A responsável pelo projeto, a médica psiquiatra Manuela Silva, disse à Lusa que a verba ganha com este prémio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) servirá para contratar e formar as pessoas que durante nove meses vão acompanhar quem sai do internamento.
“É um ensaio clínico que pretende avaliar os resultados de uma intervenção que se destina a melhorar a continuidade e a qualidade dos cuidados a pessoas com doença mental grave, que, infelizmente, muitas vezes têm uma grande descontinuidade nos cuidados que deveriam receber. muitas vezes, o que recebem limitam-se a questões farmacológicas e estas pessoas têm necessidades mais amplas”, explicou a especialista.
A intenção é evitar a entrada na chamada “porta giratória” dos internamentos, quando há falta de acompanhamento na comunidade.
“Muitas vezes estas pessoas entram numa situação de ‘porta giratória’ em internamentos, por vezes compulsivos, e depois da alta perdem-se no acompanhamento”, disse a especialista do Hospital de Santa Maria, insistindo na necessidade de “intervenções mais próximas das pessoas, que não se limitem a consultas hospitalares”.
O ensaio baseia-se numa intervenção desenhada em Nova Iorque nos anos 80 e que já teve várias adaptações.
Neste caso, serão recrutados para o ensaio cerca de 300 doentes saídos de internamentos no Centro Universitário Hospitalar Lisboa Norte (Santa Maria e Pulido Valente), Centro Hospitalar Lisboa Ocidental (Egas Moniz e São Francisco Xavier) e Hospital Beatriz Ângelo, em Loures.
Com os 300 mil euros do prémio, a intenção é contratar, para cada um dos três serviços, quatro pessoas, formando dois pares. Em cada par, uma das pessoas tem experiência em saúde mental e a outra receberá formação para prestar cuidados a pessoas com problemas de saúde mental grave.
Uma das inovações da intervenção proposta por Manuela Silva é o facto de uma das pessoas do par ser ela também alguém que passou, ou passa, por uma experiência de doença mental grave, mas já recuperada ou estabilizada.
“Gostaríamos também que fossem pessoas ligadas às estruturas da comunidade, para perceberem que recursos há”, acrescentou.
Metade dos doentes saídos do internamento serão acompanhados por estas pessoas, que os ajudarão a retomar o dia a dia e a passar por esta fase de transição.
“As pessoas quando têm doenças desta magnitude e desta gravidade precisam não só de tratar os seus sintomas mais óbvios – são doenças psicóticas, muitas vezes com delírios e alucinações – mas também de redescobrir um sentido para a sua vida, mesmo com uma doença ou com limitações que tenham”, considerou a especialista.
Para isso, acrescentou, "não basta ter consultas de vez em quando. Precisam de apoio na gestão da medicação, de perceber quais as dificuldades que encontram na gestão da vida diária, na procura de emprego ou de uma outra ocupação”.
Os doentes que integrarem a amostra deste projeto serão avaliados, em diversos parâmetros e em três momentos: no início, nove meses depois e, “para perceber se os efeitos são sustentados”, aos 18 meses.
Manuela Silva sublinhou ainda a importância deste tipo de apoio para a integração das pessoas com problemas de saúde mental graves e até para o sucesso do tratamento.
“Está estruturado de forma que haja uma intervenção muito intensiva nos primeiros três meses. Depois, vai havendo uma identificação e uma ligação às estruturas que já existem na comunidade, exatamente para depois as pessoas não ficarem sem apoio e perder-se tudo”, explicou.
Questionada pela Lusa, Manuela Silva reconheceu que a pandemia chamou mais a atenção para a saúde mental, acrescentando que “as pessoas ficaram mais sensibilizadas para a saúde mental pois o sofrimento psicológico, nesta fase, tornou-se mais transversal e entrou na casa de muita gente”.
“É uma área cronicamente subfinanciada. Apesar da carga de doença mental ser grande, o investimento é inferiormente desproporcional à prevalência que tem na sociedade”, disse Manuela Silva, acrescentando que "estas doenças são crónicas, acompanham a pessoa pela vida, com muitas incapacidades associadas, e é preciso repensar o nível de cuidados de que as pessoas precisam, que não é só ter uma consulta aqui e acolá".
A transferência progressiva da prestação dos cuidados a pessoas com doença mental que residem em instituições dos hospitais psiquiátricos para estruturas na comunidade é uma das medidas do Programa Nacional para a Saúde Mental, que prevê a criação, até 2025/2026, de 40 equipas comunitárias.
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