Quando esta pandemia começou como um surto epidémico na longínqua China, no íntimo, bem no íntimo, encolhemos os ombros e pensámos: Ah, coisas da China! E continuámos com as nossas vidinhas, convencidos que era coisa que cá não entraria, como aliás já acontecera em 2002 com o SARS-CoV que nunca chegou à Europa e muito menos a Portugal.
Só raros epidemiologistas e a Direcção-Geral de Saúde (DGS) se preocuparam com isso: “Têm que mostrar que são úteis. Que servem para alguma coisa. Ora, ora. Não vai acontecer nada!”, eram os comentários que então se ouviam. Subitamente, porém, ou talvez não tão subitamente como isso, as portas do inferno abriram-se e a pandemia caiu-nos fragorosamente em cima. E agora estamos em estado de emergência, em quarentena total, vivendo receosos, mas no íntimo confiantes que no tímido e gradual recomeço da nossa vida económica não acontecerá em Portugal o que aconteceu na Itália ou na vizinha Espanha. Esse receio, essa dúvida, não perpassa apenas no comum dos portugueses. É uma preocupação real dos governantes e da DGS. Porque, apesar da forma notável como têm sabido conduzir o país nesta provação e embora mais informados têm também dúvidas se as medidas que vão tomar no gradual recomeço da nossa vida socioeconómica serão as mais adequadas e suficientes para que esta não feneça e a pandemia não recrudesça.
Certezas absolutas não há. Muitas das medidas agora tomadas sofrerão recuos e outras serão implementadas. Passaremos do estado de emergência ao estado de calamidade, algumas liberdades serão retomadas como o direito à greve, mas o confinamento obrigatório para alguns poderá continuar, bem como será regulado o modo e forma como determinadas atividades e profissões exercerão o seu “metier”. Lenta mas seguramente trilharemos juntos o caminho da normalidade e do desenvolvimento económico. E para isso contamos com os conhecimentos científicos que a medicina nos proporcionará para melhor nos defendermos.
Porém, há que estar consciente que ainda se sabe relativamente pouco sobre o comportamento do SARs-CoV-2. Em especial no que respeita à imunidade ou melhor quanto ao modo como o hospedeiro desenvolve anticorpos neutralizantes contra o vírus que lhe irão permitir ficar imune e não ser de novo reinfectado. Imunidade essa também necessária à criação da chamada imunidade de grupo que protegerá toda a população portuguesa, mesmo aqueles que não são imunes.
Só que, no que respeita à imunidade, sabe-se ainda muito pouco. Este vírus conferirá imunidade? Durante quanto tempo? Anos? Meses? Qual é a concentração de IgG anti SARS-CoV-2 (o anticorpo neutralizante) necessária para que haja imunidade?
A vacina, a nossa grande esperança, irá conferir imunidade duradoura? Durante anos? Alguns meses? Há fundados receios de que a imunidade seja pouco efetiva e que se desvaneça num curto período de tempo. É certo que neste momento estão a ser desenvolvidas mais de 70 possíveis vacinas. Muitas ficarão pelo caminho e poucas vingarão. Das que restarem só o tempo dirá da sua real eficácia. E muito felizes ficaremos se os resultados obtidos sejam pelo menos semelhantes aos da vacina contra o vírus da gripe que deve ser repetida apenas uma vez por ano.
Por isso neste relativo aliviar de regras de confinamento, necessário para não tornar comatosa a nossa economia é fundamental que todos sem exceção mantenham os hábitos de higiene e afastamento social e não deixem de usar máscara porque se todos o fizermos proteger-nos-emos mutuamente. O mesmo é válido para aqueles que já tiveram o Covid-19, pois o pouco que sabemos sobre imunidade não garante que não possam ser veículo do vírus ou que não sejam reinfectados.
Só assim evitaremos um novo surto epidémico. Só assim não teremos uma segunda vaga.
Um artigo de opinião do médico Germano de Sousa.
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