
O vírus do papiloma humano (HPV) é uma das infeções sexualmente transmissíveis mais comuns. Estima-se que a maioria das pessoas sexualmente ativas já teve contacto com o vírus em algum momento da vida. Apesar de, na maioria dos casos, a infeção ser transitória e assintomática, algumas estirpes do HPV estão associadas ao desenvolvimento de vários tipos de cancro, incluindo o cancro do colo do útero, da vulva, da vagina, do pénis, da orofaringe e do ânus. Entre essas doenças, o cancro anal tem recebido atenção crescente nos últimos anos, uma vez que a sua incidência tem aumentado, especialmente em populações de risco. Apesar de ser menos conhecido do que outros tipos de cancro associados ao HPV, como o do colo do útero, a sua prevenção e rastreio são fundamentais para a saúde pública.
O HPV é um vírus que infeta células da pele e mucosas. Existem mais de 200 tipos diferentes de HPV, sendo que cerca de 40 afetam a região anogenital e podem ser transmitidos através do contacto sexual. Os tipos de HPV podem ser dividos em: baixo risco, associados a condilomas/verrugas genitais e lesões benignas (ex: HPV 6 e 11), e alto risco, associados a lesões pré-malignas e malignas, como o cancro do colo do útero e anal (ex: HPV 16 e 18).
Embora muitas infeções pelo HPV sejam eliminadas pelo sistema imunológico sem causar complicações, algumas podem persistir e levar ao aparecimento de lesões pré-cancerígenas e, eventualmente, ao cancro.
Os sintomas do cancro anal podem ser confundidos com outras condições menos graves, como hemorróidas ou fissuras, o que pode atrasar o diagnóstico. Os sinais de alerta incluem: sangramento anal, dor ou desconforto na região anal, prurido persistente, presença de verrugas ou nódulos na região anal. O diagnóstico definitivo é feito através da biópsia, que confirma a presença de células cancerígenas.
O HPV é transmitido principalmente por relações sexuais vaginais, anais e orais, contacto íntimo de pele com pele sem penetração ou partilha de objetos sexuais. A prevenção do HPV baseia-se em 3 pilares fundamentais: vacinação, uso do preservativo e rastreio regular.
A vacinação é uma das formas mais eficazes de prevenir a infeção pelo HPV. Atualmente, em Portugal, a vacina nonavalente oferece proteção contra 9 tipos de HPV, incluindo os que causam a maioria dos casos de cancro anal. A vacina é recomendada para pré-adolescentes de ambos os sexos (aos 10 anos de idade), antes do início da atividade sexual, para garantir a proteção máxima. Contudo, pode também ser administrada a adultos, pois pode prevenir novas infeções, mesmo que já tenham estado em contacto com o vírus.
Embora o preservativo não elimine completamente o risco de transmissão do HPV, o seu uso consistente diminui significativamente a probabilidade de infeção.
O rastreio regular é essencial para a deteção precoce de lesões pré-cancerígenas, que podem ser tratadas antes de evoluírem para cancro. Ao contrário do que acontece com o cancro do colo do útero, no cancro anal, o rastreio ainda não é universal. No entanto, as diretrizes atuais recomendem o rastreio em grupos de alto risco, como: pessoas infetadas pelo VIH; homens que têm sexo com homens; mulheres com histórico de cancro da vulva, vagina ou do colo do útero; doentes transplantados; ou outros estados de imunossupressão. Exames como a citologia anal (semelhante ao exame de Papanicolau), a pesquisa de estirpes de HPV de alto risco e a anuscopia de alta resolução podem ajudar na deteção e tratamento de lesões pré-malignas.
Em conclusão, o HPV é um vírus muito prevalente e silencioso, mas que pode ter consequências graves, incluindo o desenvolvimento de cancro anal, cuja incidência tem aumentado nas últimas décadas. O seu diagnóstico precoce pode salvar vidas, tornando-se essencial a sensibilização da população e dos profissionais de saúde para os seus fatores de risco e sintomas. A informação e a prevenção são as melhores armas contra o HPV, pelo que é fundamental adoptar medidas de proteção e procurar assistência médica em casos de suspeita ou grupos de risco.
Um artigo do médico Daniel Trabulo, especialista em Gastroenterologia no Hospital da Luz Lisboa e Hospital da Luz Setúbal, e Professor convidado do curso de Medicina da Universidade Católica Portuguesa.
Comentários