Temos encontro marcado com Inês Simas no restaurante que gere, a Carpacceria, no Mercado de Campo de Ourique, em Lisboa. À porta deixamos a conversa sobre cozinha de forno ou de tacho. Com Inês a conversa é outra. Falamos de alimentos a cru, mas não de crudivorismo. A diferença? A autora do livro “Cru” não enjeita nas suas receitas alimentos cozinhados. Usa-os, isso sim, com conta peso e medida e sempre como complemento dos seus carpaccios, ceviches e tártaros. Uma entrevista que também é uma fonte de inspiração para quem pretende novo rumo na sua dieta alimentar. Inês encontrou esse outro caminho, ajudou-se a si mesma e quer ajudar o próximo.

Esta vai ser uma conversa em torno de carpaccios, ceviches e tártaros, o tema para o seu primeiro livro “Cru”. Do que estamos a falar?

São pratos preparados com ingredientes crus. O carpaccio é tão simples como cortar fatias muito finas de peixe e carne frescos ou mesmo legumes e frutas. Todos são temperados com azeite ou limão e vão ganhar o sabor destes ingredientes. Já o tártaro é confecionado a partir de uma boa peça, por exemplo, de carne crua, cortada em cubinhos e temperada. No tempero há inúmeros caminhos; com molho inglês, molho tabasco, gema de ovo. Já o ceviche, apesar da peça ser cortada crua, ela é marinada algum tempo num elemento cítrico que a vai cozinhar.

É curioso a Inês referir os legumes e frutas. Normalmente não associamos estes preparos a esses ingredientes.

Sim. No meu caso, as receitas decorrem do meu estilo de vida e da cozinha que pratico. Algo que, quem acompanha o meu blogue, frequenta o meu restaurante, a Carpaccaria conhece. Agora, passei para livro este meu universo que inclui todos estes elementos, a carne, o peixe, as frutas, os legumes, os arrozes, a quinoa. Não estamos a falar de crudivorismo puro e duro. Antes, de uma alimentação que conjuga diversas vertentes e que se destina a trazer bem-estar às pessoas.

inês simas

Precisamente. Aliás, esta sua dieta baseada nos alimentos crus surge depois de um episódio menos positivo na sua vida. Quer partilhar?

Claro. Abri o restaurante há dois anos e meio. Na altura já trabalhava com comida crua. Com o tempo fui estando cada vez mais envolvida com estes métodos de preparar alimentos. Tenho uma doença do sistema imunitário e percebi que quando ingeria esta comida não cozinhada me sentia muito melhor. É um tipo de cozinha que tem poucos elementos inflamatórios. Com o tempo, aquilo que começou por ser uma curiosidade e gosto alimentar, tornou-se um estilo de vida. Pode perguntar-me: “como só alimentos crus?” Claro que não, mas foco-me muito neles.

Ou seja, a Inês está a democratizar estes preparos a cru?

Sim, a minha intenção é agarrar nesta tripla dimensão do cru, os carpaccios, ceviches e tártaros e trazê-la para o dia-a-dia. Ou seja, integrar diversos elementos. Por exemplo, nos carpaccios servi-los em wraps, pão, tapas, shots, bruschettas. Nos tártaros, talvez os mais difíceis, apresenta-los com arroz, quinoa, legumes, como por exemplo a curgete e a batata-doce. Peguei nos ceviches e juntei-lhes frutos secos, sementes.

Quando a Inês escolheu o nome para o seu blogue “Cru com Pinta”, quis transmitir a ideia de que não é uma cozinha sensaborona e sem estilo?

Conseguimos comer comida crua de uma forma muito gira. Este estilo de comida é saudável, nutritivo e podemos servi-lo com bom gosto. Presta-se a jantares de família, de amigos, a ocasiões especiais.

Por falar em ocasiões especiais, como podemos preparar um prato de Natal com esta cozinha?

Tão simples quanto isto. Agarro no tártaro de bacalhau, junto-lhe grão, fazendo uma cama de puré com esta leguminosa. Adiciono uma cama de espinafres. Como vê, temos um elemento de Natal, o bacalhau, transposto para este meu mundo culinário.

E no caso de um aniversário de crianças?

Corto da forma mais engraçada que puder vários tipos de fruta e de legumes, usando um espiralizador. Obtenho um esparguete. No caso de um esparguete de pera, posso adicionar-lhe uma calda de frutos silvestres. Já a cenoura pode ser cortada em talos e disposta em tacinhas. É muito fácil.

A alimentação a cru combina com todas as estações do ano? Pode dar-nos alguns exemplos?

Sim, vamos transportar estes alimentos frescos para um universo de inverno, apresentando-a com pratos quentes, servindo a parte fresca com camas de arroz, camas de quinoa.

Voltemos ao livro “Cru”. Como nasceu esta sua obra de estreia?

Leio muito, viajo bastante e, desde muito jovem, nutro um gosto muito grande pela culinária. É claro que também há muita experimentação. Algo que já tinha transposto para o blogue, para o restaurante e, agora, para o meu livro. No fundo o que pretendo é facilitar a vida às pessoas. Transmitir a ideia de que podemos fazê-lo em nossas casas, mas exige regras. Neste sentido, o livro torna-se um manual importante.

Ou seja, a Inês está a passar um pouco da sua história de vida para este livro e para quem o lê?

A certa altura percebi que o meu percurso podia ser inspirador para muitas pessoas. Querem comer saudável mas estão fartas do bife grelhado, acompanhado de legumes. Há muitas pessoas que não consultam blogues. O objeto livro acaba por, também, chegar a esses potenciais leitores. Fiz uma sumula desta alimentação e apresento-a sistematizada e dividia por métodos de preparação. Quando apresentei o projeto à editora, a Manuscrito, o sim foi quase imediato. Depois foi um trabalho gratificante ao longo de três meses.

No seu livro encontramos receitas originais, para além das que tem no blogue, certo?

Quase todas as receitas são originais. Uma ou outra é transposta do blogue pois percebi o interesse dos meus leitores na blogosfera por estas.


Tem dois filhos. Qual é a relação deles com a cozinha a cru?

Lá em casa, marido incluído e filhos, abraçamos este tipo de alimentação. No caso das crianças sem radicalismos. Aliás, algo que se aplica também aos pais. Como mãe e educadora julgo que devo dar o exemplo. Com o tempo fui percebendo o que faz melhor ou pior a cada um dos meus filhos. Por exemplo, os lacticínios foram retirados da alimentação de um deles. Não lhes retirei o pão “normal” da dieta, o que faço é colocar-lhes à mesa um pão alternativo para que escolham.

Que conselhos daria a alguém que pretenda iniciar a sua dieta alimentar?

Este é um estilo de alimentação pelo qual me apaixonei, mas não é assumida de uma forma radical. Também não o deve ser por ninguém. Pode, por exemplo, começar por um almoço cru, em que ingere um carpaccio com salada e acompanha com fatias de pão. À noite, opta por um tártaro em cama de arroz. No dia seguinte pode estar a comer um salmão grelhado, acompanhado de legumes.

Estas preparações culinárias a cru recorrem a muitos instrumentos de cozinha?

Não. Por exemplo, no caso do carpaccio a base é uma mandolina [instrumento de corte] e pelicula aderente. Isto para preparar aquilo a que chamo o enchido. A peça que vai ao congelador para, depois, ser cortada. Se não tiver uma mandolina, pode cortar com a faca o mais fino que conseguir. Se tem pouco tempo, corta a peça fininha, coloca-a sob pelicula aderente, volta a tapar com pelicula, e espalma com o rolo de cozinha.

Ou seja, pouca louça para lavar?

[risos] Pode, quanto muito, sujar uma tábua, uma faca e uma tigela. Dou um exemplo com um jantar para dez pessoas, um ceviche. Na tábua corto o peixe, depois espremo o sumo do limão, agarro no sal e tempero. Fica a marinar na tigela. Entretanto corto o pimento vermelho, o pimento verde, os coentros, a cebola roxa, junto ao restante e está pronto.

Carpaccio de ananás e romã com hortelã

A Inês lançou-se há perto de três anos na restauração. Quer contar-nos essa aventura?

Quando abri a minha Carpacceria, no Mercado de Campo de Ourique, foi um risco assumido porque pratos de carpaccios não eram conhecidos. Era um convite a que as pessoas viessem petiscar e fossem conquistadas. Os clientes foram-se tornando fiéis. Hoje, há uma diferença abissal em relação ao momento de abertura. Isto entre os nacionais. Já os turistas, assim que entram aqui no mercado, dirigem-se ao meu espaço. Para eles não é uma tendência. A equipa está comigo desde o primeiro dia, receberam aqui a sua formação. Neste momento somos seis pessoas.

Complementa a sua atividade com outras áreas?

Organizo eventos, promovo workshops. Quero ensinar as pessoas a cozinhar a cru. Isto sempre na perspetiva da pessoa que passou por uma dificuldade na vida, que enfrentou um problema e venceu as barreiras. No fundo quero ajudar os outros.

Fotos: Inês Simas