Em declarações à Lusa, no âmbito do Dia Mundial de Cancro da Cabeça e Pescoço, que se assinala este sábado, o patologista Rui Henrique afirmou que, em Portugal, os fatores de risco predominantes são o tabagismo e o alcoolismo, mas “em sociedades que nós consideramos mais avançadas, por exemplo no Reino Unido, já estamos numa proporção de 50/50”.

“Em Portugal andaremos à volta dos 20/30 contra 70/80 dos fatores de risco clássicos, mas nos EUA já estamos invertidos, ou seja, já cerca de 70% dos casos estão associados ao HPV nessa localização, versus 30% associados aos clássicos”, sublinhou.

Defendeu por isso a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do cancro da cabeça e pescoço, nomeadamente sensibilizando a população a estar atenta e não desvalorizar os sintomas.

Não se devem desvalorizar sintomas como dor de garganta, alterações da audição e nariz entupido, feridas na boca e aftas que não cicatrizam ao fim de três semanas, rouquidão e outros.

O presidente do IPO-Porto considerou que os profissionais da área da saúde oral têm “uma responsabilidade muito grande e um papel muito importante a desempenhar, porque a deteção de pequenas lesões que muitas vezes são assintomáticas depende muito da observação e referenciação rápida para uma instituição em que possam ser diagnosticados”.

A maioria das pessoas associa o HPV com o cancro do colo do útero, mas “na realidade existem outros tumores que estão associados ao HPV na região anogenital (pénis, ânus, vulva e vagina) e noutras localizações, nomeadamente ao nível da orofaringe.

“Esses tumores são obviamente bastante menos frequentes que o cancro do colo do útero, mas de acordo com a observação epidemiológica que tem sido feita é que nos países ditos desenvolvidos, a percentagens de casos ao nível da orofaringe que estão associados ao HPV está a incrementar comparativamente aos casos que estão associados aos fatores de risco clássicos”, frisou.

Segundo explicou à Lusa, “o sistema de vacinação que temos implementados para o cancro do colo do útero, tem também um impacto positivo nas neoplasias associadas ao HPV ao nível da cavidade oral”.

“Cerca de 95% destes cancros da cavidade oral associados ao HPV estão associados ao HPV16, que é precisamente um dos agentes carcinogénicos que está considerado na vacina. É um ganho adicional que a vacina dá, além da prevenção ao nível do colo uterino”, frisou.

Assim, o alargamento da vacina aos rapazes “poderá fazer sentido, numa visão mais ampla que não apenas o cancro do colo do útero”, mas, Rui Henrique realça que “não existe uma ideia tão concreta da eficácia da vacina em termos de prevenção da cavidade oral versus colo do útero”.

“Isto também é preciso ser dito, não existe nenhum estudo que permita determinar qual é a capacidade de proteção, o que pode ser dito é que à partida permitirá uma melhor prevenção do que a sua ausência”, acrescentou.

Em seu entender, “a questão da vacinação dos rapazes poderá fazer sentido nessa equação, numa perspetiva mais ampla do que pura e simplesmente as neoplasias do trato anogenital”.

Anualmente, de acordo com dados disponibilizados à Lusa pelo IPO/Porto, há cerca de 2.500 novos casos da doença em Portugal, 85% dos quais em fumadores ou ex-fumadores, com taxas de incidência e mortalidade das mais elevadas na Europa.

“O reconhecimento do melhor prognóstico nos cancros de cabeça e pescoço associados ao HPV torna ainda mais importante o diagnóstico precoce. É fundamental recordar que os doentes poderão até não ter exposição aos fatores de risco mais comuns (tabaco e álcool) o que dificulta ainda mais a identificação da doença”, explicou o patologista.

Rui Henrique defendeu ainda que é “igualmente importante a sensibilização dos profissionais de saúde dos cuidados de saúde primários”.

O Instituto tem uma linha direta de comunicação com estes profissionais para que possam enviar, por correio eletrónico (clinicacabecaepescoco@ipoporto.min-saude.pt), fotografias e exames para partilhar e esclarecer dúvidas com os oncologistas da Clínica de Cabeça e Pescoço.

Em Portugal, de acordo com os últimos dados (2018), a incidência de carcinoma da cabeça e pescoço foi de 43 novos casos por 100.000 habitantes na população masculina, por ano, e de 7 novos casos por 100.000 habitantes na população feminina, com taxas de mortalidade de 20/100.000 e 3/100.000, respetivamente.