Sónia Marcelo, nutricionista, especialista em emagrecimento, não acredita em dietas restritivas, mas numa reeducação alimentar. Mãe de duas crianças, Sónia sabe como o planeamento é importante no dia a dia. Organização que Sónia estende às refeições e ementa semanal. Para encontramos o equilíbrio entre gestão do nosso tempo e uma mesa diversa e saudável, a nutricionista lançou mão de "Ementa Planeada, Cozinha Organizada" (edições Chá das Cinco), livro que é, em simultâneo, um manual da boa alimentação e um guia da organização na cozinha, mas também nas compras.
Planear é a palavra mágica para Sónia Marcelo, também autora do livro “Guerra ao Açúcar”. Profissional de agenda preenchida, a nutricionista quer eliminar expressões como "não tenho tempo e não sei o que cozinhar para ser saudável". Na cartilha da alimentação de Sónia, criadora do blogue "Dicas de uma dietista", foi também erradicada a palavra "não". Com as dicas certas, literacia alimentar e simplificação, a mesa familiar ganha novo ânimo. Para tal, a autora apresenta no seu livro quatro ementas planeadas para os dias ou semanas mais complicadas e as ferramentas para o milagre da multiplicação sem grande esforço.
O primeiro livro da Sónia denominou-se “Guerra ao Açúcar”. Publicou-o há uns anos alertando para os perigos no consumo excessivo de açúcar. Os portugueses estão a “comportar-se melhor” no que respeita às guloseimas?
Julgo que terão mais consciência, mas daí a passarem à ação, tenho mais duvidas. De qualquer forma, já vejo mais pessoas nos supermercados a verificaram os rótulos. Sabem que o açúcar não lhes vai fazer bem, mas na prática, podem não saber interpretar o rótulo, ou ter um comportamento de excessos. O açúcar é uma questão cultural e comportamental. Com a pandemia, as pessoas também ficaram mais tempo em casa, sofreram de ansiedade e stress. Vejo em consulta que pessoas que até à data não tinham problema de excesso de peso, com o confinamento aumentaram cinco, seis, dez quilos.
A pressa é boa amiga da má cozinha?
Sim, porque, geralmente, quando estamos com falta de tempo e lhe associamos fome, não nos ajuda a sermos saudáveis. As pessoas associam a cozinha rápida a uma massa, a um arroz, a um hidrato de carbono a que juntam uma proteína, ou mesmo um pedido através das novas plataformas de comida entregue ao domicílio. Os vegetais são vistos como algo que leva tempo a confecionar. Já fiz a experiência de cozer brócolos congelados e leva exatamente os mesmos dez minutos de uma massa com atum.
Temos por vezes a ideia de que há comida que é saudável e na realidade não o é.
A nível dos restaurantes penso que não, agora no que respeita aos rótulos, por vezes não é fácil. Por exemplo, alguns produtos referem no rótulo que são integrais, pré-preparados no forno e as pessoas vão atrás destas alegações, mas na realidade não são assim tão saudáveis. A uma tomada de consciência, há que lhe juntar alguns conhecimentos. Por exemplo, preparar uns legumes cozidos com omelete, ou atum em conserva com salada.
Houve algum fator em particular a levar a Sónia a escrever o seu novo livro?
Desde que dou consultas uma das grandes necessidades das pessoas é saberem como organizarem as suas refeições e planearem as ementas. As pessoas até têm conhecimento: “as gorduras fazem mal”, “os vegetais fazem bem”, mas na hora de organizarem o seu dia, levarem as marmitas para o trabalho, perdem-se. Não priorizam a alimentação. Veem-na como uma necessidade fisiológica e não como uma questão de bem-estar e de saúde. Assim, lancei o kit digital “Plan 2behealthy” que teve muita adesão. O livro foi muito baseado no sucesso do kit, com receitas e ementas. As pessoas davam-me retorno, revelando que mudaram as suas rotinas. Pensei, então, que teria de ajudar mais pessoas.
Os vegetais são vistos como algo que leva tempo a confecionar. Já fiz a experiência de cozer brócolos congelados e leva exatamente os mesmos dez minutos de uma massa com atum.
No livro fala da sua experiência na mudança da alimentação diária e de como o nascimento do seu primeiro filho trouxe alterações. Quer partilhar com os leitores?
Já era muito organizada, nasceu comigo [risos], mas realmente com o nascimento do meu primeiro filho, o Dinis, senti necessidade de ser ainda mais organizada. Antes mesmo do Dinis nascer deixei comida pronta no congelador, sabendo que as primeiras semanas com um bebé recém-nascido não são fáceis. Deixei de ter alimentos calóricos em casa, pois quem é mãe e sabe a exaustão dos primeiros tempos com o bebé, a tentação é grande para se comer ‘qualquer coisa’, como salgados ou snacks. Com a introdução das sopas na dieta do bebé, a alimentação começou a ter um volume maior e, daí, a necessidade de um planeamento mais afinado. Tudo isto me ajudou a gerir muito bem as depressões pós-parto. Se a parte da alimentação estiver muito organizada, como ementas prontas com antecedência, tudo isso é facilitador. Tendo os alimentos em casa, ajustamo-los àquela ementa. Listamo-las numa folha de Excel, ajustada aos gostos da família.
A Sónia associa o planeamento de uma refeição a uma alimentação saudável. Sabemos que saudável não é sinónimo de dieta restritiva. Como podemos definir alimentação saudável?
A conotação que realmente damos a dieta é a de restrição, perda de peso, sacrifício, passar fome. Daí uma associação entre alimentação saudável e perda de peso. Nada disso, a alimentação saudável é algo que vai promover a nossa saúde imediata, com mais energia, assim como a saúde a longo prazo, por exemplo cuidando do colesterol elevado, dos problemas intestinais, do cansaço intelectual. Muito se consegue minimizar com uma alimentação saudável que mais não é do que uma dieta completa, olhando para a roda alimentar, aí escolhendo um pouco de cada grupo e variando. Por exemplo, dentro de cada grupo alimentar não devemos comer só arroz e batata, brócolos e couve-flor. Deve ser também uma alimentação sazonal, de acordo com os ritmos da natureza, sem aditivos, químicos. Ou seja, ter prazer no que comemos, ser o mais natural possível, sem radicalismos. Se, pontualmente, me apetecer comer um doce, em consciência, pesando os prós e os contras, vou comer um pouco daquele doce. Por exemplo, não concordo com o “dia da asneira”, ou seja, chegar a sábado para todas as asneiras. E se não me apetecer comer nada calórico, enquanto que na segunda me vai apetecer? Isto pode causa ansiedade.
A alimentação saudável é algo que vai promover a nossa saúde imediata, com mais energia, assim como a saúde a longo prazo.
Provavelmente o leitor pensará: “onde vou arranjar tempo para pensar, organizar, planear?” Será complicado?
É como tudo na vida. Tem de ser uma prioridade para nós há que disponibilizar tempo na nossa agenda. Se eu perceber quais são os benefícios que aqueles 15 ou 20 minutos investidos a planear a ementa, com refeições mais saborosas, mais saudáveis, com ingredientes naturais, me trazem estou no caminho certo. Há pessoas que compram muito mais do que aquilo que irão precisar. Por exemplo, associam o ser saudável a compras sem critério e em grandes quantidades o que acaba por levar ao desperdício de tempo e dinheiro. Ou seja, há que perceber os benefícios que aquele produto me traz, saber que numa primeira semana poderá levar mais tempo a planear, mas volvidas duas ou três semanas o processo será muito mais rápido. Sempre que percebemos que estamos perante receitas que nos sabem bem, há que juntá-las à nossa lista de receitas. Criar uma rotina, tal como o fazemos para tantas outras coisas e organizar o tempo: por exemplo à sexta-feira, à hora do almoço, tirar algum tempo e planear a ementa da semana seguinte, alternando alimentos e sabendo como os reaproveitar. Por exemplo, uma posta de salmão pode ser aproveitada num salteado de legumes. Cozendo grão para uma sopa, porque não aproveitar para um caril de grão com arroz basmati?
Planear pode significar baixar o orçamento mensal que dedicamos à alimentação, assim como reduzir o desperdício alimentar?
Costumo dizer aos meus filhos que há muitos outros meninos que não têm nada para comer. Uma forma de não desperdiçarmos é ter a cozinha organizada, comprar o que necessitamos e nas quantidades que vamos utilizar. Não nos deixarmos seduzir, por exemplo, por uma grande quantidade de vegetais bonitos, mas que não iremos utilizar na totalidade.
No seu livro não se limita a disponibilizar ementas semanais, dá ferramentas aos leitores. Que ferramentas são estas?
As ferramentas passam muito pelo passo a passo, para as pessoas se autonomizarem no que respeita a planearem as suas ementas, independentemente de procurarem apoio em especialistas. Saber como escolher os alimentos, as porções, por exemplo, usando a palma da mão e, depois, a organização da despensa e do frigorífico. Coloco-me sempre na posição do leitor, ou seja, se fosse eu a ler o livro que informação seria a mais pertinente.
A Sónia dá-nos vários exemplos de como cozinhar três pratos em menos de uma hora e trinta. Quer partilhar connosco alguns desses pratos?
A ideia é sempre reutilizar alimentos que sobram, ajustando-os a novas refeições. Desta forma, estou a poupar tempo. Posso fazer um salmão e um frango simultaneamente no forno. Mais tarde, sobrando, posso fazer um soufflé, um empadão, uns legumes salteados. Ou, na segunda-feira preparo um robalo e, com as sobras de peixe, na quarta aproveito-o desfiado numa salada. Ou seja, já nada tem a ver com o primeiro prato. Na prática, estamos a aproveitar as proteínas que citei para fazer segundos pratos e diversificar a alimentação. As pessoas acabam por repetir muito ou querer variar imenso. Não precisamos de estar todos os dias na cozinha a confecionar pratos novos. Cozinhamos, por exemplo, na segunda-feira para que dure até quarta-feira; depois voltamos a cozinhar na quinta de forma a termos refeições até domingo.
Acima de tudo, gostaria que os leitores percebessem que planear não é muito complicado. Que estejam motivados para planear, não vendo nisso uma perda de tempo e de energia. No caso dos casais, que partilhem a dois este planeamento e preparação das refeições e, havendo crianças, as chamem para estas tarefas.
Comentários