Seria ilegal, uma vez que pessoas infetadas têm o dever de isolamento, mas há pessoas infetadas com o SARS-CoV-2, o coronavírus que causa a COVID-19, a planearem passar as festividades do Natal com outras pessoas infetadas.

"Corremos o risco de as pessoas nessa corona party ficarem contagiadas duplamente. Um apanha o coronavírus da variante de Delta e o outro apanha o da variante Omicron e é a tempestade perfeita. Pode haver depois uma recombinação do vírus e aparecer uma coisa pior, uma supervariante. Isto é uma coisa de loucos", alerta o médico pneumologista João Carlos Winck que assevera: "Juntar pessoas infetadas é totalmente desaconselhado e despropositado".

"Estão a circular duas variantes do vírus ao mesmo tempo. Quando as pessoas fazem o PCR ou o teste de antigénio, ninguém lhes diz qual é a variante que têm. Isso é algo que se tem de pedir diretamente ao laboratório e provavelmente não respondem a todas as pessoas", explica o especialista que é também professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e coordenador da área da ventilação não invasiva da Sociedade Respiratória Europeia.

Isto é uma roleta russa. Uma pessoa com 30 ou 50 anos pode ir parar aos cuidados intensivos

"Nós ouvimos muito essas ideias por parte das pessoas antivacinas que queriam ter os certificados de recuperação já que não iriam tomar a vacina. Muitas dessas corona parties correram mal. Houve pessoas que morreram, porque achavam que o coronavírus era uma brincadeira. Isto é uma roleta russa. Uma pessoa com 30 ou 50 anos pode ir parar aos cuidados intensivos", adverte o especialista.

No caso das enfermarias, em que os doentes com coronavírus são expostos a outros doentes - mas estão de máscara -, o pneumologista João Carlos Winck admite: "Isso é algo que me preocupa, porque os hospitais não fazem a mínima ideia quais são as variantes dos doentes que admitem. Não fazem ideia, porque não temos capacidade de testagem. Alguns hospitais conseguem detetar a deficiência do gene-S e, quando assim é, provavelmente trata-se da Omicron. O ideal seria, nestas semanas em que a Delta ainda está em circulação, criar áreas específicas para a estirpe Omicron e para outras estirpes", defende.

João Carlos Winck
João Carlos Winck João Carlos Winck, médico pneumologista, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e Coordenador da área da ventilação não invasiva da Sociedade Respiratória Europeia créditos: Nuno Coimbra

De acordo com o imunologista Marc Veldhoen, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM), existe algum perigo para as pessoas com o vírus SARS-CoV-2 que planeiem estar com outros infetados, pois "recebem vírus extra de outras pessoas, o que pode aumentar o risco de doença grave se houver problemas de saúde subjacentes e, às vezes, desconhecidos". "Não é muito provável para a maioria, mas o risco existe", comenta.

"As pessoas [com infeção] não devem viajar, expondo outras pessoas ao vírus. Isso pode resultar no aumento da circulação viral, alcançando aqueles que são mais vulneráveis ao vírus. Todos nós nos lembramos de janeiro de 2021 [quando houve um pico de infeções e mortes associadas à COVID-19 em Portugal] e devemos evitar que isso aconteça novamente. Por favor, sejam muito responsáveis", indica o especialista. "Este vírus é muito infeccioso e devemos fazer tudo para não espalhá-lo", afirma.

O SAPO tentou obter um comentário junto da Direção-Geral da Saúde (DGS), mas não recebeu qualquer resposta.

Infetados do mesmo agregado

No caso das pessoas infetadas que pertençam ao mesmo agregado familiar, o risco do convívio é menor. "Nesse caso, não há tanto risco. O que nós aconselhamos é que as pessoas que estão em casa e que estão infetadas se tentem isolar do resto do agregado familiar. Se entretanto, todos se contagiaram porque não foi possível o isolamento, já não precisam de se isolar porque muito provavelmente são da mesma variante", refere o médico João Carlos Winck.

Se as pessoas de uma mesma família são todas positivas, não há razão para que não possam estar juntas durante as festas

O imunologista Marc Veldhoen tem a mesma opinião. "Se as pessoas de uma mesma família são todas positivas, não há razão para que não possam estar juntas durante as festas", diz.

Marc Veldhoen, imunologista e investigador do iMM
Marc Veldhoen, imunologista e investigador do iMM Marc Veldhoen, imunologista e investigador do iMM créditos: Gonçalo Ribeiro/iMM

A variante Omicron já foi detetada em, pelo menos, 106 países, incluindo Portugal, é mais transmissível, mas, apesar de escapar em parte às vacinas, estas continuam eficazes a prevenir a doença grave e a morte.

"A vantagem de uma terceira dose é brutal e, por isso, acho que nós, em Portugal, estamos a atrasar imenso a vacinação. Esta não era altura de baixar os braços e fechar os centros de vacinação durante vários dias. Eu sei que já há uma taxa muito elevada de pessoas com mais de 65 anos com a terceira dose, e os outros?", questiona o pneumologista João Carlos Winck.

"Em cinco dias podemos vacinar mais de 300 mil pessoas. Era importante continuar a vacinar para evitar um novo pico de infeções em janeiro", comenta o médico.

"Dados concretos dizem-nos que a terceira dose protege 70% contra a infeção por Omicron, enquanto as duas doses conferem uma eficácia de proteção de 30%", acrescenta.

As farmacêuticas, apesar de garantirem a eficácia das suas vacinas, assumem a necessidade da administração de uma terceira dose de reforço, para restabelecer os níveis de anticorpos desejáveis no organismo, e estão a preparar uma fórmula específica para a Omicron.

Apesar de ser necessário um maior número de anticorpos para neutralizar a nova variante, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o regulador europeu do medicamento (EMA) consideram que à data as vacinas aprovadas para a COVID-19 continuam eficazes contra a doença grave, hospitalizações e morte.

Cientistas lembram que quando os níveis de anticorpos induzidos pelas vacinas diminuem, isso não significa que se deixe de estar protegido, pois no intricado "puzzle" da imunidade há que contar com outra "peça", a da memória imunológica conferida por células do sistema imunitário.

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