Na alimentação durante a gravidez há uma diferença substancial entre afirmar que se come para dois e por dois. O segundo termo da expressão, carrega riscos para a futura mãe e bebé. Para uma dieta alimentar saudável e esclarecida, não apenas durante a gravidez, mas também no antes - alimentação na fertilidade - e no depois – recuperação pós-parto -, a nutricionista Maria Inês Antunes, oferece aos leitores o seu novo livro, “Comer para dois” (edição Nascente).

Para a pós-graduada em Nutrição e Pediatria, “existem nutrientes com maior importância em cada uma das fases”. Mas também existe a saúde emocional que deve ser salvaguardada. Constatação que a nutricionista não traz apenas da sua área de formação profissional e prática clínica. A autora também é mãe da pequena Amélia e sobre isso nos fala, desmistificando ideias feitas, quer no que respeita à amamentação, quer às fases posteriores da alimentação infantil.

Entrevista que deixa um alerta para os perigos de alimentos que de saudáveis só carregam essa menção e onde podemos incluir chips, sumos detox e granolas. Mas também uma conversa que procura “separar o trigo do joio”, eliminando da equação orientações nutricionais que mais do que esclarecerem confundem futuros – e presentes - pais.

Mais do que nos fixarmos na dieta alimentar, trata-se de seguir um estilo de vida. Uma realidade que Maria Inês Antunes alarga à mulher e ao homem. Também no masculino a alimentação e hábitos diários influenciam a fertilidade.

 Alimentação para a fertilidade, gravidez e pós-parto nas explicações da nutricionista Maria Inês Antunes
créditos: Editora Nascente/Tânia Afonso Photography

No prefácio ao seu livro lemos que a perceção do que é realmente saudável nem sempre é óbvia. Podemos afirmar que mesmo aqueles alimentos que temos como saudáveis nos podem trazer “rasteiras”?

Claro que sim. Numa época em que há muita informação, mas também desinformação, é fácil encontrarmos produtos alimentares ditos como saudáveis, mas que merecem a nossa atenção, quer pelo tipo de processamento/confeção ou pelos próprios ingredientes que contém.

Falo por exemplo de tostas ou bolachas sem glúten e/ou biológicas, que na sua constituição continuam a ter as mesmas quantidades de açúcar que outras bolachas ditas proibidas, óleos hidrogenados e farinhas refinadas. Refiro-me aos chips de legumes embalados que são feitas com farinha, por exemplo, de ervilha, beterraba ou batata-doce e que são fritos, tal como as batatas fritas de pacote. Das granolas saudáveis de compra, que continuam a ter açúcar ou mel ou xarope de agave. Ou até mesmo dos smothies detox, que são feitos com o sumo de fruta e legumes e que nos encorajam a beber um x número das mesmas, quando na verdade, estão lá as vitaminas, é certo, mas também o açúcar presente naturalmente na fruta, em quantidades gigantescas. É recomendado o consumo de seis garrafas de quase meio litro cada, que perfazem mais de 200g de açúcar num só dia.

É preciso olharmos para os alimentos de uma forma minimalista e termos estas opções menos saudáveis como exceções e não o contrário.

A gravidez muda naturalmente a forma como a mulher encara a alimentação?

Existem naturalmente alterações hormonais durante o ciclo da mulher. O mesmo acontece, mas de uma forma mais intensa, em relação a alterações hormonais e, portanto, fisiológicas e emocionais, durante a gravidez.

Estas alterações estão associadas à oscilação do humor e do apetite, o que pode justificar, por exemplo, os desejos da grávida.

O nosso intestino é a barreira que separa o que comemos daquilo que absorvemos e por este motivo é que é tão importante criarmos uma barreira saudável.

Dividiu o livro em três partes: alimentação na fertilidade, gravidez e pós-parto. Há diferenças substanciais no regime alimentar nestes três momentos? Que alimentos devem ser transversais a todas as fases atrás indicadas?

Mais do que diferenças, existem nutrientes com maior importância em cada uma das fases. Em todas elas e especialmente durante a gravidez é importante priorizar o que fazer para aumentar os benefícios e não procurar o limite máximo de algo que pode ser realmente prejudicial e arriscar. Fazer uma alimentação que vá ao encontro de um intestino saudável, ou melhor uma microbiota saudável, deveria ser transversal a todas as fases. O nosso intestino é a barreira que separa o que comemos daquilo que absorvemos e por este motivo é que é tão importante criarmos uma barreira saudável que absorva bem todos os nutrientes e que “feche a porta” a agentes patogénicos.

Em qualquer uma destas fases não falamos apenas em alimentação, antes em estilos de vida. Vai além daquilo que levamos ao prato. Pode pormenorizar?

Aquilo que comemos é sem dúvida crucial em qualquer uma destas fases, mas na preconceção é importante existir exercício físico. Existem inúmeros estudos que associam a prática de atividade física a uma melhor fertilidade no homem e na mulher. Falo também da saúde mental, principalmente no período pós-parto. Este é um período delicado, que mistura grandes mudanças fisiológicas, com privação de sono, alterações de humor e pode vir acompanhado de ansiedade. Tudo isto pode culminar numa compulsividade alimentar ou até na perda de apetite.

Certas dietas podem produzir alterações fisiológicas no cérebro, associadas a mudanças de comportamento. Por sua vez o estado emocional pode afetar as nossas decisões alimentares, na quantidade e na qualidade dos alimentos escolhidos. É importante não descarregar o estado emocional sobre a comida e prestar atenção ao momento da refeição, apreciando-a.

Por outro lado, não se trata com chocolate a fome emocional e muito menos a saúde mental. A nutrição tem um papel fundamental no estado emocional e pode ajudar através do aumento da saciedade e/ou por exclusão da fome fisiológica. No entanto, recorrer à comida como forma compensatória do foro psicológico e emocional, pode trazer desconforto e levar a um extremo de compulsão. O acompanhamento psicológico, com um profissional especializado, é fulcral.

O seu novo livro não tem como destinatários apenas as mulheres, também o dirige aos homens. Que papel lhes compete nesta questão?

Sim, apesar do livro se debruçar sobre a nutrição na saúde da mulher, existe evidência da associação de determinados nutrientes à melhoria da fertilidade no homem. Um padrão alimentar que englobe uma elevada ingestão de frutas e vegetais, baixa ingestão de carne, gordura e alimentos processados está associado ao aumento da motilidade dos espermatozoides. Em contrapartida alimentos como a carne vermelha e a carne processada, isoflavonas de soja e doces diminuem a qualidade do sémen, têm um efeito inverso na concentração de espermatozoides e na contagem móvel total progressiva. Também têm sido estudados em relação ao aumento da fertilidade no homem o efeito positivo de determinados antioxidantes e da coenzima Q10.

Existe evidência da associação de determinados nutrientes à melhoria da fertilidade no homem.

Diz-nos a Maria Inês no livro que bebés saudáveis não dependem apenas de uma boa genética dos pais. Em particular, o que pode fazer a mãe no que respeita à alimentação para cuidar de trazer ao mundo crianças saudáveis?  

O modo como nos alimentamos condiciona não só a fertilidade, como também a saúde do bebé durante a infância e para o resto da vida.

A adesão a uma alimentação que favoreça o consumo de alimentos com propriedades anti-inflamatórias, cereais integrais, gorduras boas, frutas, vegetais, e preconize a ingestão de certos micronutrientes, faz parte da receita para uma melhor fertilidade nas mulheres e melhor qualidade do sémen nos homens. No período pré concecional é importante incluir vegetais coloridos, folhas verdes escuras, frutas como os frutos vermelhos, o abacaxi e a papaia, crucíferas, tubérculos como o gengibre e a curcuma, vegetais fermentados e alimentos probióticos.

 Alimentação para a fertilidade, gravidez e pós-parto nas explicações da nutricionista Maria Inês Antunes
créditos: Editora Nascente/Tânia Afonso Photography

No que toca à gravidez, há alimentos que a mulher deve evitar?

O álcool tem a capacidade de passar a placenta e acumular-se no líquido amniótico, prejudicando a transferência de nutrientes e oxigénio para o bebé.
Evidências recentes referem que o consumo de álcool na gravidez pode levar ao desenvolvimento de distúrbios neurológicos e da síndrome alcoólica fetal. Não existe dose segura para o consumo de álcool na gravidez.

Trabalho diariamente para levar a cabo a ideia de que devemos priorizar o que fazer para aumentar os benefícios e não procurar o limite máximo de algo que pode ser realmente prejudicial e arriscar.

No período pré concecional é importante incluir vegetais coloridos, folhas verdes escuras, frutas como os frutos vermelhos.

A higiene e segurança alimentar é muito importante durante a gravidez. Nesta questão, a mulher deve estar particularmente atenta a que aspetos?

Questões simples que, atualmente, devido à situação pandémica, já assumimos como rituais, tais como lavar sempre as mãos antes e depois de preparar os alimentos; separar os alimentos crus dos confecionados quando os guardar; cozinhar bem os alimentos, especialmente os ovos e a carne.

Há uma diferença substancial entre afirmar que se “come por dois e para dois”. Onde reside essa diferença?

Hoje, continuamos a ouvir que é preciso comer por dois. Comer por dois não é saudável nem para a mãe, nem para o bebé. Para um bebé bem nutrido e com um crescimento adequado é necessária qualidade alimentar e não quantidade. Nesta fase a prioridade é a nutrição. Adequar com rigor o balanço nutricional e as necessidades vitamínicas e minerais, permite um bom desenvolvimento fetal e diminui as complicações durante a gravidez, porque o ambiente onde o bebé se desenvolve vai condicionar o seu desenvolvimento durante toda a vida.

A Maria Inês é mãe. Quer sucintamente narrar-nos como fez/faz a gestão diária de equilíbrio entre a atenção que presta à sua filhota e a prevalência de uma alimentação saudável?

No período pós-parto há grandes alterações hormonais que têm um enorme impacto na disposição da mulher e influenciam o humor, o sono (para além da privação do mesmo) e o apetite.  Para a mãe, o bebé é a prioridade nesta fase. Mas, tecnicamente, a mãe ainda está a proporcionar o desenvolvimento do bebé mesmo do lado de fora do útero. A família e os amigos têm um papel preponderante na recuperação da mãe. Costumo dizer que mais do que ir visitar o recém-nascido, se forem a casa, ajudem nas lidas da casa: limpar, arrumar, passar a ferro, fazer comida.

Quando o bebé começa a comer é uma logística um pouco diferente, embora todo este processo seja gradual, da mesma forma que é gradual a adaptação do bebé aos novos alimentos. A minha realidade foi um pouco diferente daquilo que atualmente é comum na sociedade. Optei por estar presente a tempo inteiro no momento da introdução da alimentação complementar da Amélia e, portanto, fazia questão de manter as refeições saudáveis e de as partilhar com a minha filha à mesa, desde sempre.

Atualmente, a Amélia gosta imenso de ver o que se está a cozinhar e todo este processo é muito importante, porque vejo que lhe aguça a vontade de provar e comer de tudo.

Tenho a certeza de que a forma como a Amélia lida com a comida é uma consequência de todo este trabalho.

Comer por dois não é saudável nem para a mãe, nem para o bebé.

Há alimentos que propiciam um melhor leite materno?

Ainda vejo tanta desinformação sobre o tema da amamentação, principalmente nas redes sociais. Este livro também nasceu para desmistificar algumas ideias erradas e mitos. A alimentação da mãe influencia a composição do leite. Por isso, é tão importante ter em atenção o que come e fazer escolhas acertadas. No entanto, relativamente à produção de leite, por exemplo, não existe até à data evidencia de algum alimento que aumente ou diminua a mesma. Esta é maior quanto maior e mais frequente for a sucção do bebé ou extração do leite materno com bomba. A amamentação noturna é importante uma vez que os níveis de prolactina aumentam neste período e, desta forma, há um maior estímulo da produção de leite. O contacto pele a pele, quando o bebé nasce e sempre que possível nos primeiros dias, ajuda a aumentar os níveis de oxitocina e potencia a lactação.

Um dos aspetos mais referidos pelos pais após o nascimento dos filhos é a falta de tempo. Pode dar-nos exemplos de pratos saudáveis, ricos de nutrientes e que não nos ocupem muito tempo na cozinha?

O período pós-parto é uma hibernação. É essencial que nesta fase a alimentação satisfaça as suas necessidades, uma vez que são meses exigentes, principalmente para quem amamenta. A alimentação não deve ser só prática, mas também nutritiva para permitir uma boa recuperação do parto, dar energia, satisfazer as alterações físicas e psicológicas [vontade de comer, menor saciedade, comida de conforto] e ajudar o corpo a recuperar a sua forma física e voltar gradualmente ao peso pré-gestacional.

Podem encontrar no meu livro “Comer para [por] dois” receitas que utilizam o reaproveitamento de ingredientes preparados em refeições anteriores, mas também refeições que podem congelar e utilizar mais tarde, numa situação de impossibilidade de cozinhar a refeição. Desde sopas cruas e frias a clafouti de acelgas e quinoa, quiche de cogumelos, queques de feijão verde, bolinhas de batata-doce e frango ou bolachas veganas, que me salvaram a vida durante os primeiros dias pós-parto.