estudadas apresentam níveis de iodo adequados e 46,9%
possuem níveis de iodo abaixo do recomendado. Entre as crianças com níveis abaixo do recomendado, 35,1% apresentam uma carência ligeira, 11,8% uma carência moderada e 2,2% uma carência grave. Da
percentagem de escolas estudadas por cada zona do  País, as de Aveiro e
Coimbra foram as que apresentaram os valores mais baixos de ingestão de
iodo. 75% das escolas analisadas nestas duas zonas registaram os valores médios abaixo do desejado, traduzindo um aporte insuficiente de iodo. Na
Madeira, 68% das crianças apresentaram níveis de iodo baixos, sendo que
só 32% revelaram valores adequados. 48,6% registaram uma carência
ligeira, 20% moderada e 4% grave.

4 factos a saber

1. O iodo está presente no peixe, no marisco, no pão, no queijo, no leite de vaca, nos ovos, nos iogurtes e nas algas. Também pode ser ingerido através de suplementos nutricionais.

2.
A deficiente ingestão de iodo pode levar à diminuição da produção das
hormonas tiroideias (hipotiroidismo) e a um aumento da TSH (hormona
hipofisária que estimula a tiróide) na tentativa de compensar essa diminuição. Estas alterações podem levar ao aumento do tamanho da tiróide (bócio).

3.
Em Portugal, graças à profilaxia iodada, levada a cabo no distrito de
Castelo Branco, nos anos 60 e 70, e à melhoria das redes de distribuição
de alimentos, o bócio endémico foi praticamente erradicado. No entanto,
o aporte iodado ainda está longe de ser suficiente.

4. Se o
hipotiroidismo ocorrer durante o desenvolvimento pré-natal ou na
infância pode levar a atrasos mentais e de crescimento nas crianças.

Texto: Cláudia Pinto com Edward Limbert (endocrinologista e coordenador do «Estudo do Aporte do Iodo em Portugal»)