Estas perdas ditas simbólicas, como a perda do toque nas relações (e o qual passou a ser um comportamento de risco em detrimento de um comportamento de desejo de estar com o outro e de carinho), foram acompanhadas por perdas reais.
Sabemos que, em Portugal, até ao dia 25 de dezembro de 2020, morreram 6.478 pessoas. Tendo em consideração que por cada morte, estima-se que cerca de seis pessoas se encontram em luto, então cerca de 38 mil portugueses passaram as festividades natalícias a gerir a dor de uma ou mais perdas.
Num contexto pandémico, as pessoas em luto encontram-se, particularmente, em risco de desenvolver complicações no processo de luto, devido a fatores como por exemplo a ausência de rituais fúnebres como os conhecíamos, a tendencial presença de sentimentos de culpa e de raiva; uma sensação de reduzido suporte social e o predomínio de uma desesperança em relação ao futuro.
Outras perturbações
Existe igualmente o risco de desenvolvimento de outras perturbações, como depressão, stress pós-traumático e perturbações da ansiedade, bem como ter existido o agravamento das doenças mentais pré-existentes à pandemia. Tome-se como exemplo pessoas com Perturbação Obsessivo-compulsiva que, com medo da contaminação, já tinham comportamentos repetitivos de higienização e que, durante uma pandemia, se encontram em pânico – o mesmo se aplica às pessoas hipocondríacas, igualmente em maior sofrimento, perante qualquer potencial sintoma da instalação do vírus.
Como apontado no livro "A Psicologia da Pandemia", existe um risco elevado de as pessoas contaminadas com o vírus vivenciarem uma sobrecarga de sofrimento psicológico e um risco particularmente elevado de desenvolvimento de Perturbação de Stress Pós-Traumático; sentimentos de culpa e responsabilização pelo contágio de terceiros, particularmente intensos e associados a sofrimento emocional quando esta transmissão do vírus envolve pessoas próximas.
Para além do medo do desconhecido, existiram pessoas que enfrentaram a perda de toda a sua estabilidade financeira, carreira profissional e consequente bem-estar familiar, potenciando com que o futuro continuasse a ser consecutivamente visto como negro, assustador e cada vez mais sentido como incerto. O risco de ideação suicida ter sido acentuado durante este ano é também elevado, visto que algumas pessoas sentiram que “perderam tudo”.
Consumo de substâncias
Outro problema com particular importância para a saúde mental e que pode ter sido acentuado por este ano de pandemia remete para o consumo de substâncias, assim como para uma maior dependência à internet, particularmente associada ao acentuar do consumo de pornografia e do cyberbullying.
Particularmente, no que diz respeito aos adolescentes, existe um risco de terem sido desenvolvidas ou agravadas perturbações alimentares, resultado do tendencial sedentarismo, que, para alguns jovens, pode ter potenciado o aumento de peso.
É importante refletir que uma sociedade com um défice na saúde mental é uma sociedade pobre em todos os domínios do funcionamento humano – pobre nas relações interpessoais, na produtividade no contexto laboral e na educação das próximas gerações.
Como disse o psicólogo Mauro Paulino ao Expresso "quando olhamos para as evidências científicas e para as consequências psicológicas da Covid-19, é impossível não perceber que primeiro precisaremos de investir na saúde mental, pois só dessa forma se conseguirá levantar um país e a sua economia. Dificilmente o conseguiremos fazer rápido e bem com uma fatia considerável de população depressiva, ansiosa e stressada".
Naturalmente que uma reduzida saúde mental pode, em parte, facilitar, o desenvolvimento de doenças físicas, dada a menor capacidade do sistema imunitário para nos proteger e consequente maior suscetibilidade a doenças.
Desta forma, medidas de prevenção e promoção da saúde mental são cruciais, para evitar uma sociedade doente, pobre em emoções, distante de afetos. Quão bom seria se não fosse necessário existir uma pandemia para nos recordar da necessidade de cuidarmos da saúde mental para o nosso bem-estar e plenitude.
Existem algumas estratégias facilitadoras da saúde mental e que são importantes de colocar em prática, em prol do nosso bem-estar, como por exemplo:
- Praticar o auto-cuidado: recorrer a estratégias que nos fazem sentir bem, relaxados, em plenitude, como por exemplo correr, fazer yoga, cozinhar, ler, costurar, entre outro.
- Expressar aquilo que sentimos: o ser humano funciona como uma panela de pressão. À luz de uma panela que se não libertar valor, explode, é importante expressar o que sentimentos, de forma cuidada e sem desrespeitar o outro, para evitar explosões de raiva.
- Recorrer à rede de suporte social: ainda que confinados e apenas com recurso às novas tecnologias, é importante recordar que não estamos sozinhos. O distanciamento é físico e não social, é fundamental preservar as relações e manter os momentos de partilha. Porém, é importante também desligar do online e estar atento às pessoas que se encontram no mundo offline, na nossa casa.
- Definir uma rotina: é imperativo que seja definida uma rotina, no sentido de preservar a motivação para os objetivos do dia-a-dia e evitar sermos invadidos pela desmotivação.
- Controlo no contacto com fontes de informação: deve existir contacto com a informação, mas a mesma deve ser ponderada e proveniente de fontes oficiais, assim como limitada (por exemplo, duas vezes por dia), para que os meios de comunicação não controlem a nossa vida.
Se sentir que não tem recursos para gerir o sofrimento gerado pela pandemia, recorra a ajuda psicológica. Não desvalorize o seu sofrimento, pois, na verdade, estamos todos a vivenciar um período de fragilidade. Tem o direito a estar triste, a sentir-se cansado. Não está sozinho(a).
As explicações são de Sofia Gabriel e Mauro Paulino, psicólogos da MIND | Psicologia Clínica e Forense.
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